quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Rio Tietê só tem água boa onde tem mata ao seu redor, OEsp

Regiões ao longo das bacias hidrográficas do Rio Tietê que têm maior cobertura vegetal são as que concentram os pontos do rio com a melhor qualidade de água. O resultado, que pode parecer meio óbvio, nunca, na verdade, tinha sido mensurado para o rio. A relação foi detalhada no mais recente monitoramento do Tietê feito pela Fundação SOS Mata Atlântica.
Rio Tietê limpo na região de Mogi das Cruzes, onde cobertura vegetal é alta. Crédito: Ayrton Vignola / Estadão
Rio Tietê limpo na região de Mogi das Cruzes, onde cobertura vegetal é alta. Crédito: Ayrton Vignola / Estadão
Na semana passada, a organização revelou que um trecho de 137 km do rio se mantém com qualidade da água ruim ou péssima e que apenas 30 dos 302 pontos de coleta monitorados têm qualidade boa.
Nesta quinta-feira, 29, a organização apresenta em um seminário mais dados sobre o que faz desses pontos tão especiais. Segundo Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas, além da presença de saneamento básico, é a presença de vegetação que faz a diferença.
A análise cruzou os resultados do monitoramento dos corpos d’água com os dados do Atlas de Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, levando em consideração trechos de até 1 hectare de cobertura florestal. A conclusão foi que nos 30 pontos em que a qualidade de água foi considerada boa ao longo do último ano, a cobertura florestal ultrapassava, em média, 40% do território do município ou do entorno.
Na cidade de São Paulo, é o caso, por exemplo, de um ponto de coleta na Represa Billings que ainda está com a vegetação preservada e na região da Área de Proteção Ambiental (APA) Capivari-Monos. E, no interior, em Biritba Mirim, Salesópolis, e a parte rural de Mogi, onde há áreas protegidas. Na Bacia do Rio Piracicaba, por exemplo, onde houve um aumento da cobertura nos últimos anos, com recuperação de mata ciliar, a qualidade da água, que era ruim nos monitoramentos anteriores, melhorou no último.
“A mata evita processo de erosão e o arrasto de sedimentos e de poluição difusa da cidade ou do campo para dentro do rio, problema que se reflete no índice de turbidez da água”, explica Malu, que frisa que não adianta só tratar esgoto se continua chegando poluição difusa.
“Temos trechos em São Paulo, como na marginal Tietê, onde não tem nenhuma árvore, em que o índice de turbidez passa de mil, quando o recomendável é menos de 100. É uma fuligem fina, que vem do asfalto carregada pela chuva, que não decanta. Por dias, impede a transparência da água. A luz do Sol não passa, não tem fotossíntese, o rio fica sem oxigênio e morre”, complementa.
A bióloga lembra que a presença da mata também tem impacto ao ajudar na manutenção do ciclo hidrológico. “Sem mata, perdemos quantidade e qualidade da água. Se quebra o ciclo hidrológico, perdemos nascentes, temos alteração do clima e, quando chove, ocorre erosão, causando assoreamento, o que faz o rio perder capacidade de armazenamento de água.”

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Problemas do ensino médio incluem desinteresse do aluno, baixa qualidade e falta de professores. site Câmara dos Deputados


Não há acordo entre deputados e especialistas se medida provisória que reforma o ensino médio resolve os problemas principais dessa etapa do ensino
Deputados e especialistas em educação apontam, entre os problemas do ensino médio brasileiro, o desinteresse do jovem pelo conteúdo ensinado, a baixa qualidade do ensino, a falta de infraestrutura nas escolas e a falta de professores. Para tenta resolver parte dos problemas, o governo anunciou reforma do ensino médio, por meio da Medida Provisória (MP) 746/16, que flexibiliza os currículos e amplia progressivamente a jornada escolar. Mas não há acordo nem sobre a forma da reforma – via MP – nem se a medida resolve os problemas principais dessa etapa do ensino.
