domingo, 1 de outubro de 2017

Velas para Lula e a esquerda no escuro - VINICIUS TORRES FREIRE


FOLHA DE SP - 01/10

A pichação velha diz "R$ 3,20, jamais". Está lá desde junho de 2013, no cruzamento da avenida Paulista com a rua da Consolação, centro de São Paulo. Era um mote contra o aumento de vinte centavos das passagens.

O "pixo" tem efeito hipnótico. Sempre me faz perguntar que fim levou tudo isso. Nesta semana, me lembrou dos secundaristas que ocupavam escolas em protesto contra a reforma do ensino médio, a PEC do teto de gastos etc. Quanto tempo faz isso? Dois, três anos?

Faz apenas um ano, neste outubro. A greve grande de abril, contra a mudança na Previdência, parece igualmente remota. Ajudou a plasmar a péssima imagem pública das reformas e a assustar parlamentares, que assim arrumaram um pretexto quase final para não bulir com as aposentadorias. Desde então, a esquerda entrou de vez em coma, no hospício ou fugiu para as montanhas.

O movimento dos secundaristas virou fumaça, como se esvaneceram no ar os jovens do MPL, Movimento Passe Livre, o dos vinte centavos, que riscou o fósforo na casa cheia de gás sem cheiro que era o junho de 2013.

Em outubro, os secundaristas ocupavam mil escolas pelo país, a maioria no Paraná. O movimento pipocava desde o fim de 2015, quando estudantes paulistas tomaram umas 200 escolas, derrubaram um secretário da Educação e o prestígio de Geraldo Alckmin. A história, porém, não poderia render nem rendeu mais do que autocongratulações esquerdistas iludidas sobre o renascimento do movimento estudantil e louvações do idealismo renovado da "garotada", essas cafonices.

As centrais sindicais tentaram reviver a greve de abril nos meses seguintes, o que deu em grande fiasco. A reforma trabalhista passou sem um pio das ruas. Os sindicatos ora se limitam a pedir um capilé a Michel Temer, a volta de alguma contribuição sindical. As centrais se tornaram o Centrão do que um dia foi o movimento dos trabalhadores.

Os trabalhadores se viram. Em 2016, houve mais de 2.000 greves, segundo o Dieese, inédito desde FHC 1. As paralisações haviam minguado para 400 ao ano sob Lula e voltaram a crescer em 2010.

Nos tempos idos da alegria petista, até 2013, a maioria das greves reivindicava reajuste de salário. No ano passado, a maioria cobrava salários atrasados. No entanto, mal se ouviu falar dessas greves de 2016, mesmo da boca de sindicalistas. Para espanto de gente com ideias antigas, a esquerda se divorcia do trabalho.

O PT, entre a rua do hospício e a praça da cadeia, passou os meses recentes a bajular o ditador do horror venezuelano, Nicolás Maduro, e no mais limita a Lula lá sua esperança de evitar ruína ainda maior nas eleições de 2018. Seus parlamentares negociam acordões, como a reforma política salafrária.

Amigos abnegados da militância de esquerda contam que coletivos de periferia e outros movimentos novos estão vivos, embora pequenos, mas se articulando, evoluindo nos casulos para emergirem depois do fim do período de trevas, quem sabe em meia dúzia de anos. Por ora, parecem mesmo na periferia, à margem.

Do centro à extrema-direita, articulam-se novidades ou a ressuscitação de frankensteins das trevas do inferno. A esquerda oficial acende velas para seu morto vivo, Lula. No mais, escuridão.

Janot venceu - ELIANE CANTANHÊDE, OESP


ESTADÃO -  01/10

A obsessão da PGR contra Temer deu certo, mas Janot tem contas a acertar com a história

A enxurrada de revelações sobre Joesley Batista e o desgaste da PGR deixaram um rastro de destruição para o próprio Joesley e atingiram a imagem de Rodrigo Janot, mas nem por isso refletiram positivamente no presidente Michel Temer, principal alvo do complô da JBS com a PGR, com beneplácito do Supremo. O estrago feito em Temer está feito e é comprovado pelos chocantes 3% de aprovação na rodada CNI-Ibope.

