terça-feira, 7 de junho de 2016

Que torna nossas metrópoles insustentáveis


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Reportagem sobre uma praga brasileira. Empreiteiras financiam partidos, dirigem Orçamento das cidades e as moldam segundo seus próprios interesses
Por Thales Schmidt e Vinicius Martins | Imagem: Chensiyuan
“A liberdade da cidade é muito mais que um direito de acesso àquilo que já existe: é o direito de mudar a cidade mais de acordo com o desejo de nossos corações”. David Harvey no artigo “A Liberdade da Cidade” – publicado no livro Cidades Rebeldes – reflete que, além de usufruir de bens e serviços indispensáveis à vida, a população urbana deve ter o direito de decidir os rumos do desenvolvimento das cidades.
Desde 2001 algumas ações do governo federal têm apontado nessa direção: aplicação do Estatuto da Cidade (lei 10.257/01), criação do ministério das Cidades, obrigatoriedade da elaboração de Planos Diretores Participativos para municípios com mais de 20 mil habitantes – e a implantação do programa Minha Casa, Minha Vida.
O objetivo dessas iniciativas é definir a função social da cidade e da propriedade, além de buscar soluções para problemas crônicos causados pelo crescimento desordenado e excludente das áreas urbanas. Os principais atingidos desse quadro são as populações de baixa renda, afetadas, principalmente, pela falta de acesso aos equipamentos e serviços públicos essenciais como praças, escolas, hospitais, transporte e segurança.
Apesar da criação desses mecanismos de regulação, a direção do solo urbano ainda não pertence aos interesses da sociedade civil. O mercado imobiliário e as empreiteiras são os responsáveis por determinar a finalidade da cidade e por expor a crise prática da legislação de terras nos municípios.
A disputa pela cidade
“O que está comandando as cidades não é interesse público, não é interesse coletivo, não é justiça social, não é sustentabilidade. Tudo isso é discurso, todas as grandes cidades brasileiras têm ótimos planos diretores, a nossa legislação é muito avançada, conhecimento técnico nós temos, mas nós estamos perdendo na correlação de forças, estamos levando uma surra na disputa com aqueles que têm lucro com as cidades, com o crescimento das cidades”, analisa Ermínia Maricato, professora titular do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, e autora da proposta de criação do ministério das Cidades do Brasil.
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Quase um quarto, 22%, ou 1,39 milhão dos 6,2 milhões habitantes do Rio de Janeiro moram em aglomerados subnormais, as chamadas favelas

O Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstra que 84% da população brasileira vivem em áreas urbanizadas. Estima-se que existam no país cerca de 6329 aglomerados subnormais – ou favelas -, de acordo com o último Censo do IBGE. O número engloba um total de 3.224.529 domicílios e 11.425.644 pessoas.
Segundo Juliano Costa Gonçalves, professor da Universidade Federal de São Carlos e autor do livro Especulação imobiliária na formação de loteamentos urbanos: um estudo de caso, a prática acarreta em conflitos na organização espacial das cidades. “O processo de urbanização costuma ser bastante caro, como levar saneamento e energia a novos bairros, por exemplo. Quando essas áreas ficam presas no processo de especulação, aumenta-se a área urbana. Então, você obriga que algumas pessoas morem nas regiões mais periféricas da cidade, que muitas vezes não têm bons processos de urbanização nesses lotes”, ressalta Gonçalves.
O pesquisador lista outras consequências da especulação, como a falta de acesso à infraestrutura pública básica: iluminação, ruas asfaltadas, escolas e hospitais. No rol de problemas produzidos pelo mercado de terras estão os vazios urbanos e o alargamento do tecido urbano, a segregação sócio-espacial – provocada pela alta no preço dos aluguéis – e complicações na configuração do transporte público. Ou seja, os pobres não frequentam os mesmos parques, escolas e hospitais que os ricos.
