terça-feira, 31 de janeiro de 2017

A piscina ensolarada e o mercado brasileiro OESP

Rodrigo Ribeiro
Rodrigo Ribeiro
Possivelmente, a maioria dos leitores já assistiu a uma situação como esta: num dia quente, o céu azul, uma piscina mais atraente do que nunca, um garoto corre, atira a toalha na cadeira de sol e pula na água. Seu colega, por sua vez, decide colocar o pé na água antes de pular e, de repente, a ideia de mergulhar o corpo quente na água fria já não lhe parece a melhor do mundo. A percepção de desconforto iminente o faz desistir de se divertir com os amigos, sem considerar que esse possível desconforto inicial seria totalmente compensado por uma sensação de conquista e bem-estar.
Muitas empresas têm tido a mesma atitude ao avaliar a entrada em novos mercados, como o brasileiro. Inicialmente animados com as perspectivas de um mercado com potencial ímpar, alguns investidores preferem, em vez de mergulhar na oportunidade, molhar os pés antes, para então concluir, precipitadamente, que a hora não é boa para a experiência.
Não estamos falando de um mergulho em águas desconhecidas. Há informação suficiente sobre profundidade, temperatura, qualidade da água e outras condições. O problema real está na falta de confiança em sua capacidade de executar um plano de entrada bem-sucedido.
É verdade que nem todos os negócios irão florescer ricamente. Há, na prática, alguns alertas. Antes, porém, vale ressaltar alguns fatos que podem reequilibrar cautela e desejo de desfrutar de uma piscina ensolarada – no caso, o Brasil.
Enquanto a água parece um pouco fria, o mesmo não se pode dizer do clima.
Explico: a economia está em ritmo lento, é fato, e os negócios devem, dependendo do segmento, entregar resultados modestos no curto prazo. Contudo, considerando os investimentos significativos que precisam ser feitos na etapa inicial de uma startup, talvez não haja melhor momento do que este para dar os primeiros passos. O câmbio está agora mais favorável aos estrangeiros do que na média das últimas duas décadas. Isto significa que um estrangeiro gastará muito menos se investir agora.
Quanto?
Aproximadamente 50% menos do que gastaria a cinco anos – em setembro de 2011, o real era comprado a 57,5 centavos de dólar; no mesmo mês, em 2016, seu preço foi de 30,7 centavos da moeda norte-americana. Este mesmo momento pode ainda representar uma grande oportunidade para a aquisição de negócios já existentes no Brasil. Este cenário pode não durar muito mais tempo, já que a situação política e econômica evoluiu nos últimos meses. Por isso, um investidor consciente deverá considerar que terá maior desembolso de recursos financeiros caso espere a economia se recuperar totalmente.
Historicamente, o PIB brasileiro (Market prices, constant 2000 USD ) tem uma das melhores performances entre os grandes países em desenvolvimento, incluindo Índia, Rússia e México. E este desempenho segue um padrão de crescimento que vem se sustentando nos últimos 50 anos, comprovando que a recuperação sempre aconteceu, superando as desacelerações ao longo do período.
