domingo, 18 de junho de 2017

Respeito com a política, editorial OESP



Antes de dar vazão a uma ira desenfreada, que dizima tudo o que está pela frente, os brasileiros prestantes devem resgatar, fortalecer e renovar os elementos fundadores da vida nacional






O Estado de S.Paulo
18 Junho 2017 | 05h00
É cada vez mais comum ouvir sobre o esgotamento do sistema político brasileiro. Às vezes, parece até que essa afirmação se tornou um consenso nacional, não requerendo maiores provas ou argumentos. As causas do suposto esgotamento estariam mais que evidentes aos olhos de todos, a começar pela falta de representatividade dos políticos atuais e, principalmente, pela generalizada corrupção instalada nos usos e costumes políticos. A realidade, no entanto, é mais complexa do que essa afirmação ou, melhor dizendo, generalização. Há muita coisa errada no sistema político, mas nem tudo é inservível – e fazer essa distinção entre o joio e o trigo é essencial para levar o País a algo mais que a um estado de indignação ou de letargia.
É certo que os escândalos de corrupção causam um profundo mal-estar na população e põem à prova a confiança nas instituições. O descompasso entre as cifras da corrupção e as graves carências que uma parcela significativa dos brasileiros ainda padece não pode ser ignorado. Os serviços públicos, especialmente saúde e educação, não aguentam tamanho desaforo imposto pelos corruptos, sejam eles funcionários públicos, políticos ou empresários. A revelação de tantos casos de roubalheira induz ao sentimento de revolta contra tudo o que está aí. Mas esse sentimento não é construtivo e o que o País mais precisa, neste momento, é de ideias novas e firme disposição para o trabalho de reconstrução.
O ponto que se levanta é que a indignação deve, em última análise, transformar-se em motor propulsor de mudanças efetivas, e não destruir o que restou em pé. Uma terra devastada não é o melhor ponto de partida para uma plena recuperação ambiental. Antes de dar vazão a uma ira desenfreada, que dizima tudo o que está pela frente, os brasileiros prestantes devem resgatar, fortalecer e renovar os elementos fundadores da vida nacional.
Ao contrário do que às vezes se tenta impor como verdade inconteste, nem tudo está errado no País. Os brasileiros foram capazes, nas últimas décadas, de levar sua sociedade aos umbrais da modernidade, de igualar o País àqueles mais avançados do mundo. Podem, portanto, refazer aquilo que o populismo lulopetista destruiu com tanto empenho. Afinal, há gente competente e honesta em todos os setores da vida pública e as instituições, ainda que falhas e necessitando de reformas, não são o descalabro apocalíptico que alguns pintam.
Nestes tempos revoltos, faz-se imperioso olhar a vida nacional com um pouco de serenidade, reflexo de uma atitude madura de quem deseja uma sociedade melhor. Uma coisa é reconhecer a gravidade dos casos de corrupção e os defeitos da representação política. Outra coisa é achar que essas deficiências conduzem necessariamente à conclusão de que todas as instituições estão podres e de que o sistema político está irremediavelmente falido.
Nestes tempos estranhos, inverteu-se o ônus da prova. Dá-se por condenado, sem julgamento, qualquer acusado. Da mesma forma, postula-se que o País está podre e condenado sem que se apresente a prova indiscutível de tão cabal sentença.
Pois o País não está acabado. Passa por uma crise e a crise é grave. Mas sua população dispõe de vitalidade suficiente não apenas para superar a crise – como já começou a fazer com a economia –, mas também para promover a regeneração moral da política e dos negócios.
Essa tarefa, ao contrário do que dizem os derrotistas, se fará não a despeito da política, mas por meio da política. Da boa política. Abandoná-la como coisa impura e nefasta é um tremendo equívoco, que não conduzirá o País a lugar nenhum. Longe de significar um empoderamento da sociedade, como os falsos profetas querem vender, a devastação da política só deixará a população refém dos aproveitadores de plantão. Um pouco de cuidado, e também de respeito, com a política não é simples manifestação de bons modos sociais. É antes medida de sobrevivência da nossa sociedade, livre e democrática.