Gislene Pereira, professora da Universidade Federal do Paraná, analisa que esse processo é cíclico dentro do sistema capitalista, portanto está presente em outros países do globo. “A cidade que temos é resultado da forma pela qual ela é produzida, ou seja, dentro das regras de produção de um sistema capitalista. Esse modelo de cidade, portanto, é o mesmo em todos os países capitalistas. E os problemas – segregação espacial, periferia, carência de infraestrutura, etc – estão presentes em todas as cidades capitalistas; não é, portanto, uma exclusividade do Brasil”, explica.
Para lidar com déficit de habitação no país, o governo federal criou em 2009 o Minha Casa, Minha Vida. Atualmente, o programa encontra-se em sua segunda fase e promete entregar mais 1,6 milhões de moradias até o fim do ano. No entanto, o projeto costuma receber críticas de especialistas em urbanismo. “O maior déficit habitacional no Brasil está na faixa de 0 a 3 salários mínimos, faixa que praticamente não é atendida pelo programa Minha Casa Minha Vida. Nessa situação, o deficit deve aumentar, como efetivamente está ocorrendo”, aponta Gislene Pereira.
Gislene complementa que: “o problema do deficit habitacional deveria ser enfrentado de modo articulado com a questão do uso da terra urbana. Não falta terra, o que falta, de fato, é terra urbanizada a preço acessível. Dessa forma, somente se pode pensar em atender às demandas por habitação se houver uma política de controle do uso do solo de forma a garantir a oferta de terra urbanizada a preços acessíveis para a população de menor renda”.
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O aumento dos valores dos contratos de venda e aluguel em São Paulo costuma ser maior do que a inflação do mesmo período. Em 2010 – um ano após o lançamento do Minha Casa, Minha Vida – o valor do aluguel mais que dobrou em comparação com a inflação do período. Fonte: Índice Fipe Zap
Empreiteiros: os senhores da cidade
O Minha Casa, Minha Vida é um dos programas dos programas federais que vêm garantindo uma poderosa fonte de recursos para as empreiteiras nacionais – empresas responsáveis por empreendimentos vitais para a cidade como obras rodoviárias, túneis, pontes e até a construção dos edifícios e casas em que habitamos. Nesse setor, a unidade usada para calcular projetos, valores e lucros é a dos bilhões.
Boa parte do fluxo de dinheiro que alimenta o caixa dessas empresas vem do Estado brasileiro por obras dos governos federal e estaduais. Segundo levantamento da revista O Empreiteiro, referência do setor de engenharia, em 2013 a União foi responsável por investir R$ 12,416 bilhões em obras e serviços por meio de licitações públicas; todavia, o valor ainda é menor que o investido pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco no mesmo período: R$ 18,415 bilhões.
Os eventos esportivos sediados pelo Brasil – Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro – têm garantido contratos gordos para o setor. De acordo com reportagem da Agência Pública, os dez maiores contratos dos dois eventos chegam a quase R$ 30 bilhões. Programas federais com grandes investimentos em obras de infraestrutura econômica e social, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – iniciado em 2007 e já na segunda edição – também fazem a festa das corporações.
O casamento entre poder público e empreiteiras, contudo, é de longa data. O historiador Pedro Campos, professor da Universidade Federal Rural de Rio de Janeiro, analisou a formação das principais empreiteiras brasileiras durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985) em sua tese de doutorado. “Os empreiteiros já eram importantes no país antes da ditadura, eles crescerem muito na década de 50, em especial nas obras de Juscelino Kubitischeck (1956-1961). Naquele período eles começam a se organizar em nível nacional, criaram organizações de empreiteiros e a partir dessas organizações passam a ter um papel político e uma atuação junto ao aparelho de Estado muito decisiva”.