Entretanto, se o PIB total do Brasil é semelhante aos de mercados parecidos, quando se trata do PIB per capita (constant USD 2010) , o país demonstra uma distribuição da riqueza maior do que a da Rússia e do que a do México, 74% maior do que a da China e 6 vezes maior do que a da Índia. Sendo indicadores, estes números devem ser lidos com cautela, mas eles seguramente traduzem, em parte, o potencial comercial que um investidor gostaria de ver em um novo mercado.
Períodos de incerteza na economia têm ocorrido ocasionalmente no Brasil ao longo do último século.
Contudo, os resultados têm recompensado investidores comprometidos com o longo prazo. Prova disto é a enorme quantidade de empresas globais, nos mais variados setores, que alcançaram sucesso aqui e têm continuado a atingir resultados consistentes por um longo período de tempo – incluindo Bayer, Siemens, BASF, Bunge e Maersk Line, atuantes no país há mais de 100 anos. É por isso que, a despeito dos desafios, elas não deixam o Brasil, de maneira alguma.
O Brasil é um país de 206 milhões de pessoas. A despeito da turbulência em anos recentes, o país ainda é a 9.ª maior economia do mundo. Isso mesmo. A despeito dos altos e baixos na economia e da agitação política, este mercado permanece entre o top 10 do mundo, no que diz respeito a resultados econômicos.
E não são apenas o agronegócio e as matérias-primas que movem a economia. Até a virada para 2015, o Brasil era o 3.º maior mercado de cosméticos, o 4.º em automóveis e em número de usuários de Internet e o 6.º em TI e Telecom. Uma economia tão grande impulsiona segmentos como serviços, infraestrutura, autopeças, energia, entretenimento, saúde e bem-estar e tantos outros. Metaforicamente, a piscina infantil pode até estar mais quente, mas dificilmente se conseguirá dar uma braçada sequer nela.
Como mencionado, há desafios para os novos players. O mercado brasileiro deixou crescerem barreiras de entrada, como a burocracia para abrir uma empresa ou uma conta corrente. A lei trabalhista brasileira também é muito conservadora e os contratos de trabalho devem ser feitos com antecipação para evitar embates futuros. A estrutura tributária é dinâmica e complexa; por isso, precisa ser desenhada já no início do projeto – e com apoio de especialistas. Assuntos regulatórios podem ser mais rígidos do que em qualquer outro mercado e merecem atenção redobrada. E a lista continua.
Mas isso tudo não deve desanimar o empreendedor. A boa notícia é que os que conquistaram êxito aqui também superaram essas dificuldades iniciais e construíram casos de grande sucesso. Logo, por que novos empreendedores não conseguiriam?
*Rodrigo J. B. Ribeiro, MBA pela Brigham Young University e Engenheiro Elétrico pela Universidade Mackenzie. Traçou sua carreira como executivo de marketing e vendas por grandes empresas multinacionais tais como IBM, Johnson & Johnson e Philips, onde liderou negócios nos segmentos de tecnologia, dispositivos médicos e bens-de-consumo. Aos 41 anos e mais de 20 de experiência, atua, desde janeiro, em seu mais novo desafio, a Gerência-Geral do Cerqueira Leite Advogados, empresa nacional de serviços jurídicos.