Assim como o acordo de delação de Joesley explodiu, mas as provas sobreviveram firmes e fortes, a credibilidade da gestão Janot na PGR balançou, mas suas flechadas contra Temer atingiram o alvo e o presidente não consegue se recuperar. Não tira proveito algum, político ou pessoal, da debacle dos inimigos. Implodem todos, denunciantes e denunciados, e o desfecho da nova denúncia contra Temer é esperado, mas vai custar caro – inclusive ao País.

Já estava claro quem era Joesley Batista quando ele gravou Temer no Jaburu e “se pirulitou” para Nova York a bordo de seu jato e do acordo do século com a PGR de Janot, homologado rapidinho pelo ministro do STF Edson Fachin. Agora, é o próprio Joesley quem se declara, em nova gravação divulgada pela revista, como um criminoso – e de diversas organizações criminosas.


Uma questão central das delações da JBS foi Janot e sua equipe se recusarem a classificar Joesley como chefe de quadrilha. Por quê? Porque, se classificassem, ele não poderia se beneficiar do acordo. Não só se beneficiou por sair livre, leve, solto, como aproveitou para embolsar mais alguns milhões na Bolsa e no mercado de câmbio.

Era óbvio, e está cada vez mais ululante, que Joesley era, sim, o chefe de uma das mais poderosas organizações criminosas gestadas neste País, algo que foi debatido nos quatro dias de julgamento do Supremo sobre até que ponto delações são intocáveis como cláusulas pétreas da Constituição. Não são, nem podem ser, como comprova a rebordosa Joesley e já vinha ensinando a PF, onde a perplexidade com a PGR é enorme.

Como diz um velho procurador, ninguém considera Michel Temer um santo, mas não cabe à PGR, ao STF ou à PF trabalhar com “a obsessão” de derrubar quem quer que seja, muito menos o presidente da República. A expectativa é de que a nova procuradora-geral, Raquel Dodge, seja dura no combate à corrupção e na condução da própria Lava Jato, mas sem passionalidade e flechas, só com leis e regras. Vamos rezar.

Uma das mais perigosas cascas de banana no seu caminho é a investigação sobre os procuradores tragados pelo tsunami, a começar de Marcelo Miller e Ângelo Goulart Vilela, preso por favorecimento à JBS. Ambos foram revelados por, digamos, agentes externos, não pela própria PGR. E agora, a PGR vai investigá-los?

Outro fator é que há tempos não damos bola para CPIs, mas a que investiga esse imbróglio tem apoio da PF, está a mil por hora e já produz efeitos, como a quebra dos sigilos de Miller. Podem surgir cobras e lagartos daí, inclusive a resposta para uma dica nas gravações de Joesley com Ricardo Saud: eles diziam que Miller seria só o primeiro da PGR no escritório de advocacia no Rio que defendia a JBS, depois viriam outros – como o próprio Janot, após a PGR.

A bem de Rodrigo Janot, a imagem que ele deixa na PF, na Justiça, no próprio STF, é mais de um equivocado, um justiceiro estabanado, do que qualquer outra coisa mais grave. E deixa uma lição: no furor de combater a corrupção, não se podem eleger seus corruptos favoritos para tratar bem e os corruptos dos outros para flechar mortalmente. Isso costuma ter efeito bumerangue. Dito e feito. A função mais urgente de Dodge é botar a casa em ordem, descartar bambus e flechas e reativar as leis e a imparcialidade.

Conversa em roda de amigos - FERNANDO GABEIRA, O Globo


O GLOBO - 01/10
Há sempre no ar uma certa nostalgia de um nome, um líder para o processo de renovação


Nas horas de folga, tenho conversado com amigos, quase todos preocupados com o Brasil. Alguns pensam até em se candidatar e contribuir com o processo. Por que não? Em todo o país há um apelo por renovar. Aos que tomam o caminho de concorrer a cargos públicos, lembro apenas que não basta uma troca de nomes. Com as mesmas regras do jogo, o sistema resulta em perversão.

Há ainda os que querem fazer algo, sem deixar o seu trabalho, só como eleitores. O que fazer? Sinceramente a melhor resposta é trocar ideias entre as pessoas que querem fazer algo. Dessa teia de relações, acabam surgindo os rumos e possibilidades.