Soluções radicais, Antonio Prata ,a FSP


Antônio Prata
Folha 18.06.2017
Depois de muito refletir sobre a pindaíba em que nos encontramos, ou melhor, nos perdemos, cheguei a duas propostas para o Brasil. O leitor culto, conhecedor da nossa história, pode achar as propostas um tanto, digamos, heterodoxas, mas situações radicais exigem soluções radicais -não foi nadando cachorrinho que Moisés atravessou o Mar Vermelho; não será de jangada que cruzaremos o mar de lama.
Primeira proposta: e se tivéssemos um conjunto de leis que fosse válido para todos, ricos e pobres, brancos e negros, homens e mulheres, senadores e auxiliares de almoxarifado? Eu sei que soa absurdo, completamente contrário aos nossos costumes e ao funcionamento das nossas instituições. "Seria o caos!", dirão alguns. Defenderão que gente diferenciada merece tratamento diferenciado e de fato temos 517 anos de jurisprudência, das senzalas aos cercadinhos VIP, do Borba Gato ao Gilmar Mendes, para comprová-lo. Mas teve um pessoal lá na França, em torno do século 18, que pensou de maneira diferente. Talvez valha a pena, sei lá, dar uma olhada -mesmo a França sendo esse país estranho que elege um presidente casado com uma mulher, vejam só, mais velha.
Segunda proposta: e se tivéssemos educação pública de qualidade para todos, ricos e pobres, brancos e negros, meninos e meninas, filhos de senadores e de auxiliares de almoxarifado? Imagina todos aprendendo lado a lado a ler e a escrever, a somar e a subtrair, a desvendar o mistério das mitocôndrias e a contar as sílabas poéticas de "As casas espiam os homens/ que correm atrás de mulheres./ A tarde talvez fosse azul,/não houvesse tantos desejos."? Eu sei que soa absurdo, completamente contrário aos nossos costumes e ao funcionamento das nossas instituições: o filho do auxiliar de almoxarifado vai ter as mesmas chances do filho do empresário que gera empregos e corre riscos? (Que risco corre o auxiliar de almoxarifado além de ser demitido e virar mendigo e acabar no crack e morrer de inanição?).
Cadê a meritocracia, gente? Educação universal de qualidade é uma proposta bem doida mesmo, concordo, mas alguns países como Estados Unidos e Japão e Coreia do Sul e a Europa inteira, pelo que eu ouvi por aí, aparentemente conseguiram bons resultados com essa ousadia. Talvez valha a pena dar uma olhada, ainda que muitos destes países tenham legalizado o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o aborto, a maconha e a velocidade máxima permitida em muitas de suas cidades não chegue a 50 km/h.
Como eu já disse, não são soluções simples. Teremos que fazer enormes sacrifícios, abandonar direitos seculares adquiridos com muita luta, chicote, pau de arara, bala e gás lacrimogêneo. Teremos que abrir mão de cela especial. De alvará comprado. Da carta de motorista comprada. De carteirinha de estudante falsa. De furar fila.
É, não sei. Escrevendo o último parágrafo, fiquei na dúvida. Talvez o Brasil ainda não esteja preparado para uma revolução tão profunda. Talvez seja melhor continuar na trilha proposta pelos grandes teóricos da pacificação, Romero Jucá e Sérgio Machado, "botar o Michel, num grande acordo nacional", "com o Supremo, com tudo", pra "estancar essa sangria" e chegar "do outro lado (sic) da margem". Ali seguiremos, ali onde insistimos em nos colocar, desde sempre, no concerto da civilização: à margem.

Organizações criminosas deixam rombo de R$ 123 bi,OESP



Desvios. Dados da PF revelam prejuízo causado em 4 anos por grupos investigados em 2.056 operações; quase metade do valor está ligado a fraudes nos fundos de pensão






Alexa Salomão, Daniel Bramatti e Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo
18 Junho 2017 | 05h00
Em quatro anos, a Polícia Federal deflagrou 2.056 operações contra organizações criminosas que provocaram prejuízos estimados em R$ 123 bilhões ao País. Os números revelam que o maior rombo não é o apurado pela Lava Jato, mas o causado pelas fraudes nos fundos de pensão investigadas na Operação Greenfield, que alcançam R$ 53,8 bilhões ou quatro vezes o valor de R$ 13,8 bilhões desviados pelo esquema que agiu na Petrobrás.
Esse quadro é o resultado da conta feita pelos investigadores federais com base em valores de contratos fraudulentos, impostos sonegados, crimes financeiros e cibernéticos, verbas públicas desviadas e até mesmo danos ambientais causados por empresas, madeireiras e garimpos. Tudo misturado ao pagamento de propina a agentes públicos e políticos.
Os dados são da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor), da PF, e foram obtidos pelo Estado por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). 