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Limites à negociação, OESP


Fundamental é não vender a ideia de que reforma trabalhista fará aparecer empregos
Cida Damasco
30 Janeiro 2017 | 05h00
Um candidato a ministro do Supremo que, apesar de posições no mínimo polêmicas se mantém na disputa, principalmente por seu endosso total à proposta de reforma trabalhista. Um grupo de procuradores do Ministério Público do Trabalho que se adianta e condena a proposta do governo, por considerá-la “inconstitucional” e com poder de fragilizar o mercado de trabalho. Nem bem começou a tramitar a reforma trabalhista de Temer e já está claro o quanto ela é valorizada pelo empresariado e o quanto ela vai enfrentar resistências.
As mudanças no trabalho estão, para o governo Temer, como a reforma da Previdência. Por mais que sejam aparadas e “flexibilizadas”, têm de dar alguns passos antes que o calendário eleitoral inviabilize qualquer debate mais “incômodo”. Claro que não há ilusões de que sua simples aprovação será suficiente, a curto prazo, para garantir a criação de novos empregos, como alguns de seus defensores mais aguerridos querem fazer acreditar: segundo projeções do Broadcast, o contingente de desempregados deve ter aumentado em 3,5 milhões de pessoas, em 2016, e a taxa de desemprego deve ter encerrado o último trimestre bem perto de 12% da população economicamente ativa. Mas, para os empresários, a reforma representa o atendimento a uma das suas principais reivindicações, nos bons e nos maus tempos: a redução do custo do trabalho, que, segundo eles, é essencial para melhorar a competitividade da economia.
Para começar a conversa, vamos tomar como premissa básica que a velha senhora CLT caducou e não combina mais com o mundo do trabalho. Um mundo muito mais fluido e com uma multiplicidade de relações de trabalho, que, na prática, já escapa às amarras da CLT. Dá para enfrentar, por exemplo, a onda da “uberização” apenas brandindo as regras da CLT? A saída, portanto, seria render-se às evidências e deixar a cargo do mercado o estabelecimento de regras, por meio de contratos entre as partes.
A questão, porém, é bem mais complexa do que parece. Trata-se de evitar que a modernização das relações de trabalho se transforme pura e simplesmente em precarização. Ainda mais em momentos sensíveis como o atual, em que empregos são mercadoria em falta, principalmente os chamados empregos “de qualidade”. A proposta do governo prevê, entre outras coisas, a livre negociação de jornada de trabalho entre patrões e empregados, desde que seja respeitado o limite máximo de 12 horas por dia e 220 horas mensais, banco de horas, parcelamento das férias, trabalho remoto, participação nos lucros e resultados e outros itens – sempre com o objetivo de priorizar o entendimento em lugar da legislação. A terceirização, outro ponto importante nesse universo, corre por fora, num projeto já aprovado na Câmara.
Alguns especialistas já fazem ressalvas à nova proposta, mesmo reconhecendo a necessidade – e a inevitabilidade – de uma reforma trabalhista. E o motivo é basicamente o mesmo: o desbalanceamento de forças entre os dois lados da mesa de negociação. Eles chamam a atenção para a fraqueza da estrutura sindical brasileira. São quase 11 mil sindicatos espalhados pelo País, quase 75% deles da área urbana e, ainda assim, com uma minúscula participação no mercado. Muitos de fachada, criados apenas para se habilitar ao benefício do imposto sindical. Mesmo os mais representativos perderam expressão nos últimos anos, e raros são os que atualizaram sua pauta. Para esses especialistas, livre negociação para valer exigiria também uma reforma sindical, que reduza essa pulverização, via, por exemplo, o fim da exigência de uma base territorial exclusiva. Além disso, há o entrave da representação dos trabalhadores dentro das empresas – que, embora prevista na Constituição, não é regulamentada pela CLT e, do jeito que está na nova proposta (só em empresas acima de 200 empregados), continuará pouco efetiva.
O fundamental, contudo, é não vender a ideia de que a reforma trabalhista, como num passe de mágica, fará aparecer os empregos e desaparecer os processos trabalhistas. Nem uma coisa nem outra está no horizonte. Empregos só aparecerão com investimentos. E processos trabalhistas – hoje na casa de 8 milhões – só sumirão com a garantia de segurança jurídica em acordos bem costurados e negociados.
*É JORNALISTA

O pai e a mãe do porco-espinho , Humberto Werneck, OESP

A pedagogia de meu pai tinha castigos bizarros que, vistos de hoje, me parecem divertidos
Humberto Werneck
31 Janeiro 2017 | 02h00
Não garanto nada, mas acho que estou curado da mania que tive, quando menino, de sair usando palavras e expressões que acabara de ouvir ou ler pela primeira vez. Com o risco, já contei, de provocar pasmo ou gargalhadas entre os circunstantes - como no dia em que, tendo ouvido meu pai dizer “o diabo a quatro”, tratei de passar adiante, crente que estava abafando, o que a meus ouvidos chucros soara como “diabo aquático”. O demo, já pensou?, a dar braçadas no seu caldeirão fervente...