Durante o regime ditatorial, a situação melhorou ainda mais para as empreiteiras nacionais. Por meio do decreto 64.345, o militar e então presidente Artur da Costa e Silva (1964-1966) determinou que obras de infraestrutura no Brasil só poderiam ser feitas por empresas nacionais. A medida ajudou o estabelecimento das empreiteiras brasileiras em áreas com forte concorrência internacional, como a construção de hidrelétricas, engenharia industrial, de petróleo e outras obras urbanas. A decisão fez com que as empreiteiras nacionais fossem as únicas beneficiadas pelos grandiosos projetos desenvolvimentistas dos militares. A restrição a empresas estrangeiras só foi revertida em 1991 pelo presidente Fernando Collor (1990-1992).
“Existia um cenário ideal para o desenvolvimento dessas empresas, tanto é que elas se desenvolveram de maneira bastante expressiva ao longo do regime. E no final da ditadura o que a gente tinha eram grandes conglomerados econômicos, aquelas empreiteiras que já eram grandes e importantes na ditadura no final eram multinacionais que atuavam em vários lugares do mundo”, aponta Pedro Campos.
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Evolução da receita bruta das empreiteiras nacionais mostra consolidação da baiana Norberto Odebrecht como a principal empresa do setor, única a ultrapassar R$ 10 bilhões de receita bruta em 2013. Fonte: O Empreiteiro
As grandes empreiteiras nacionais são superlativas em todos os seus números. A maior delas, a construtora baiana Norberto Odebrecht, teve em 2013 uma receita bruta de R$ 10,149 bilhões e conta com mais de 125 mil funcionários. Segundo ranking das maiores empresas do setor realizado pela revista O Empreiteiro, 40% da receita no período se deve a contratos com o setor público.
Levantamento do Estadão Dados apontou que a mesma Odebrecht foi responsável por doar R$ 47,7 milhões para a campanha eleitoral de 2014. Outra gigante do setor, a Andrade Gutierrez doou R$ 93,6 para o mesmo pleito. Ainda assim, nenhuma doadora supera o grupo pecuarista JBS, com R$ 357,3 milhões aplicados. Na legislação atual, as empresas podem doar até 2% do faturamento bruto do ano anterior ao da eleição.
O fim das doações empresariais foi um dos pontos das mudanças políticas votadas pela Câmara dos Deputados. Embora a extinção das doações de empresas tenha sido aprovada em primeira votação, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) conseguiu reverter a decisão por meio de manobra regimental no dia seguinte; procedimento repetido durante a votação da redução maioridade penal. Os temas ainda serão votados novamente por Câmara e Senado.
“O grande problema urbano no Brasil hoje é o financiamento de campanha. Está tudo absolutamente comprometido com o financiamento de campanha. Nas nossas grandes cidades, e pequenas e médias também, grande parte da orientação do crescimento urbano é dada por interesses de proprietários de uma elite local, das grandes empreiteiras, do capital imobiliário e dos parlamentares e prefeitos de plantão. É assim que se dá a decisão, por exemplo, de ao invés de construir metrô, você construir viaduto, ponte, túnel, para transporte rodoviário e não transporte sobre trilho”, indica Erminia Maricato.
O historiador Campos também aponta o financiamento privado como um grande problema do sistema político atual: “Se uma empresa que presta serviços ao Estado pode (financiar campanhas), é obvio que isso vai dar problemas. Se uma empreiteira que faz obra pública para um governo pode financiar campanha, isso é realmente algo que vai gerar problemas, distorções e uma rede de propinas”. Para o historiador, as doações são uma espécie de “investimento” para conquistar “protagonismo e poder politico”.
Desde 2014, a Polícia Federal e Ministério Público Federal investigam uma rede de corrupção e distribuição de propinas na Petrobras, os investigadores acreditam que o esquema ocorra há pelo menos 10 anos. A chamada Operação Lava Jato apura o desvio de bilhões de reais de licitações e contratos da maior estatal brasileira, dinheiro usado para pagar altos funcionários corruptos e políticos. PT, PMDB, PP, PSDB e PSB abrigam 47 políticos alvos de investigação por participação no esquema. A lista de suspeitos inclui os presidentes da Câmara Federal e do Senado: Eduardo Cunha e Renan Calheiros – ambos do PMDB.