Segundo especialistas em máfias e grupos criminosos, a análise dos números mostra a mudança do perfil do trabalho da PF, priorizando a investigação patrimonial das organizações. “Há uma tendência das investigações em se preocupar mais com os aspectos patrimoniais do que acontecia há 5 anos, quando se pensava só em autoria e materialidade”, afirmou o procurador da República Andrey Borges de Mendonça.
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De fato, nos últimos três anos, esse montante cresceu ano a ano, partindo de R$ 6,8 bilhões em 2014 até atingir R$ 80 bilhões em 2016, um aumento de 1.068%. Os valores sequestrados ou recuperados com as operações também aumentaram ano a ano. Em 2013, a Dicor listou R$ 6 milhões. Já no seguinte – início da Lava Jato – esse número subiu para R$ 2,6 bilhões e, em 2016, atingiu R$ 12,4 bilhões.
“Isso também mostra as prioridades adotadas pela Polícia Federal”, disse o juiz aposentado e ex-secretário nacional antidrogas Wálter Maierovitch, que participou como perito convidado da Convenção de Palermo. Organizada pelas Nações Unidas em 2000, a convenção, da qual o Brasil é signatário, definiu as regras de combate ao crime organizado.
Escalada semelhante de valores pode ainda ser observada naquilo que os agentes federais chamam de “prejuízos evitados”, quando a operação interrompe a prática de crimes, antes que eles se consumem. Nesse caso, os valores subiram de R$ 2,8 bilhões em 2014 para chegar a R$ 59,1 bilhões em 2016 – e já teriam atingido R$ 12,4 bilhões no primeiro trimestre deste ano. “O objetivo é asfixiar essas organizações, pois não adianta nada investigar autoria e materialidade se não se consegue recuperar o patrimônio”, disse Mendonça.
Além do enfoque na descoberta e no sequestro dos bens das organizações criminosas, os números também mostrariam o efeito da disseminação do estilo de investigação adotado pela Lava Jato, em Curitiba, com a criação de forças-tarefa envolvendo diversos órgãos.
“O que a força-tarefa de Curitiba trouxe é essa forma nova de investigar”, disse Mendonça, que participa da forças-tarefa da Lava Jato e hoje atua nas Operações Greenfield e Custo Brasil, que investiga fraudes e corrupção no Ministério do Planejamento no governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, a PF tem de cumprir seu papel e sua missão em todos os aspectos e espectros onde tem criminalidade dentro de sua competência. “É isso o que a sociedade espera da corporação.”
E são muito os afetados. Quase 2 milhão de beneficiários de fundos de pensão investigados na Greenfield tiveram de arcar com parte dos prejuízos gerados. “A gente se sente impotente diante de tudo o que aconteceu e é preciso botar a boca no trombone para não ocorrer outra vez”, disse Suzy Cristiny Costa, da Fentect, federação do servidores dos Correios.
Ranking. Entre os dez maiores prejuízos investigados pela PF, além dos apurados pela Greenfield e Lava Jato, estão os causados pelas organizações criminosas que são alvo das Operações Acrônimo, que apura o desvio de verbas e financiamento ilícito de campanhas eleitorais, e Zelotes, que averigua crimes tributários e corrupção no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), órgão do Ministério da Fazenda.
Há ainda os casos envolvendo as Operações Enredados – R$ 5,1 bilhões de prejuízo – em que os agentes federais apuraram crimes ambientais e pagamento de propinas no extinto Ministério da Pesca, e esquemas de fraudes tributárias, contrabando e evasão de divisas apurados nas Operações Celeno, Valeta e Huno. A lista é completada pela Janus, que verifica supostas fraudes no financiamento do BNDES para obras da Odebrecht em Angola.