O desastre vocabular me fez cauteloso, levando-me a frequentar mais amiúde os dicionários que tínhamos em casa, o Caldas Aulete e o Laudelino Freire. Em nenhuma parte, porém, encontrei explicação para a ameaça inusitada que ouvi de meu pai, no dia em que chegou ao seu conhecimento a estripulia que um de nós havia perpetrado no colégio: “Eu te mando pro Acre!”, bramiu o velho, na verdade mal chegado aos 40 anos.
Só fui decifrar o enigma quando, já marmanjo, li sobre as centenas de moradores do Rio de Janeiro que, por seu envolvimento nas revoltas da Vacina e da Chibata, em 1904 e 1910, foram condenados ao degredo no mais remoto rincão do país, aquele que, em alusão aos campos de trabalhos forçados da União Soviética, alguém chamou de “a Sibéria do Brasil”.
Imagino que o papai tenha ouvido a expressão dos lábios do pai dele - do qual, além do prenome, Hugo, herdou asperezas de macho que a vida haveria de aplainar. Não era brincadeira o dr. Hugo Furquim Werneck, falecido 10 anos antes de minha chegada ao mundo, avô cujos verdadeiros traços fui conhecer não nos relatos hagiográficos de meu pai e tios, mas no retrato que dele pinta, em copiosas páginas de Beira-Mar, o ex-aluno Pedro Nava. Pouco menos que um verdugo, aquele Hugo: diretor da Escola de Medicina de Belo Horizonte, quis expulsar o Nava a poucos meses de formar-se.
Órfão aos 16 anos, meu pai foi uma das raspas do enorme tacho reprodutivo - 13 filhos - do Dr. Hugo e Dona Dora. Décimo primeiro a chegar, até por isso terá penado menos que os mais velhos sob o rigor de um homem em quem a correção de caráter convivia com espinhenta severidade no trato com o semelhante.
Ao contrário dele, falecido cedo, aos 56, meu pai teve tempo e condições de, como os antigos automóveis, amaciar com o uso, tendo para isso contribuído, e muito, a delicadeza de minha mãe, com quem viveu por mais de meio século. Tolerante com os filhos mais novos, com os mais velhos foi bem duro - ao ponto de os felizardos que o pegaram já amaciado se dizerem frutos de um segundo casamento dos mesmos Hugo e Wanda.
Reconheço no meu pai uns traços fortes que terá herdado do meu avô. Não chegou a nos mandar para o Acre, mas recorreu com frequência a um arsenal de punições digno do professor de Pedro Nava. Vistos de hoje, quando já não doem nem revoltam, os castigos que o papai nos aplicava tinham um quê de homeopatia, pois em geral guardavam relação com o malfeito. Que nem o pai dele, que, tendo apanhado um filho com cigarro aceso, lhe fez fumar o maço inteiro, que por isso ficou sendo o último.
Um dia, ao se dar conta de que eu, discretamente, ia dizimando uma garrafa de Old Parr, meu pai me fez beber o resto. Com é que o que o nosso ébrio gosta de beber uísque?, ironizou. Com leite, respondi no mesmo tom - e paguei o intragável preço de sorver, de cara boa, uma beberagem morna cuja lembrança ainda hoje me nauseia. 
Em outra ocasião, na minha ausência, mandou jogar fora meia garrafa de cerveja preta - munição de minha mãe para incrementar a amamentação - e abastecê-la com outro tanto de café gelado e salgado, mistura da qual um gole ávido e gordo chegou a me descer pela garganta antes de voltar estrepitosamente à luz.

Uma das meninas, durante a refeição, brincava com a argola do guardanapo, desafiando a proibição paterna? Diante da mãe e dos irmãos, que não podiam rir, teve que encaixar na boca a argola de ebonite e assim permanecer por uns minutos, chorando um choro cilíndrico de vergonha e raiva. 
Um dia, chegando em casa, dei com um dos irmãos pendurado no flamboyant do jardim, qual presunto em viga de armazém, como penitência por ter dado uma de Tarzan no galho em que o pai enganchara uma gaiola. Outro, por ter fuçado numa pilha de materiais de construção, foi sentenciado a passar longos minutos com os braços abertos e um tijolo em cada mão.
Mais uma. Na ausência dos pais, eu e um dos irmãos encenamos uma missa, para a qual fizemos hóstias de miolo de pão, uma recheada de sal, outra de pimenta, que demos em comunhão a duas das meninas. Não me lembro se sobrou para mim, mas não esqueço do meu coroinha a esguichar lágrimas desencadeadas por uma colherada de pimenta braba.
*
O que ficou da pedagogia rude de um pai que a humildade, o tempo e os filhos se encarregaram de adoçar, fazendo dele uma pessoa bem melhor que as encomendas? Virou conversa boa de família, historinhas em que ele próprio achava graça. Provar de seu “veneno” - não era assim também que funcionava seu esquema educativo? De minha parte, nada ficou de mágoa nem ressentimento. Nenhuma sombra em meu amor por ele. Foi às vezes duro? Muito mais sofreu a mãe do porco-espinho - dito que aprendi com um gaiato no colégio e, claro, tratei de usar na primeira oportunidade, antes mesmo de saber o que foi que se passou com a desditosa genitora do ouriçado roedor em questão.