O processo se notabilizou por ir além das operações policiais mais costumeiras no Brasil ao prender não só agentes políticos e públicos corruptos, mas também os corruptores. Altos dirigentes de empreiteiras como OAS, Camargo Corrêa, Mendes Júnior, Queiroz Galvão, UTC, Engevix, Iesa e Galvão Engenharia estão respondendo pelos desvios praticados. Marcelo Odebrecht, presidente da maior empreiteira nacional, e Otávio Marques de Azevedo, chefão da Andrade Gutierrez, estão em prisão preventiva.
Regulação urbana
Ainda que o Brasil tenha mecanismos de regulação do tecido urbano que são referências mundiais – como edificação compulsória, o IPTU progressivo, a Desapropriação para Fins de Reforma Urbana, o Direito de Preempção, a Outorga Onerosa e outras ferramentas – os interesses das empreiteiras costumam prevalecer na decisão da política urbana das cidades brasileiras. No meio do caminho da efetivação do direito à cidade estão a política e o jogo de correlação de forças que traça os rumos do desenvolvimento e emprego de verbas públicas.
A aplicação de tais instrumentos legais seria vital no atual contexto de forte especulação imobiliária das médias e grandes cidades brasileiras. Entretanto, há uma crise prática que impede o efeitos da legislação no espaço urbano. “O que você tem agora é uma politica que é regressiva do ponto de vista da sustentabilidade ambiental, da justiça social e territorial, do direito à cidade. Atualmente, as nossas cidades, com raras exceções, estão em um caminho regressivo”, analisa Ermínia Maricato.
“O planejamento tem que atuar sobre a lógica de produção do solo urbano, o que significa utilizar os instrumentos legais existentes para interferir na lógica de produção urbana individual, priorizando a questão coletiva. O Brasil, apesar de avançado na legislação, ainda está engatinhando na aplicação desses instrumentos. Como referência, citaria as cidades de Bogotá e Medellin, na Colômbia, que têm obtido bons resultados nas políticas urbanas”, aponta Gislene Pereira.
As cidades de Bogotá e Medellin têm priorizado os cidadãos para guiar o desenvolvimento urbano. Em pouco mais de oito anos, os municípios investiram em mobilidade urbana planejada e sustentável, segurança cidadã com a remodelação das polícias e um novo ordenamento do espaço público. As melhorias colocam como foco as populações de baixa renda, dispondo para esses estratos sociais equipamentos públicos como escolas, bibliotecas, hospitais, praças e espaços de convivência, além de corredores para ônibus e ciclovias. Todas as obras fazem parte de uma política integrada de desenvolvimento urbano. Os resultados diminuíram os índices de violência urbana e colocaram as duas cidades entre as melhores indicadores de qualidade de vida da Colômbia.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Região oeste da Grande SP é novo ‘gargalo’ do abastecimento, OESP


 - Atualizado: 06 Junho 2016 | 07h 28

Após crise hídrica, Sabesp trabalha em plano para garantir água até 2045, quando terá de atender 2,5 milhões de pessoas a mais

SÃO PAULO - Após dois anos correndo atrás de obras emergenciais para evitar o colapso do abastecimento de água na região metropolitana durante a crise hídrica, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) se debruça agora sobre a elaboração de um novo plano de ações para garantir o fornecimento até 2045, quando terá de atender 2,5 milhões de pessoas a mais e 35% novos domicílios ligados à rede.
Dados registrados na última década e projeções de crescimento econômico e populacional futuros mostram que a região oeste da Grande São Paulo é o novo gargalo do abastecimento de água, a exemplo do que foi a região sul nas décadas de 1950 e 1960, a norte (1970) e a leste (1980 e 1990). Nos anos 2000, a porção oeste, que inclui a parte da zona oeste da capital e mais dez cidades, como Barueri e Itapevi, foi a que registrou o maior aumento da demanda por água (22,5%).