Suami Dias/Governo da Bahia
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75% dos alunos do ensino médio estão abaixo do nível de proficiência esperado, segundo o Ministério da Educação
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domícílios (Pnad) realizada pelo IBGE em 2011, 1,7 milhão de jovens de 15 a 17 anos estão fora da escola. Na justificativa da MP, o ministro da Educação, o deputado licenciado Mendonça Filho, informa que, dentre os 58% de adolescentes de 15 a 17 anos que estão no ensino médio, 75% estão abaixo do nível de proficiência esperado. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), criado para medir a qualidade do aprendizado, está estagnado desde 2011.
Para o ministro, esse quadro é “reflexo de um modelo prejudicial que não favorece a aprendizagem e induz os estudantes a não desenvolverem suas habilidades, pois são forçados a cursar, no mínimo, 13 disciplinas obrigatórias”. Ele ressalta que “em outros países, os jovens, a partir dos 15 anos, podem optar por diferentes itinerários formativos” e propõe o mesmo caminho para o ensino médio brasileiro.
Atribuição dos estados
O professor da Faculdade de Educação da UnB Remi Castioni concorda que o excesso de conteúdos e a falta de flexibilidade são alguns dos problemas do ensino médio brasileiro. Ele ressalta, porém, que a legislação atual já permite a diversificação de 20% dos conteúdos, mas os sistemas estaduais de ensino não conseguem propor alternativas de diversificação. Portanto, a reforma dos currículos só será efetiva ser for de fato implementada pela rede estadual, que responde por 97% das matrículas da rede pública.
Segundo Castioni, esta é a terceira vez que se tenta reformar o ensino médio nos últimos 20 anos. Embora discorde da tentativa de se fazer a reforma via medida provisória, o professor vê mais chance de sucesso nesta reforma do que nas anteriores, porque esta mudança vem sendo discutida com integrantes da rede estadual de educação há muito tempo, desde o governo Dilma Rousseff, e conta com o apoio dos secretários estaduais.
Falta de professores e de infraestrutura
Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Leão, a medida provisória não resolve os principais problemas do ensino médio público: a falta de professores, a falta de infraestrutura e a falta de recursos dos estados. “Existe uma falta muito grande de professores, porque as carreiras não são atraentes”, disse. “É preciso valorizar o profissional da educação”, complementou.
Auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2013 mostra que faltam 32 mil professores com formação específica nas disciplinas obrigatórias nas escolas públicas de ensino médio, sobretudo em física, química e sociologia.
Leão chama a atenção para o alto índice de evasão escolar e diz que é preciso tornar a escola mais agradável para os alunos. Mas, para ele, a questão não se resume a mudanças de currículo. “Ela também está ligada a condições de infraestrutura, a como essa escola está aparelhada para receber os alunos nessa etapa”, afirmou. “Por exemplo, com certeza química seria muito mais agradável se o aluno tivesse um laboratório para ele aprender na prática aquilo que ele aprendeu na teoria”, completou.
Carência de recursos
Na visão do presidente da CNTE, os estados não têm condições de implementar a proposta de flexibilização de currículos e de ampliação da jornada escolar sem mais professores e sem aporte de recursos. Para Leão, a política de financiamento proposta é “uma enganação”: “Ela propõe R$ 1,5 bilhão a ser usado em dois anos, para atender 500 mil alunos em tempo integral. Isso dá uma média de R$ 3 mil por aluno, menos do que o Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica] prevê hoje, que é R$ 3.561.” Ele também falou que os gastos dos estados serão limitados pela PEC do Teto de Gastos Públicos (PEC 241/16).
Já o secretário de Educação Básica do Ministério da Educação, Rossieli Soares da Silva, garantiu que estão sendo direcionados recursos adicionais aos estados. Ele acrescentou que, em geral, o número de professores já é suficiente para fazer a ênfase das áreas. De acordo com o TCU, o gasto anual médio por aluno no ensino médio no Brasil foi de US$ 2.148 em 2010, contra um gasto de US$ 9.322 nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Pesquisa expõe corrosão do SUS, da Unicamp



O Sistema Único de Saúde (SUS) está sendo corroído “por dentro”, em um processo gradual, porém permanente de mudanças mais ou menos sutis, que visam desmanchar a solidez institucional com que ele foi concebido na Constituição de 88 – e, assim, favorecer cada vez mais o setor privado de saúde, com respaldo do Estado brasileiro. É o que conclui a socióloga Letícia Bona Travagin, em dissertação de mestrado orientada pelo professor Eduardo Fagnani e apresentada no Instituto de Economia (IE). Em sua pesquisa, a autora mostra a influência do discurso privatista do Banco Mundial na década de 90 e, dentre inúmeros mecanismos visando esta desestruturação, ela analisa especialmente as renúncias fiscais e os contratos com organizações sociais (OS) no setor de saúde.
