sábado, 30 de setembro de 2017

Por uma rede agnóstica, Demi Getschko, O Estado de S.Paulo


“Neutro” vem do latim “neuter”, que se compõe de “ne” e “uter”, significando “nem um, nem outro”. Por isso, na Química, o ph 7 é neutro, já que não é ácido nem básico. E “isto” ou “aquilo” é neutro em português, ao contrário de “esta” ou “aquele”. O neutro não distingue ácido ou base, masculino ou feminino. O neutro é agnóstico e não seletivo.


25 Janeiro 2016 | 03h16
Se falamos em internet, como encaixar o “neutro” no contexto? Ajudará, inicialmente, dar uma olhada em como mecanismos que atuam na rede foram construídos. O que sempre ressalta é o uso de bom senso, da colaboração e da distribuição, além de uma coerente analogia com o mundo real. Se queremos, por exemplo, projetar um serviço de correio no mundo material, precisamos pensar em como transportar cartas. Temos que saber para onde devem ser remetidas, eventualmente seu peso e dimensões, mas não de que tema tratam. Se alguém remete o próprio currículo, para buscar a única oportunidade, imperdível, de emprego da vida, ou se está enviando uma coleção de piadas a outro amigo (bem, hoje essa pode ser uma atividade de risco...) isso não diz respeito ao correio, que não deve conhecer o conteúdo. Também não se levará em conta se o destinatário mora em área “diferenciada”, de alto padrão, ou se a rua dele sequer tem calçamento: a entrega será feita sob chuva ou sol e calor ou frio, com o mesmo empenho que Júlio Verne descreve em Miguel Strogoff, o correio do czar.
Na internet os protocolos foram definidos com sendo agnósticos em relação ao conteúdo. E sobre os protocolos básicos abertamente construídos, nada impede a adição de outros mais. Isso permitiu, por exemplo, o surgimento da web, da voz sobre rede, da imagem, entre outros. O que tecnicamente se entende como “neutralidade” na rede tem, então, três pilares básicos: não discriminar endereços de origem e destino; não olhar conteúdo; não vedar serviços tecnicamente possíveis sobre a rede, tanto os que hoje existam como os que virão a existir.
Neutralidade diz respeito à rede e resguarda-se ao usuário final o direito de dispor do que recebe. Assim com eu posso jogar fora uma carta em papel, ou não atender uma ligação telefônica, eu posso decidir o que entra ou não, via rede, em minha casa ou computador. Essa é uma decisão do usuário final que não pode ser assumida por nenhum ator no meio do processo. É a rede que deve ser neutra, em todos os seus segmentos e operadores, não suas terminações. Assim, um site pode ser grátis ou pago, pode exigir ou não identificação dos que o acessam, ou pode impedir acessos que considera inadequados, visto que “neutralidade” não se aplica aos pontos finais. A analogia com o mundo real é simples: o proprietário de uma casa decide quem pode entrar e quando. Mas a rua é pública e neutra, os transportes devem ser públicos e neutros, os conteúdos transportados deve ser invioláveis e a evolução dinâmica da rede deve ser mantida aberta e livre – afinal nunca sabemos que novos e fantásticos serviços podem surgir amanhã.
Proteger a internet deve ser prioridade. Adaptando uma frase de Nietzsche, “eu não sei o que quero que a internet seja amanhã, mas sei muito bem no que eu não gostaria que ela se tornasse”.

Engenheiro de São Paulo inventa máquina que 'fabrica' água, FSP


Falta de água, racionamento e calor são temas que preocupam o governo paulista nos últimos meses, em meio à maior crise hídrica da história. Para um inventor de Valinhos, a 85 km de São Paulo, a solução para esses problemas veio, literalmente, do ar.
Engenheiro mecatrônico, Pedro Ricardo Paulino patenteou em 2010 a Wateair, máquina que faz água condensando a umidade do ar.
A água produzida -que passa por um sistema de purificação que elimina as bactérias- é tão limpa que seu uso inicial foi em máquinas de hemodiálise. Para ser consumida, ela precisa passar por um segundo filtro, que adiciona sais minerais à solução.
Tudo o que a Wateair precisa para funcionar é estar ligada na tomada. Quanto mais úmido estiver o ambiente, mais ela produz. Porém, se a umidade cair a menos de 10%, ela para de funcionar. Isso elimina o risco de deixar um ambiente fechado muito seco. No dia mais seco deste ano em São Paulo, o nível chegou a 19%.