Moradores de Carapicuíba, na região oeste da região metropolitana, conviveram com severa falta de água durante a crise hídrica
Moradores de Carapicuíba, na região oeste da região metropolitana, conviveram com severa falta de água durante a crise hídrica
A região se tornou um grande centro industrial e empresarial de São Paulo, atraindo novos moradores e empreendimentos imobiliários, como os bairros Alphaville, Tamboré e Granja Viana. Só nos últimos cinco anos, por exemplo, a taxa de crescimento anual da população em cidades como Cotia (2,3%) e Santana de Parnaíba (2,7%) foi três vezes maior que a média da região metropolitana (0,8%), segundo a Fundação Seade.
Hoje, vivem nessa região mais de 4,2 milhões de pessoas, que dependem dos Sistemas Alto e Baixo Cotia, que são antigos e pequenos, Cantareira e Guarapiranga, que abastecem diversas outras áreas e estão com suas estruturas próximas do limite. E a tendência é de que a região cresça ainda mais nos próximos anos, com a previsão de novos megaempreendimentos, tornando o principal desafio da Sabesp.
“A região oeste é a que mais cresce hoje e demanda uma atenção especial”, afirma Regina Ferraz, gerente de planejamento técnico da companhia, destacando a importância da conclusão do Sistema São Lourenço, novo manancial que está em obra e deve abastecer cerca de 1,5 milhão de pessoas na região a partir de outubro de 2017, aumentando a oferta de água para uma demanda crescente e desafogando os outros sistemas. 
Segundo ela, a maior parte dos novos moradores da região é fruto de uma migração interna da população dentro da Grande São Paulo, o que “torna ainda mais importante ter um sistema de abastecimento integrado e flexível”. 
Às margens da Rodovia Raposo Tavares, por exemplo, no limite da capital com Osasco e Cotia, está prevista a construção de um megacondomínio com 19 mil apartamentos distribuídos em 124 prédios e que deve ter shopping e supermercado. Técnicos da estatal já estudam no plano diretor a melhor forma de providenciar toda a infraestrutura de abastecimento de água e coleta de esgoto. 
“É um empreendimento enorme que vai nos obrigar a construir um novo setor de abastecimento para atender cerca de 100 mil pessoas”, diz Viviana Borges, gerente de planejamento operacional da região metropolitana. “Causa um baita impacto na nossa estrutura e precisamos estar preparados quando o empreendedor iniciar a construção.”
Simulação. A Sabesp também já simulou a situação do abastecimento com a construção de outros dois empreendimentos gigantes, um no Jaraguá, parte noroeste da capital, onde hoje há vegetação, e outro na cidade de Cajamar, que deve quase duplicar a população do município, de 71 mil habitantes.
Nos dois casos, os técnicos já dimensionaram as obras necessárias para atender aos novos bairros e não prejudicar o abastecimento do entorno com a ajuda de um software capaz de simular quantos litros por segundo serão necessários para atender cada setor no futuro e se as tubulações instaladas na região hoje vão suportar esse volume. A Sabesp calcula agora o que precisará ser feito para evitar um novo racionamento, caso uma seca tão severa como a de 2014 ocorra novamente até 2045.
Crescimento da demanda. Projeções da Sabesp em seu novo plano diretor de abastecimento apontam que a demanda por água na região metropolitana deve crescer 20% até 2045. A estimativa é de em 30 anos será necessário produzir 84 mil litros por segundo para atender 22,5 milhões de pessoas, ante os 70 mil l/s produzidos até o início da crise hídrica. Agora, a produção está em torno de 60 mil l/s.
Pelas cálculos da Sabesp, só a capacidade do Cantareira, o principal manancial que abastece a região, precisaria ser ampliada em 12%, dos atuais 33 para 37 mil l/s. Hoje, produz 22 mil l/s. Ou seja, serão necessárias mais obras além da conclusão do Sistema São Lourenço, que poderá produzir até 6,4 mil l/s e está previsto para outubro de 2017, para suprir a demanda por água.