Letícia Travagin afirma que a disputa entre Estado e mercado de saúde, colocada pela ideologia neoliberal desde a crise do Welfare State (Estado do Bem-Estar Social) europeu na década de 1970, mostra-se muito acirrada no Brasil, sobretudo nas áreas de seguridade social e da saúde. “O conflito se manifesta de duas formas no país: com a aceitação rápida da ideologia neoliberal pelo mercado de saúde, já que o setor possui um histórico privatista bastante forte; e pela reorientação política, ideológica e econômica no Brasil na década de 1990. Eu quis demonstrar na dissertação que o Estado brasileiro atua como promotor do setor privado de saúde, em detrimento do SUS.”
Segundo a socióloga, a desestruturação do sistema de saúde não é coisa nova nem exclusiva do Brasil, inserindo-se em um programa mais amplo de desestruturação dos grandes sistemas de proteção social na Europa e nos países subdesenvolvidos. “A reorientação macroeconômica da década de 90 trouxe discursos direcionados a esses países sobre gestão de saúde, havendo documentos do Banco Mundial específicos para o Brasil: estavam preocupados com a Constituição de 88, que foi desenhada pelo movimento sanitarista, tratando sobre seguridade social e prevendo um SUS grande, forte, universal e gratuito. Os documentos do Banco apontam, explicitamente, que o Estado brasileiro não poderia sustentar um sistema deste porte, que estava gastando demais e que deveria se limitar a regulamentar e incentivar o mercado de saúde.”
A autora da dissertação acrescenta que o histórico privatista do sistema de saúde se consolidou na ditadura militar, quando o modelo vigente era a compra de serviços privados pelo Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social). “O Inamps comprava o serviço de saúde do setor privado e emitia uma fatura para o Estado. Este modelo que elevava o setor privado e rebaixava o setor público foi institucionalizado na ditadura. Mais tarde, com a implantação da macroeconomia ortodoxa, Luiz Carlos Bresser-Pereira, ministro da Administração e Reforma do Estado de Fernando Henrique, trouxe da Inglaterra, em 1995, a ideia da ‘publicização’: a transferência de serviços estatais para o mercado, não apenas em saúde, como em educação, pesquisa científica, cultura, etc. A lógica é reduzir o tamanho do Estado, que passa a pagar pelo provimento destes serviços.”
Eixos do desmonteNa opinião de Letícia Travagin, diante da série de golpes no plano constitucional contra o SUS iniciada nos anos 90, seria mais correto dizer que o sistema sequer foi implantado. “O desmonte se dá em todos os eixos do SUS, como de financiamento, gestão de recursos humanos, atenção básica e regionalização da saúde. Como são muitos para analisar, eu privilegiei dois eixos, sendo um deles a questão do financiamento, que é gritante para um sistema dito universal: de tudo o que se gasta com saúde no Brasil, mais da metade é privado e menos da metade, público – está muito abaixo dos países desenvolvidos, inclusive do Reino Unido, que também possui um sistema de saúde universal.”
O segundo eixo investigado pela autora é da contratação de organizações sociais, questão que ela considera mais preocupante, por ser bem menos conhecida. “A OS é uma empresa de direito privado que assume um estabelecimento público de saúde. A Constituição prevê um setor complementar a ser contratado pelo SUS, visando prover ações de saúde e aumentar a cobertura quando as suas instalações forem insuficientes. Acontece que a OS não é complementar, é substitutiva: sai a gestão pública e entra a gestão privada, e sem controle de gastos, já que o contrato é superflexível, a fiscalização extremamente frágil e o dinheiro público utilizado conforme as condições de mercado, com dispensa de licitação. É uma relação completamente deletéria ao sistema.”