SALGADA
A contadora Maria Helena Castro, 31, comprou uma máquina em maio para suprir a falta d'água no sítio dela em Itu (a 101 km de SP).
Ela desembolsou R$ 120 mil na versão que produz até mil litros por dia. "Tinha problemas com falta de água desde fevereiro. Hoje, crio minhas galinhas, porcos, coelhos e irrigo minha plantação sem dor de cabeça", diz.
Maria Helena conta que o preço compensa e que ainda não precisou fazer nenhuma troca de filtro ou manutenção.
O inventor explica que, como os componentes da máquina são importados e a demanda ainda é pequena, os custos são elevados. "Tudo é encomendado e praticamente não existe nada feito em linha de produção", afirma.
Apu Gomes/Folhapress
Pedro Ricardo Paulino posa com uma das versões de sua máquina em Valinhos; no detalhe, o menor modelo do aparelho
Pedro Ricardo Paulino posa com uma das versões de sua máquina em Valinhos, no interior de SP
A menor máquina, que produz 30 litros por dia com a umidade relativa do ar a 80%, custa R$ 7.000. A maior, que chega a 5.000 litros por dia, é vendida por R$ 350 mil.
Segundo o criador, o gasto de energia elétrica para fazer um litro de água é equivalente a R$ 0,17 em São Paulo. Portanto, encher uma caixa d'água de mil litros custa R$ 170.
A Sabesp cobra em média R$ 7,25 (incluindo a tarifa de esgoto) para distribuir a mesma quantidade a uma família de quatro pessoas. Ainda assim, o inventor diz que a procura pela máquina aumentou exponencialmente nos últimos meses.
"Os clientes antes eram escolas ou pessoas que precisavam de água potável em menor quantidade. Agora, vendemos a restaurantes, produtores de remédios e outros prejudicados pelo fornecimento de água e pela dificuldade da captação por poços", diz.
Segundo o engenheiro, um aparelho de ar-condicionado comum faz algo semelhante, mas produz água com metais pesados e bactérias.
Paulino começou o projeto nos anos 1990, numa multinacional. Em 2006, passou a desenvolver a máquina com o próprio dinheiro. Quatro anos depois, conseguiu atestar a qualidade da água produzida e patenteou a Wateair.
Para o inventor, o aparelho pode ser uma das soluções para a crise. "Máquinas como essa em escala gigante e a dessalinização da água do mar são opções para o futuro de São Paulo."
Como funciona
1 - Turbinas aspiram o ar para dentro da máquina
2 - As moléculas de água são condensadas e tornam-se líquidas
3 - Filtros e raios ultravioleta purificam a água
4 - Outro filtro adiciona sais minerais
5 - Pronta para ser consumida, a água é armazenada em um reservatório 

Uma decisão surpreendente - CARLOS VELLOSO, OESP




ESTADÃO - 29/09

A menos que se renegue o Estado de Direito, o que importa é cumprir a Constituição


Analisemos, sem quebra da reverência e do respeito devidos, a decisão proferida, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), no agravo interposto na cautelar requerida pela Procuradoria-Geral da República, cautelar apresentada pelo mesmo órgão do Ministério Público, com base em gravação feita por Wesley Batista, um dos donos da JBS, com o fito de obter perdão consistente numa colossal imunidade penal. Esse senhor acabou preso, a requerimento do Ministério Público, porque se descobriu que mentira. Na cautelar foi pedida a prisão do senador e seu afastamento do mandato que lhe foi outorgado pelo povo.

A decisão, com todo o respeito, foi surpreendente.

O voto do relator, ministro Marco Aurélio Mello, minucioso e longo, foi pelo não cabimento da prisão, do afastamento e demais medidas alternativas. No mesmo sentido, o voto do ministro Alexandre de Moraes, largamente fundamentado. Os ministros Marco Aurélio e Alexandre de Moraes deixaram claro que, conforme expresso na Constituição, “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável”, caso em que “os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão” (artigo 52, § 2.º). No tocante ao pedido de prisão, todos os integrantes da turma ficaram de acordo com os votos dos ministros Marco Aurélio e Alexandre de Moraes.