domingo, 5 de junho de 2016

Morre aos 96 anos o ex-ministro Jarbas Passarinho, FSP


Pedro Ladeira/Folhapress
Velório do ex-ministro Jarbas Passarinho no oratório do soldado, em Brasília. O político morreu neste domingo (5), aos 96 anos
Velório do ex-ministro Jarbas Passarinho no oratório do soldado, em Brasília
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O ex-ministro Jarbas Passarinho morreu na manhã deste domingo (5) aos 96 anos em sua residência em Brasília.
Segundo o governo do Pará, que decretou luto oficial por três dias, a morte ocorreu em decorrência de problemas de saúde devido à idade avançada.
Nascido no Acre, Passarinho iniciou sua trajetória política no Pará, onde foi governador de 1964 a 1966. Foi senador por três mandatos e, nos governos militares, comandou os ministérios do Trabalho, Educação e Previdência Social. No governo de Fernando Collor, chefiou o Ministério da Justiça.
Em 1968, durante a reunião que decidiu a criação do AI-5 (Ato Institucional nº 5), Passarinho, então ministro do Trabalho, disse uma frase que se tornou célebre. "Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência." O ato aumentou substancialmente os poderes do governo militar e marcou o endurecimento da ditadura no país.
Passarinho era a penúltima pessoa viva que havia participado do encontro que selou o AI-5. A última é o ex-ministro, economista e colunista da FolhaDelfim Netto.
O corpo do ex-ministro foi velado na tarde deste domingo na Paróquia Militar do Oratória do Soldado, em Brasília.
Além de familiares e amigos, compareceram à cerimônia fúnebre o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello, o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Sérgio Etchegoyen, e o chefe da Casa Militar, Marcos Antônio Amaro.
Para o ministro do Supremo, Passarinho deixa um exemplo para a nacionalidade do país e atuou na vida pública com "desprendimento" e "pureza". "Um homem que teve uma passagem na vida pública muito fértil. Ele foi exemplar em todos os títulos e honrou o Senado", disse.
Na cerimônia, foi rezada uma missa de corpo presente pelo capelão militar José Eudes e, por volta das 15h30, o corpo foi levado ao cemitério Campo da Esperança, para o enterro.
Nas redes sociais, o presidente interino, Michel Temer, expressou sentimento de pêsames e o chamou de "grande brasileiro". A presidente afastada, Dilma Rousseff, não se pronunciou até o momento.
O Exército Brasileiro lamentou a morte, prestou solidariedade à família e ofereceu apoio material ao velório e ao sepultamento.
DO ACRE A BRASÍLIA
Jarbas Gonçalves Passarinho nasceu em Xapuri, no Acre, em 11 de janeiro de 1920, filho do pequeno empresário Inácio de Loiola e de Júlia Gonçalves Passarinho. Mudou-se com a mãe e os irmãos para Belém do Pará em 1923. Lá, cursou os ensinos primário e secundário em escolas públicas.
Foi admitido na Escola Preparatória de Cadetes de Porto Alegre e depois na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, onde foi presidente do diretório. Fez carreira destacada na arma de artilharia, em Belém, Resende, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Agulhas Negras e outros locais.
Foi nomeado superintendente da Petrobras na região amazônica em 1959. Já no posto de tenente-coronel, chefiou de 1962 a 1964 o estado-maior do Comando Militar da Amazônia, em Belém.
Envolveu-se em conspirações militares desde os anos 1950. Contribuiu para o êxito do golpe de 1964, constituindo-se em um dos principais quadros políticos do novo regime.
Logo após o golpe, foi nomeado Governador do Pará, cargo que ocupou até janeiro de 1966, quando foi substituído por seu pupilo, o major Alacid Nunes, com quem viria a se desentender posteriormente, eleito pela UDN (União Democrática Nacional).
Após a extinção dos partidos políticos em outubro de 1965, Passarinho filiou-se ao novo partido governista, a Arena (Aliança Renovadora Nacional).
