terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Déficit da previdência? Que déficit?


Em audiência no Senado, pesquisadora desmonta a falácia repetida como mantra pela mídia para justificar a reforma que atende aos interesses do mercado.


Najla Passos
EBC
Dois dias após a presidenta Dilma Rousseff ir ao Congresso propor que o legislativo se una ao executivo para aprovar a reforma da previdência, parlamentares, acadêmicos, operadores do direito e sindicalistas debateram a proposta por mais de cinco horas, em audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, nesta quinta (4). O consenso saiu fácil: todos eles se manifestaram terminantemente contrários.
 
Professora do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisadora do tema, Denise Gentil comprovou com dados oficiais que, apesar da crise econômica e da discutível política de desoneração fiscal adotada pelo governo desde 2010, o sistema de seguridade social brasileiro é superavitário e cumpre bem seu papel social de distribuir renda, ao contrário do que alega o governo e a mídia coorporativa. “Não há nada de errado com a previdência. O sistema é sólido e se sustenta mesmo na crise”, afirmou.
 
De acordo com ela, dados preliminares apontam que em 2015, um ano marcado por forte recessão e alta nas taxas de desemprego, a previdência obteve uma receita bruta de R$ 675,1 bilhões, e gastou R$ 658,9 bilhões. Portanto, mesmo com todos os problemas, ainda conseguiu gerar um superávit de R$ 16,1 bilhões. Os dados relativos a 2014, já consolidados, registram uma receita de R$ 658.410 bilhões contra despesas de R$ 622.895 bilhões, o que resultou em uma sobra no caixa da ordem de R$ 35,5 bilhões.  
 
E tudo isso apesar de, naquele ano, o governo ter aberto mão de R$136,4 bilhões só em desonerações previdenciárias. Um volume de dinheiro que, segundo a professora, equivaleu a 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, de toda a riqueza gerada pelo país em 2014. Os dados preliminares apontam que, em 2015, as desonerações aprovadas pelo governo retiraram da previdência algo em torno de R$ 157.647 bilhões, ou 2,75% do PIB. Para este ano, a estimativa é que a perda seja da ordem de R$ 142.965 mihões, ou 2,29% do PIB.


 
O mais grave, conforme Denise Gentil, é que a política de desoneração do governo, implantada com o discurso que iria proteger o trabalho formal, resultou no grande fiasco que pode ser medido hoje pelo grave aumento nas taxas de desemprego “A política fiscal do governo Dilma é um retumbante fracasso. A desoneração em grande escala prejudica o financiamento futuro das políticas sociais. Não é aceitável que o governo adote esse patamar estratosférico de renúncia e agora proponha corte de gastos”, denunciou.
 
Não ao discurso catastrófico
 
A pesquisadora também rechaçou o discurso adotado pela presidenta e reverberado pela mídia de que o aumento da expectativa de vida da população brasileira irá tornar a previdência inviável e ameaçar a futura aposentadoria dos brasileiros. “Para viabilizar a reforma, o governo incorporou o discurso catastrófico da transição demográfica. Mas o fenômeno também pode ser visto por outras perspectivas”, explicou.
 
Conforme ela, se a população vai de fato envelhecer, o governo, então, poderá reduzir seus gastos com educação, principalmente na faixa de 0 a 7 anos. “O governo poderá universalizar a educação em todos os níveis e isso permitirá que o trabalhador, melhor qualificado, produza mais e sustente a nova realidade demográfica”, exemplificou.
 
A professora acrescentou que o envelhecimento da população irá fortalecer também a inserção das mulheres no mercado de trabalho, aumentado a base de contribuintes da previdência.
 
Ela admite que, neste processo, os gastos com os setores de saúde e previdência tendem de fato a aumentar, mas não acredita que isso ocorra como o propagado pelos apoiadores da reforma. Para ela, os gastos com a previdência funcionam e funcionarão como uma política pública de transferência de renda, principalmente para os mais pobres que poderão incrementar seu nível de consumo. “O gasto previdenciário serve também para produzir maior dinamismo na economia”, destacou.
 
Para Denise Gentil, a visão pessimista que avaliza a reforma considera variáveis difíceis demais de serem previstas, como ocorre com a variação do PIB, para a qual não há consenso sequer para este ano. “Nós não temos um determinismo demográfico a enfrentar, mas sim uma escolha política de que país queremos. Esta reforma da previdência me parece muito mais uma imposição do mercado que irá reverter as conquistas sociais da última década”, defendeu.
 