Em seguida vieram os votos divergentes quanto às medidas alternativas, capitaneados pelos ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux.

Surpreendente. É que, se não ocorrem os motivos da prisão, nem ela seria cabível, é evidente que também ausentes os motivos ou fundamento para a imposição de medidas alternativas. A decisão é, portanto, no mínimo, contraditória.

E mais: sem que houvesse denúncia, regularmente recebida pelo Supremo Tribunal, ao senador foi imposto o afastamento do mandato. Se denúncia tivesse sido recebida contra o parlamentar, depois de lhe ter sido assegurado o direito de defesa, ainda nessa hipótese seria discutível a medida. Ao que entendo, somente a Casa a que pertence o parlamentar pode afastar um de seus membros. Investido este no mandato, pelo voto popular, expressão maior da cidadania, somente quem da mesma forma está investido poderia afastá-lo. O parlamentar encarna a democracia representativa que praticamos.

Assim posta a questão, a medida consistente na suspensão do mandato, da forma como adotada, representa um desrespeito ao voto popular e ao Poder Legislativo, constituindo ofensa ao princípio da separação dos Poderes (artigo 2.º da Carta Magna), traço caracterizador do presidencialismo, a que a Constituição confere status de cláusula pétrea (artigo 60, § 4.º, III).

E o que me parece incompreensível: foi adotada, contra o senador, dentre outras medidas, a obrigatoriedade do recolhimento domiciliar noturno. É inacreditável e imperdoável que se possa invocar, no ponto, disposição inscrita no Código de Processo, pretendendo, dessa forma, invocar a Constituição no rumo da lei ordinária, quando esta, sim, há de ser invocada no rumo da Constituição. Na verdade, ao parlamentar foi imposta, com ofensa à Lei Maior, a pena de prisão em regime aberto. Nesse caso, ao Senado Federal devem ser remetidos os autos, em 24 horas, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a medida alternativa que, na realidade, é prisão em regime aberto (artigo 53, § 2.º da Lei Maior).

Gostemos ou não, o que importa é que seja cumprida a Constituição, a menos que se renegue o Estado de Direito. O preço que se paga, no caso, por vivermos num Estado de Direito Democrático não é caro. Convém lembrar que o Parlamento é o poder que melhor representa a democracia. E que – vale repetir um velho brocardo – ruim com o Parlamento, pior sem ele. O que temos de fazer é pugnar pelo aperfeiçoamento do voto e da representação. Encarar a representação como mero serviço público, desprestigiá-la, é obra de quem não tem apreço pela democracia.

O ministro Marco Aurélio, um juiz independente, que a comunidade jurídica respeita, manifestou-se, expressamente, em entrevista à mídia, no sentido de que “o que nós tivemos foi a decretação de uma prisão preventiva em regime aberto. Vamos usar o português”.

Arroubos juvenis de moralismo – ponderou-me, certa feita, um velho juiz de Minas – não ficam bem. Esses arroubos desvirtuam o caráter da Justiça. O que deve ficar acertado é que a Justiça, proclamou o patriarca do Direito Civil brasileiro, Clóvis Beviláqua, “é o Direito iluminado pela moral” – coisa diversa de moralismo, acrescentamos, que, de regra, é moral sem ética.

Combater a corrupção é dever de todos. O Império Romano, que foi dono do mundo e senhor da guerra, começou a decair e acabou quando seus soldados e seus homens públicos se corromperam. Mas o combate à corrupção se faz com observância da lei e da Constituição, assim como das garantias constitucionais.

O Supremo Tribunal Federal, “joia das instituições republicanas”, apregoava o bastonário Levi Carneiro, é, naturalmente, o Poder moderador dos Poderes. E há de ser, sempre, o que tem sido ressaltado por seus eminentes juízes e pelos homens e pelas mulheres do Direito, a derradeira trincheira das garantias constitucionais da liberdade.

*Advogado, ministro aposentado e ex-presidente do STF e do TSE, professor emérito da UNB e da PUC-MG, em cujas faculdades de Direito foi professor titular de Direito Constitucional e Teoria Geral do Direito Público, é membro de honra da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB.

O autor não é advogado do senador Aécio Neves no caso objeto deste artigo. Em dois antigos inquéritos, um já arquivado e o outro sob investigação, advoga para o senador Aécio Neves