Em 1966, foi eleito senador pelo Pará. Apoiou a candidatura presidencial indireta do general Costa e Silva, que o nomeou Ministro do Trabalho e Previdência Social logo que tomou posse, em março de 1967.
A essa altura, encerrou a carreira militar, indo para a reserva com a patente de coronel.
Como ministro do Trabalho, colaborou com a política considerada de arrocho salarial, que levaria às greves de Contagem (MG) e de Osasco (SP), em 1968, apesar do controle governamental sobre as atividades sindicais.
Apoiou pequenas concessões salariais no caso de Contagem e outras para minorar a insatisfação latente do conjunto dos trabalhadores, como a instituição da previdência rural. Mas a greve de Osasco acabou sendo duramente reprimida, com o aval do ministro.
Lula Marques - 10.ago.1995/Folhapress
Ex-senador Jarbas Passarinho no escritório de sua casa em Brasília.*** NÃO UTILIZAR SEM ANTES CHECAR CRÉDITO E LEGENDA***
Jarbas Passarinho em sua casa em Brasília, em retrato feito em 1995
MOBRAL
No governo Médici, ocupou o Ministério da Educação e Cultura, já sob vigência de uma forte legislação repressiva (como o decreto nº 477), que durante alguns anos conseguiu calar o movimento estudantil. Ao mesmo tempo, levou adiante a reforma universitária e do ensino médio.
Não conseguiu implantar o ensino superior público pago para os alunos mais abastados, devido à resistência interna no governo, "receoso da agitação estudantil", segundo Passarinho.
Como resposta ao método politizado de alfabetização de adultos levado adiante por Paulo Freire antes de 1964, implantou o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização) em 1971.
Durante o governo Geisel, com quem tinha menos afinidade do que com Medici, atuou como senador pelo Pará. Foi dos poucos eleitos pela Arena em 1974 –seis senadores, contra 16 do MDB (Movimento Democrático Brasileiro).
Nessa época, passou a ter participação parlamentar ativa na Arena, foi vice-líder do governo de 1975 a 1977, mas estava distante do círculo mais íntimo do presidente.
Quase 30 anos mais tarde, numa entrevista em 2004, Passarinho viria a dizer que os militares deveriam ter deixado o poder no início dos anos 70. Nessa entrevista, avaliou que o golpe havia sido inevitável, diante do temor que o comunismo representava. "O problema é que durou demais. Deveríamos ter deixado o poder e realizado eleições livres em 1973", disse.
Na gestão de Figueiredo, iniciada em março de 1979, logo após o fim do AI-5, Passarinho assumiu a liderança da Arena e do governo no Senado.
Ajudou a articular a anistia em agosto de 1979, bem como a reforma partidária que extinguiu a Arena e o MDB. Foi um dos fundadores do PDS (Partido Democrático Social), principal base de sustentação do governo.
Elegeu-se presidente do Senado em fevereiro de 1981. No mesmo ano, entrou em conflito pela imprensa e também em plenário com setores da Igreja católica que defendiam direitos de trabalhadores rurais no Pará.
CONTRA AS DIRETAS
Nas eleições de 1982, fragilizado pelo avanço da oposição e pelos desentendimentos com Alacid Nunes no seio do PDS, Passarinho perdeu as eleições para o Senado. Mas logo assumiu o Ministério da Previdência e Assistência Social.
Ele atuou contra a proposta de eleições diretas para a presidência da República. Seu nome chegou a ser cogitado para a sucessão indireta do presidente Figueiredo.
Passarinho apoiou a candidatura, derrotada dentro do PDS, de Mário Andreazza à presidência da República. Buscou inviabilizar a Frente Liberal, dissidência do PDS que ajudou a eleger Tancredo Neves, candidato da oposição.
Em 1986, elegeu-se novamente senador pelo Pará (PDS, em coligação com o PMDB de Jader Barbalho e outros partidos). Participou ativamente da Assembleia Nacional Constituinte, presidindo ou integrando várias comissões.