Há sempre no ar uma certa nostalgia de um nome, um líder para o processo de renovação. No entanto, é é preciso seguir conversando, independente disso. Quanto mais amadurecida estiver a sociedade no seu desejo de renovação, quanto mais tiver clareza do que quer e não quer mais, mais fácil aparecer alguém para liderá-la. Não são necessárias qualidades extraordinárias.

Outra vantagem de uma sociedade mais informada é que pode trocar seus líderes com facilidade. Não depende de um salvador. A recente tragédia da esquerda brasileira foi também ter depositado todas as suas esperanças num líder. Ela não estava preparada para o ocaso de Lula e simplesmente não consegue admiti-lo.

Palocci descreveu, em sua carta, algo que já mencionei em alguns artigos. A necessidade de dar as costas às evidências, a transformação num movimento religioso que cultua o líder e o considera um perseguido apesar dos fatos. Nem sei se a expressão religiosa é adequada. Não faz justiça, por exemplo, ao budismo, que estimula o encontro da iluminação por um caminho próprio e afirma que ela está dentro de cada um.

Na história do budismo, houve momentos em que não havia Buda e, mesmo sem ele, um grupo de pessoas compreendeu todos os ensinamentos por contra própria. São tratados com admiração: os que chegaram ao conhecimento sem a ajuda de um grande mestre.

A política não dispensa lideranças. Mas as virtudes necessárias dependem do momento histórico. O fracasso do populismo de direita abriu caminho para líderes messiânicos de direita.

Lula é uma divindade para os adeptos, Bolsonaro é um mito para os seus. Naturalmente essa emoção domina milhares de pessoas. Mas é crescente o nível de informação da sociedade e, na medida em que amadurece, a tendência majoritária é não acreditar em mitos ou divindades políticas.

Durante alguns anos, presenciei a transformação que o mundo digital nos trouxe. No princípio, a cena política a considerou apenas algo que estava aí, fervilhando, mas correndo em paralelo, sem influenciá-la. Agora, os mecanismos de controle são muito maiores. O próprio governo Temer foi levado a mudar de posições por pressão da sociedade.

Outro fator positivo é o impacto da Lava-Jato. O processo de corrupção pode até continuar, mas hoje se está mais equipado para investigá-lo, e tanto políticos como empresários conhecem o alto risco dessas práticas. Se a maioria moderada conseguir impor um caminho, certamente terá de derrotar o populismo, os futuros luminosos, os amanhãs que cantam, o paraíso prometido. Mais informada e consciente, a sociedade poderá escapar de outras divindades que às vezes se apresentam como absolutas: o mercado e o Estado.

Sem um grande líder messiânico, sem soluções radicais mas apenas um esforço para reerguer o Brasil e deixar que siga os seus passos, a alternativa pode parecer até um pouco monótona. No entanto, não tenho visto ninguém se abalar, nos novos grupos e experiências que, às vezes, mostro na televisão, por ideias fantásticas, fórmulas revolucionárias.

A maioria das pessoas com quem falo está preocupada com a decadência do Brasil, querendo fazer algo para que o país não se derreta no pântano em que foi lançado. São jovens que chegam à política agora, em 2018, com uma grande compreensão de como as pessoas informadas podem influir no processo. Certamente estarão preparadas para concluir que o caminho de consolidar as conquistas será pela educação.

Talvez esteja terminando também, com tantos outras deformações, um tipo de político que não se importa com a educação, que depende de ignorância para se manter na carreira. Reconheço que isso é uma posição otimista: apoiar-se na clássica ideia de que o ser humano pode saber, logo tornar-se livre.

Segundo Karl Popper, existe também o polo contrário: o do descrédito na capacidade humana de achar a verdade. Esses polos estão sempre em confronto e dividem os que querem ampliar a democracia e os que, baseados na sua convicção pessimista, tendem para a busca de uma autoridade forte para evitar o pior. Se estivesse na conferência do general Mourão, aquele que admitiu a possibilidade de intervenção militar, concordaria com suas críticas aos políticos. No entanto, diria apenas que acredito na capacidade de resolvermos nossos problemas, sem recuar na democracia.

O ano que entra é o começo de um novo ato. Um oásis potencial para nossos olhos, voltados hoje para a sujeira do passado e a mediocridade do presente.