domingo, 6 de novembro de 2016

Está na hora de revisar o Estatuto do Estrangeiro - MARCOS LISBOA


FOLHA DE SP - 06/11

Ibrahim nasceu em Battir, na antiga Palestina, então sob mandato inglês. Como era o menos hábil com as mãos em uma família de pedreiros numa vila empobrecida, foi estudar em Belém, sendo acolhido por amigos católicos.

Seu pai o visitava quando podia e o presenteava com o que a vida de então permitia: figos secos que trazia nos bolsos.

Perto dos 20 anos, Ibrahim, que falava apenas árabe e inglês, imigrou para o Brasil. A razão foi a mais tênue possível. Um primo, não tão próximo, e a possibilidade de trabalhar como caixeiro viajante no interior de São Paulo.

Ibrahim se casou com a filha de imigrantes portugueses, que tinham uma venda no interior de São Paulo e mal sabiam das letras. A filha estudou biologia na USP.

O casal teve quatro filhos. Um, formado em medicina pela USP; outra, nutricionista pela PUC; a terceira, engenheira pelo ITA; e a quarta, doutora em economia pela USP.

Essa história surpreende apenas quem conhece poucos imigrantes.

A escolha de deixar seu pais para trabalhar em uma terra estrangeira, muitas vezes sem saber a nova língua, reflete uma ousadia surpreendente para a maioria de nós.

A disposição para enfrentar uma realidade estranha reflete qualidades pessoais e resultam em notáveis histórias familiares nas diversas colônias, para benefício dos seus filhos e do país que os acolhem.

São Paulo se desenvolveu com imigrantes das mais diversas origens até meados do século passado. Desde então, o país se fechou.

A xenofobia é filha do egoísmo e irmã do preconceito.

Tememos perder um emprego porque apareceu um imigrante que mal fala a nossa língua, porém mais bem qualificado ou com mais disposição para o trabalho.

Há mais de um século, uma poeta escreveu: "Deem-me os seus cansados, e os seus pobres, e as suas multidões apinhadas que anseiam para respirar em liberdade". O país onde este texto foi gravado em estátua deve muito aos imigrantes, porém agora ameaça retroceder.

Nós retrocedemos há 50 anos. O número de estrangeiros em São Paulo encolheu de 13% em 1950 para 1,5% em 2013. No Brasil, menos de 1% da população nasceu no exterior, contra 13% nos Estados Unidos.

O Estatuto do Estrangeiro, de 1980, e as suas diversas restrições à imigração, reflete a paranoia da ditadura com a segurança nacional.

Uma proposta: vamos retomar a abertura à imigração, que tantos benefícios trouxe ao Brasil até meados do século passado?

Essa abertura é ainda mais urgente com o fim do bônus demográfico. A população ativa vai começar a decrescer em 15 anos. Por que não acolher imigrantes que desejam trabalhar e garantir a seus filhos o mesmo que nossos pais conseguiram?

* Marcos Lisboa é casado com Zeina Abdel Latif, a quarta filha de Arminda e Ibrahim.


Marcos de Barros Lisboa, 52, é doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia. Foi secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005 e é Presidente do Insper.

FHC poderia ter dito que jamais cogitará a Presidência, mas não disse, Elio Gaspari FSP


Suamy Beydoun - 2.out.2016/Futura Press/Folhapress
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vota nas eleições municipais de São Paulo
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vota nas eleições municipais de São Paulo
Em 1995 Fernando Henrique Cardoso elegeu-se presidente e assim surgiu FH. Um ano depois ele começou a trabalhar sua reeleição e daí nasceu FFHH. Agora o tucano Xico Graziano, seu assessor direto no Planalto, lançou-o como candidato a presidente. Pode ser numa eleição indireta, para um mandato-tampão caso Michel Temer seja impedido, ou numa direta, em 2018. Nesse caso, a conta dos votos seria outra.
FFFHHH disse que "jamais cogitou" disputar a Presidência pela terceira vez. Aos 85 anos, poderia ter dito que "jamais cogitará", mas não disse.
Nunca é demais repetir a fórmula do general americano William Sherman, o carrasco do Sul durante a Guerra da Secessão. Ele informou:
"Nunca fui e nunca serei candidato a presidente. Se for indicado, recusarei a candidatura e mesmo que venha a ser eleito por unanimidade, não assumirei o cargo".
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BONS NÚMEROS
O governo de Michel Temer produziu três números indicativos de que algo de bom está acontecendo na economia ou, pelo menos, de que as coisas pararam de piorar.
O valor de mercado da Petrobras passou de R$ 101 bilhões para R$ 240 bilhões. O da Eletrobras foi de R$ 9 bilhões para R$ 31 bilhões e o do Banco do Brasil de R$ 41 bilhões pulou para R$ 78 bilhões.
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COSTURA
O bispo Edir Macedo está decidido a apoiar o governador Geraldo Alckmin numa eventual disputa pela Presidência da República.
Macedo leva consigo a Igreja Universal, o PRB e seu sobrinho Marcelo Crivella.
Resta saber como será possível harmonizar essa aliança com o provável embarque do atual prefeito Eduardo Paes numa barcaça de refugiados a caminho do PSDB.
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Leia mais notas da coluna:

Ocupação de escolas não vai acabar se governo não admitir autoritarismo, Janio De Freitas, FSP



A ocupação de escolas, e já também de faculdades, não vai cessar, caso o governo não admita que cometeu um ato de autoritarismo, com a imposição de uma alegada "reforma do ensino" sem a discutir sequer com uma das várias partes diretamente envolvidas no assunto.
Novas ações do Movimento de Trabalhadores Sem-Terra entram em processo de gestação, que recebeu agora o estímulo de invasões policiais e prisões em áreas sem conflito. O Movimento dos Sem-Teto fará mais comprovações de que a ferocidade policial, outra vez aplicada em desocupação no centro de São Paulo, incentiva-o em vez de o intimidar.
A intenção do governo, agora silenciada mas não abandonada, de rever demarcações de reservas indígenas (chegará à revisão também de áreas de proteção ambiental), atenderá aos interesses fundiários representados pelo senador Ronaldo Caiado, mas já são motivo de planos de resistência.
A história registra como essas resistências são respondidas pela polícia e pelos ambiciosos de terra com seus os jagunços.
Em meado da semana encerrada, houve ao menos dois encontros reservados de representantes de diferentes movimentos ou setores (nenhum de estudantes).
Uma dedução possível é a de que ações conjuntas, e até mesmo uma conjugação mais geral, sejam ideias sob exame. Vê-se que é uma situação complexa. Muito mais a de fora da política do que a de seu interior alienado.
A contribuição do governador Geraldo Alckmin para tal situação é inequívoca. A cada episódio de sua PM ditatorialesca, Alckmin comparece com suas falazinhas de bom moço, cada sílaba bem escandida, a fisionomia neutra, ou indiferente. E nenhuma das ações de sua obrigação governamental.
A escolha dos seus secretários de Segurança é significativa. O atual Magino Alves, que só faz gaguejar o fugidio "vamos investigar" as ações truculentas e ilegais da PM; o anterior, Alexandre Moraes, está por dentro dos ataques a jato contra petistas, mas por fora do que a sua polícia apronta. E ele depois acoberta.
A desocupação policial de escola sem autorização judicial foi arbitrariedade dupla: usurpação de poder do Judiciário e ação policial indevida.
O ataque da PM a uma trupe de teatro financiada pelo governo é uma violência indecente, tanto quanto a cobertura recebida do secretário de Segurança e, portanto, do governador.
Na desocupação de um prédio, Marlene Bergamo, que está entre os melhores repórteres-fotográficos do país, saiu com um ferimento no abdome que é como uma cicatriz moral do governo que a atacou. Tudo isso na São Paulo de um Alckmin desejoso de ocupar a Presidência. Para quê?
Um governo federal que só pensa em impor um teto arbitrário e duradouro aos gastos do país carente não precisa, além dessas, de mais palavras sobre sua responsabilidade pelo horizonte que escurece. Mas, é verdade, não se poderia esperar outra obra de Temer e do grupo de que, fraco, se deixou cercar.
FALAS
1- Ao lançar Fernando Henrique a uma candidatura para eleição presidencial indireta, e direta só em último caso, Xico Graziano omitiu, por bondoso esquecimento, o motivo que lhe tirou o cargo de secretário da Presidência de Fernando Henrique.
Sério, ele desconfiou das relações do diplomata encarregado dos salamaleques palacianos. E descobriu que o embaixador João Batista dos Santos estava articulado com um representante da Raytheon, para destinar a essa multinacional a construção do sistema de vigilância da Amazônia, o Sivam. Expôs a descoberta a quem deveria ouvi-la.
Nada, nenhuma providência. A transação continuava. Graziano deu um jeito de torná-la pública. Aí Fernando Henrique tomou não uma, porém duas providências: demitiu Graziano e premiou o diplomata lobista com a embaixada, na Itália, junto à FAO.
Pouco depois, afastada à força a concorrente francesa, entregou o Sivam à Raytheon e telefonou ao então presidente Clinton, como contou, para informá-lo de que atendera o interesse do governo norte-americano.
2- O lançamento feito por Graziano, em artigo na Folha, teve farta repercussão. Indagado, disse "O Globo", se aceitaria a candidatura, "FH, 85 anos, foi rápido: 'Não. A Presidência abrevia a morte'."
Ah, essa briga com as palavras, tão longa, não cessa. O que a Presidência pode abreviar não é a morte, é a vida. À morte, poderia antecipá-la.