Onde estão as contrapartida às desonerações?
 
Procurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ronaldo Curado Fleury também criticou a proposta de reforma da previdência e a política de desonerações do atual governo. “É um absurdo o volume de recursos de que o governo abre mão com essas desonerações, sem que a sociedade receba nada em troca”, ressaltou.
 
Para ele, é fundamental que, em renúncias fiscais, o governo estabeleça contrapartidas para as empresas, como aumento da oferta de empregos ou das remunerações, e mesmo investimentos em tecnologia. “Nas concessões de portos e aeroportos, a contrapartida é zero. Não há uma cláusula sequer para obrigar as empresas concessionárias a cumprirem a legislação trabalhista. É por isso que muitas nem repassam para a previdência o que recolhem dos trabalhadores”, denunciou.
 
Premissa errada, solução falaciosa
 
Presidente da Comissão de Seguridade Social da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Thaís Riedel reforçou que a proposta de reforma da previdência parte de uma premissa equivocada: o déficit alegado pelo governo, que não existe de fato. “Quando a gente olha todo o sistema da seguridade, vê que não há déficit. O governo só encontra um porque separa as receitas, porque separa o inseparável”, afirmou.
 
Para a advogada, a reforma da previdência é um processo claro de retirada de direitos dos trabalhadores brasileiros, o que é vedado pela Constituição. “É unanimidade entre os estudiosos do direito previdenciário que não há déficit na previdência e que essa retirada de direitos é inconstitucional”, destacou.
 
A maquiagem que sustenta o discurso
 
Presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central, Marcos Piffer explicou como é feita a maquiagem contábil que torna a previdência deficitária. Segundo ele, retira-se receitas de contribuições sociais como o Confins e o PIS/Pasef, e incrementa-se as despesas com os gastos de saúde, entre outros. “Nós precisamos denunciar veementemente a forma como são divulgadas as contas da previdência, idealizada sob medida para a sustentar essa falácia, repetida como mantra pela imprensa, de que ela é deficitária”, conclamou.
 
O sindicalista criticou duramente a política econômica adotada pelo governo Dilma, que só favorece o mercado brasileiro. Segundo ele, enquanto o país vive uma recessão e os trabalhadores são penalizados com o desemprego, o Itaú divulgou esta semana seu balanço anual, no qual revela que, só em 2015, lucrou R$ 23 bilhões. “Um único banco brasileiro lucrou mais do que o governo gasta com o programa Bolsa Família, que atende a 40 milhões de brasileiros. Nós precisamos reverter esta lógica”, defendeu.
 
Quem é contra a reforma
 
Todos os representantes das centrais sindicais presentes ao evento se pronunciaram contrários à proposta. O secretário Nacional de Assuntos Jurídicos Central Única dos Trabalhadores (CUT), Valeir Ertle, disse que uma pesquisa feita pela entidade aferiu que 88% dos trabalhadores brasileiros são contra a reforma da previdência e 75% são favoráveis às políticas públicas de transferência de renda. “Esta proposta não é a do governo que nós elegemos, mas sim a da oposição”, afirmou.
 
Apenas dois senadores participaram da sessão: Paulo Paim (PT-RS) e Lindberg Farias (PT-RJ).  E embora ambos pertençam ao partido da presidenta que propôs a reforma, ambos afirmaram que irão trabalhar para derrotá-la. “Temos que ter forças neste momento para mostrar que o rumo está errado. Às vezes, o melhor amigo não é o que fica calado, mas o que diz que o caminho está errado”, justificou Farias.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

O tesouro da memória da CIA - ELIO GASPARI. do Perca Tempo


O GLOBO - 07/02

Agência americana publicou cerca de 2.500 documentos que foram entregues a presidentes americanos



Em setembro do ano passado, a Central Intelligence Agency colocou na rede um tesouro com cerca de 2.500 documentos com as sinopses diárias que eram entregues de manhã ao presidente dos Estados Unidos entre 1961 e 1969. Coisa que só a democracia americana é capaz de fazer, pois a brasileira até hoje escamoteia análises que eram mandadas semanalmente pelo Serviço Nacional de Informações aos generais-presidentes.

As sinopses da CIA enviadas ao presidente John Kennedy entre 1961 e 1963 têm um máximo de cinco páginas, com 20 tópicos. Com a posse de Lyndon Johnson, que não gostava de lê-las, elas encolheram e às vezes cabiam numa só folha. No material liberado ainda há trechos embargados, escondendo uns 10% do conjunto.