A dispensa também de concurso público, observa Letícia, resulta em sérios problemas trabalhistas, visto que a transição para a gestão de OS prevê a possibilidade de exonerar os servidores públicos. “Em Campinas, recentemente, o Hospital Ouro Verde passou para uma OS, que assumiu todas as funções hospitalares. A Prefeitura simplesmente repassa a verba municipal para a OS, e os funcionários não têm vínculo de servidor público. Usa-se dinheiro do SUS para favorecer o mercado da saúde, nas condições que essas organizações quiserem. Esse mecanismo é muito pernicioso em tempos de crise fiscal: rebaixam-se os gastos públicos transferindo-os para o setor privado, e também para que os gastos não esbarrem na Lei de Responsabilidade Fiscal.”
A socióloga afirma que o gasto tributário (ou renúncia fiscal) é um mecanismo mais conhecido, em que o Estado oferece uma série de desonerações e incentivos fiscais não apenas para quem utiliza a saúde privada (planos de saúde, mas não só), como também para a indústria de medicamentos, por exemplo. “O problema é que isso diminui a arrecadação, e num contexto de SUS subfinanciado; se o sistema tem menos dinheiro do que deveria, diminuir a arrecadação é muito contraditório.”
Na visão da autora da pesquisa, a renúncia fiscal também é regressiva, principalmente quando se trata de pessoa física, que ganha desconto de imposto ao pagar plano de saúde. “Isso significa que o Estado, indiretamente, está favorecendo a demanda de planos de saúde. A renúncia fiscal girava em torno de R$ 20 bilhões até 2012/2013, com previsão de R$ 31 bilhões para 2016; é muito dinheiro que o Estado vai deixar de arrecadar. Além disso, ela é concentrada, favorecendo as OS e os ricos, classe média e classe média alta do Sudeste e das capitais – o setor privado de saúde está concentrado nas regiões mais ricas e com maior dinamismo no mercado de trabalho, porque depende de renda. É algo muito regressivo, espacialmente e em termos de renda.”
Conclusão preocupanteA conclusão de Letícia Travagin é de que o SUS passa por um processo gradual, mas permanente de corrosão, existindo apenas formalmente no papel. “É como uma estrutura porosa, que vem ganhando pequenos furos desde a década de 90. Para refazer o SUS é preciso voltar atrás em tudo o que foi desconstruído durante 26 anos: valorizar o financiamento e a gestão de recursos humanos, promover a atenção básica, regionalizar a saúde. Na atual perspectiva, isso é problemático. Quando anunciam uma reforma privatista, eu me preocupo muito em relação às organizações sociais, desconhecidas até por alguns médicos sanitaristas, que não sabem a diferença entre gestão pública, gestão complementar e gestão de OS.”
A economista insiste que as OS representam um problema escondido, não divulgado, e que tende a aumentar chegando a cidades menores. “Hoje temos cerca de 260 estabelecimentos de saúde geridos pelas OS no Brasil. Parece pouco, mas é preciso observar que esses estabelecimentos estão concentrados no Sudeste e capitais. Os dados até o ano passado mostram uma curva de crescimento acentuado e, nesta situação de crise fiscal e limitação de gastos do Estado, a opção mais fácil é jogar a saúde para o setor privado.”
A autora termina a dissertação demonstrando sua preocupação e pessimismo diante da situação política e econômica vivida hoje, quando se anuncia uma reforma privatista na saúde e em outros setores de interesse social. “O Estado se eximir da gestão da saúde representa um problema sério em qualquer país – e pior no nosso, por causa das características de renda e epidemiológicas típicas de um país de desenvolvimento tardio e incompleto. Nenhuma outra esfera vai assumir a responsabilidade de prover saúde. O setor privado não faz o que o Estado faz, é infactível pensar que vai cumprir a demanda de saúde da população. No Brasil, todas as soluções em saúde levam ao SUS.”
Publicação
Dissertação: “O Estado e o setor privado de saúde no caminho da desestruturação gradual do SUS”
Autora: Letícia Bona Travagin
Orientador: Eduardo Fagnani
Unidade: Instituto de Economia (IE)