Como então presidente do PDS e líder do partido no Senado, ajudou a obter do Congresso a aprovação do mandato de seis anos para o presidente José Sarney.
Nas eleições presidenciais de 1989, discordâncias com o candidato Paulo Maluf levaram Passarinho a deixar o comando do PDS.
ALIADO A COLLOR
Em outubro de 1990, foi nomeado Ministro da Justiça pelo presidente eleito, Fernando Collor de Mello. Buscou articular politicamente o governo, que tinha dificuldades no Congresso.
Sem lograr êxito, acabou substituído na reforma ministerial de abril de 1992. Como senador aliado, testemunhou o impeachment de Collor.
Durante o governo Itamar Franco, seguiu no Senado, atuou por exemplo na Presidência da CPI que apurou denúncias de corrupção da chamada "máfia do Orçamento" Geral da União, que envolvia parlamentares (18 deles foram processados, 4 cassados em janeiro de 1994).
Candidatou-se ao governo do Pará em 1993 pelo PPR (Partido Progressista Reformador), fruto da fusão do PDS com o PDC (Partido Democrata Cristão). Foi derrotado no segundo turno por Almir Gabriel, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
Sem mandato, assumiu cargo na CNI (Confederação Nacional da Indústria) em Brasília, onde já trabalhara nos anos 1980. Passou a escrever regularmente para jornais como "O Estado de S. Paulo".
Após a fusão do PPR com o PP (Partido Popular), em 1995, aderiu ao novo PPB (Partido Progressista Brasileiro), e foi eleito presidente da Fundação Mílton Campos, ligada ao partido.
Na eleição disputada entre Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, em 1994, o então senador alertava para o perigo do "radicalismo" de algumas alas do PT, que poderiam deixar Lula isolado, caso ele fosse eleito. Passarinho dizia que o próximo governo tinha de ser democraticamente forte. Mas afirmava que "entre a justiça e a ordem, é preferível a ordem".
No primeiro mandato de FHC, em setembro de 1996, foi nomeado consultor do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que acabou deixando menos de um ano depois, sentindo-se desconfortável com o que lhe parecia excesso de tolerância com esquerdistas.
Não obstante, acompanhou a decisão do PPB de apoiar a reeleição do Presidente e a candidatura do tucano Almir Gabriel no Pará. Integrou o comitê de assessoramento político da campanha de Cardoso. Em dezembro de 1998, foi nomeado membro do Conselho da República.
Em pleno século 21, seguiu no debate público como um dos defensores mais ardorosos do regime instaurado em 1964 e também dos militares acusados de violação aos direitos humanos. Mas dizia que a tortura não era uma política de Estado e sim uma "deformação profissional".
ESCRITOR
Menos conhecida é sua atividade como escritor e intelectual: em 1949, ganhou prêmio de concurso da Prefeitura de Belo Horizonte com o conto "Um Viúvo Solteiro". Em 1959, com o romance "Terra Encharcada", recebeu da Academia Paraense de Letras o prêmio Samuel Wallace Mac Dowell.
Em maio de 1991, lançou "Na Planície", o primeiro volume de suas memórias. Em 1996, o conjunto das memórias foi publicado com o título "Um Híbrido Fértil". Autor de outras obras, como "Amazônia, o Desafio dos Trópicos" (1971) e "Liderança Militar" (1987).
Pertencia à Academia Paraense de Letras, ao Instituto Histórico e Geográfico do Pará e ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Recebeu inúmeras condecorações e 17 títulos de doutor honoris causa de universidades federais (como as do Rio de Janeiro, Pará, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba) e católicas (Rio Grande do Sul, Campinas, Petrópolis, Bahia, Recife e Goiás), entre outras.
Era pai de cinco filhos com Ruth de Castro Gonçalves Passarinho, de família tradicional paraense, que a princípio se opusera ao casamento. Ficou viúvo em agosto de 1987.
Marcelo Ridenti é professor titular de Sociologia na Unicamp.