Lendo esses papéis, vai-se à alma do governo americano durante a Guerra Fria, sobretudo com o Vietnã. As sinopses não refletem tudo o que a CIA informava, mas apenas o que dizia ao presidente naquela hora. Em relação ao Brasil, tomando-se como amostra apenas essas sinopses, a CIA forçava a barra e, num caso, mentiu.

Em 1961, diante da inesperada renúncia do presidente Jânio Quadros, ela deu de barato que o vice-presidente João Goulart, “fortemente esquerdista”, deveria ser o sucessor de Jânio. Três dias depois da renúncia, com o país correndo o risco de ter uma guerra civil, ela informou a Kennedy que os dispositivos da Constituição eram “complicados”. Não podiam ser mais claros: assumiria o vice. Na primeira hora a CIA parecia torcer para que o veto dos ministros militares a Jango prevalecesse.

Os tópicos são secos, com pouquíssimos momentos de humor. Um deles, do dia 2 de março de 1967, conta em 15 linhas o encontro do general Vernon Walters, adido militar no Brasil, com o presidente Castello Branco, que deixaria o governo duas semanas depois. Castello elogiou o marechal Arthur da Costa e Silva, seu sucessor, e Walters contou-lhe algumas piadas que rondavam a figura de “seu” Arthur. O cabeça-chata Castello riu de uma delas, segundo a qual, depois de ter sido presidido por três anos por um presidente sem pescoço, o Brasil seria governado por outro, sem cabeça. A CIA sempre temeu que Costa e Silva levasse a vaca para o brejo (outra piada dizia que o marechal mobilizara o Exército para descobrir quem roubara sua biblioteca, pois não acabara de colorir o segundo volume).

Às vezes a CIA errava no curto prazo, mas era profética. Em fevereiro de 1966, numa rara análise alentada, listou três dirigentes chineses com possibilidades de vir a governar a China depois de Mao Zedong. O primeiro era o presidente Liu Shao Shi. Depois vinha o primeiro-ministro Zhou Enlai. Estourou a Revolução Cultural, Liu foi para a cadeia e morreu em circunstâncias lastimáveis, Zhou foi escanteado, e o terceiro viu-se transformado em operário numa pequena cidade. Seu filho, jogado de uma janela, ficou paralítico.

Chamava-se Deng Xiao Ping, deu a volta por cima e, depois da morte de Mao, em 1976, construiu a nova China.

• Serviço: “The Collection of Presidential Briefing Products from 1961 to 1969” está na rede.

CUNHA PODE AJUDAR

O deputado Eduardo Cunha autorizou a instalação de uma segunda CPI para investigar as maracutaias ocorridas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda. Na sua origem, a Operação Zelotes pegou os larápios do Carf em casos de venda de sentenças para proteger sonegadores. Passou o tempo, e ela mirou na salsicharia de medidas provisórias.

Eduardo Cunha poderá abrir uma frente de investigações se ajudar a descobrir o nome do procurador do Banco Central que recorreu ao ex-ministro Márcio Thomaz Bastos para enfrentar a MP 517, também conhecida como Frankenstein. Nela, um embutido permitia que instituições financeiras liquidadas pelo Banco Central usassem fundos do FCVS para pagar suas contas.

O procurador tomara um aperto claro, pessoal e direto. Márcio foi à doutora Dilma e ouviu o seguinte:

“Diga a ele para não ceder, porque será o primeiro a ir para a cadeia”.

Ele não cedeu, o jabuti foi aprovado, e a doutora vetou o dispositivo.

Se Eduardo Cunha ajudar a achar esse procurador, fará um serviço ao país, ajudando a Polícia Federal a povoar sua carceragem.

O MICRO-ONDAS DE ALCKMIN

O governador Geraldo Alckmin está fritando seus adversários no PSDB paulista num forno de micro-ondas, sem barulho.

Para o bem e para o mal, a frieza de Alckmin entrará para a História política nacional. Ele se tornou o brasileiro que, pelo voto, por mais tempo ocupou o governo de São Paulo, mas faz de conta que chegou ontem de Pindamonhangaba.

OS NÚMEROS DA SAÚDE NÃO SÃO OUVIDOS

Em 2015, o Ministério da Saúde sabia que os casos de dengue haviam chegado a 1,6 milhão. O estrago provocado pelo mosquito crescera em todas as regiões do país e dobrara no Centro-Oeste. Deu no que deu.

Os números da Saúde falam claro, mas quando são colocados em planilhas não são ouvidos, ou as respostas do governo vêm sob a forma de projeto marqueteiro. Sem ter nada a ver com o mosquito, sabe-se que o sistema de saúde privado brasileiro padece dos males de uma contabilidade de padaria, e a quebra dos planos Unimed está aí para expor o risco dessa conduta. Elas devem R$ 1,2 bilhão à Viúva porque cobraram dos associados, mas não pagaram seus impostos. Os médicos receitam, os hospitais gastam, os planos pagam, e a conta explode no bolso do freguês.

Segundo estatísticas de 2013, a taxa de exames de ressonância magnética na rede do SUS é de 4,9 para cada 100 mil habitantes. No sistema de saúde privado é de 89,1. Tudo bem, SUS é coisa de pobre, quem tem plano privado deve ter melhor atendimento. A porca torce o rabo quando se vê que a taxa brasileira só perde para a da medicina americana (97,7). Nos Estados Unidos os custos hospitalares são um dos principais itens da agenda nacional. No Brasil os burocratas fazem de conta que esse problema não existe. As ressonâncias estão na faixa dos exames caros e lucrativos do sistema.

A taxa de exames de ressonância do sistema privado brasileiro bate as dos 36 países membros da OCDE (46,3), do Canadá (46,7) e da Austrália (23,9).

Alguns fornecedores de aparelhos de ressonância vendem suas máquinas oferecendo aos hospitais plantéis de pacientes obtidos com operadoras que se comprometem a remetê-los para lá quando o médico credenciado achar necessário. Nisso não há só desperdício, há também roubalheiras.

Desse jeito, um dia os hospitais farão exames de ressonância nos familiares dos pacientes.

Vacina contra a dengue pode ser adaptada para o Zika, afirma diretor do Butantan, Agência Fapesp


02 de fevereiro de 2016

Karina Toledo  |  Agência FAPESP – A tecnologia desenvolvida na formulação da vacina brasileira contra a dengue – que contou comapoio da FAPESP e já entrou na fase final de ensaio clínico – pode ser adaptada para criar um imunizante contra o vírus Zika, afirmou o diretor do Instituto Butantan, Jorge Kalil, em entrevista concedida àAgência FAPESP.
Segundo ele, uma das possibilidades seria inserir no vírus vacinal da dengue um gene codificador de uma proteína-chave do vírus Zika. Outra ideia seria criar um vírus Zika atenuado, usando método semelhante ao empregado no desenvolvimento da vacina da dengue.
O Instituto Butantan, que integra a recém-criada Rede Zika (força-tarefa apoiada pela FAPESP e formada por cerca de 40 laboratórios), também já deu início a pesquisas voltadas ao desenvolvimento de um soro que poderia ser aplicado em gestantes infectadas para combater o vírus Zika circulante no organismo antes que ele cause danos ao feto.
Ainda durante a entrevista, Kalil falou sobre os preparativos necessários para o início da imunização dos voluntários participantes da terceira etapa de ensaios clínicos da vacina tetravalente contra a dengue, prevista para começar este mês.
“Estamos vivendo uma crise aguda de Zika, mas não podemos minimizar a dengue. É uma doença que persiste, ainda mata no país e deve vir com muita força este ano”, avaliou. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Agência FAPESP – No último mês de dezembro, a Anvisa autorizou o início da terceira fase de ensaios clínicos da vacina contra a dengue. O que foi feito desde então? 
Jorge Kalil – Desde que recebemos o aval da Anvisa, em 11 de dezembro de 2015, demos início às tratativas finais necessárias antes da imunização dos voluntários, que deve começar este mês. Precisamos, por exemplo, fazer novas preparações vacinais, pois as amostras que tínhamos prontas estavam perto do término da validade. Já preparamos um lote do imunizante de acordo com as novas normas deliberadas pela Anvisa para a produção de amostras usadas em ensaios clínicos. Para isso foram necessárias algumas alterações na área de produção. Também contratamos um seguro para todos os participantes e uma empresa do tipo CRO (do inglês, Clinical Research Organization) de atuação internacional para fazer o gerenciamento do estudo.
Agência FAPESP – Qual será o papel dessa empresa? 
Kalil – Os ensaios clínicos são, de maneira geral, muito complexos e envolvem muitas pessoas. Essas CROs auxiliam no treinamento das pessoas dos centros participantes, acompanham o processo para garantir que os pesquisadores atuem de acordo com o procedimento descrito e avaliam a qualidade dos dados recolhidos. Isso não pode ser feito pelo próprio Instituto Butantan, que é parte interessada e funciona como um patrocinador da pesquisa. E, como desejamos obter um registro internacional da vacina, contratamos uma CRO de atuação internacional. Os 14 centros participantes terão um pesquisador principal, sem nenhuma relação com o Instituto Butantan.
Agência FAPESP – Quando exatamente terá início a imunização dos voluntários e como será o processo? 
Kalil – A data exata será anunciada pelo governador Geraldo Alckmin em breve. As primeiras imunizações serão feitas em São Paulo, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e, depois, nos outros 13 centros. Serão vacinados 17 mil voluntários, que serão acompanhados por até cinco anos. Mas antes disso, possivelmente dentro de um ano, já devemos ter a resposta principal: se a vacina protege ou não contra a dengue. Esse tempo vai depender da incidência da doença nos diferentes locais onde será feito o estudo nos próximos meses e também de nossa capacidade de imunização dos voluntários.
Agência FAPESP – A disseminação do vírus Zika pelo país pode atrapalhar de alguma forma o ensaio clínico? 
Kalil – Nossa principal preocupação deverá ser capacitar os centros para fazer o diagnóstico com precisão, distinguindo os casos de Zika e dengue. Fora isso, não vejo problema.
Agência FAPESP – Pode haver interação do vírus da dengue atenuado usado na vacina com o vírus Zika que circula pelo país? 
Kalil – Ainda não há dados sobre isso, mas é um fator que sem dúvida vamos observar durante a pesquisa.
Agência FAPESP – É possível adaptar a vacina desenvolvida contra a dengue para que ela imunize contra o vírus Zika ? 
Kalil – Uma das ideias é utilizar o mesmo arcabouço viral da vacina contra a dengue, que é o próprio vírus da dengue atenuado, e inserir o gene que codifica uma proteína do envelope viral do Zika (bicamada lipídica que fica na parte mais externa do vírus). Já se sabe que os anticorpos que protegem contra essas doenças virais – os chamados anticorpos neutralizantes – são dirigidos contra proteínas do envelope viral. Outra possibilidade seria criar uma vacina usando o próprio vírus Zika atenuado por um método parecido com o empregado para criar a vacina contra a dengue. Vamos testar diferentes possibilidades.
Agência FAPESP – Nesse caso, os testes com a nova vacina teriam de começar desde a fase pré-clínica ou poderiam andar mais rápido? 
Kalil – Tem de começar tudo de novo, mas talvez o processo ande um pouco mais rápido, pois seria muito semelhante ao que foi feito e já mostramos que o método é seguro. Diante da pressa, teríamos de conversar com as autoridades sanitárias.
Agência FAPESP – O Butantan também trabalha em um soro contra o vírus Zika? 
Kalil – Sim. Já estamos cultivando o vírus em células in vitro. A ideia é isolar antígenos específicos para imunizar cavalos. Então temos de observar se o animal produz quantidades significativas de anticorpos neutralizantes, isolar e purificar essas imunoglobulinas em nossa fábrica – algo semelhante ao que fazemos para produzir soros contra toxinas e venenos. Depois é necessário obter fragmentos dessa imunoglobulina de cavalos que funcionem como anticorpos neutralizantes e possam ser injetados na mulher para combater o vírus. Já começamos a imunizar camundongos e já estamos desenvolvendo testes para avaliar se o anticorpo produzido é do tipo neutralizante. As primeiras etapas estão em andamento.


Agência FAPESP – O avanço dos casos de microcefalia possivelmente ligados ao vírus Zika foi considerado uma emergência internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso deve contribuir para acelerar o andamento dessas pesquisas? 
Kalil – Sem dúvida. Isso chama maior atenção para o tema, promove maior colaboração entre os cientistas e, sobretudo, maior alocação de recursos para as pesquisas. O caso do ebola é um exemplo. Por ter sido considerado uma emergência, as pesquisas avançaram no sistema fast track, que permite avaliar e aprovar os resultados com maior rapidez. Isso também depende das agências reguladoras locais, que deverão acompanhar a decisão da OMS.