domingo, 27 de setembro de 2015

A Petrobras é do povo? - SACHA CALMON


CORREIO BRAZILIENSE - 27/09

A Petrobras é uma sociedade anônima? Nós somos donos dela? A Petrobras é dos acionistas nacionais e estrangeiros, de resto prejudicados pelo acionista majoritário, que detém o controle da estatal, ou seja, o governo de plantão, em nome do Brasil (uma burla). O acionista majoritário nos governos de Lula e Dilma saqueou a empresa. Nomearam presidentes, diretores e conselheiros ladravazes, que extorquiram empreiteiras e furtaram bilhões em superfaturamentos, comissões e negócios ruinosos para ajudar o PT, o PP e o PMDB. Está aí a Operação Lava-Jato a desvelar o maior escândalo de corrupção do mundo.

Afora isso, o acionista majoritário, sob Dilma, segurou o preço dos combustíveis por anos, dando cerca de R$ 90 bilhões de prejuízo (comprava por mais e vendia por menos) ao argumento de segurar a inflação. Erro total, pois, ao liberar os preços, o pique da inflação acabou por arruinar o país com virulento surto inflacionário. O mesmo ocorreu na Eletrobras. Agora, vejam quem mama nas tetas da Petrobras do povo. Em reportagem investigativa, André Ramalho e Cláudia Schiffner penetraram nos intestinos oleosos da Petrobras. A petrolífera tem 80 mil funcionários próprios, incluindo as áreas administrativa e operacional e subsidiárias e atividades no exterior.

A remuneração mensal média na estatal é de R$ 15 mil, segundo dados do relatório de sustentabilidade da empresa. Já os benefícios e gastos com aposentadoria e planos de saúde e pensão representam 32% das despesas com pessoal. "A lista de vantagens aos funcionários da empresa é ampla: inclui auxílio-creche e auxílio-ensino (que prevê ajuda de custos de 70% a 90% das despesas com pré-escola ao ensino médio dos filhos dos empregados); auxílio de 60% das despesas com ensino universitário dos filhos dos funcionários; custeio de 90% dos gastos com educação básica de empregados que desejem complementar seus estudos; programa de Assistência Médica Suplementar (a Petrobras cobre até 70% dos gastos dos empregados com saúde); benefício-farmácia (o beneficiário paga mensalmente de R$ 2,36 a R$ 14,17, em troca do custeio integral de medicamentos) e auxílio Cuidador da Pessoa Idosa (para beneficiários com mais de 60 anos e com capacidade funcional comprometida, no valor máximo de um salário mínimo).

A empresa cobre ainda glicofitas (segundo a qual a companhia concede até 100 glicofitas por mês para pacientes diabéticos); auxílio-almoço (superior a R$ 760); gratificação de Campo Terrestre de Produção (R$ 900), para os empregados administrativos que atuam em áreas remotas de exploração. No ano passado, foram concedidos R$ 1,2 bilhão em benefícios a trabalhadores, além dos custeios de R$ 3 bilhões com planos de saúde e R$ 3,2 bilhões com aposentadoria e planos de pensão. Despesas com pessoal são uma das principais fontes de gastos da estatal, ao lado de gastos com matéria-prima, bens e serviços e pagamento de participações governamentais.

Não obstante, os empregados, quase todos filiados à CUT e ao PT, não estão satisfeitos. Entraram em greve. O número de plataformas que aderiram à paralisação é maior do que a última greve, em 24 de julho, quando cerca de 25 unidades confirmaram apoio ao protesto do sindicato. A pauta dos petroleiros, entre outros pontos, pede o fim do programa de venda de ativos da companhia, sobretudo a preservação da BR Distribuidora e da Transpetro, além da manutenção dos investimentos da estatal e recuperação do efetivo da companhia, após as perdas com a implementação do programa de incentivo ao desligamento voluntário. Bendine, presidente da Petrobras, vem do Banco do Brasil, nunca trabalhou na iniciativa privada. Fazer acordo está sendo cogitado, se é que já não foi feito.

Que falta nos faz uma Margaret Thatcher. A privatização da Petrobras é imperativa. O Estado deve ter voz, voto e veto (golden share) no conselho, mas não influir nada na sua gestão. Mas o ideal mesmo seria a privatização de todas as estatais em quaisquer setores e o fortalecimento das empresas privadas de acordo com o art. 170 da Constituição da República, solenemente ignorado pelos políticos. O art. 170 é principio lógico, deve ser seguido. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; (...) VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; (...) X - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.

*Advogado, coordenador da especialização em direito tributário das Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e da UFRJ

sábado, 26 de setembro de 2015

Relatos selvagens das praias cariocas, Xico Sá

Homem imobiliza suspeito de assalto em praia do Rio, no dia 20 de setembro, mas banhistas reagem. / MARCELO CARNAVAL (AG. O GLOBO)
Tem morador da cidade do Rio de Janeiro, ainda sob o pânico dos arrastões, torcendo para que não dê praia neste final de semana... No que me faz lembrar, por associação automática, no título do best-seller O Sol é para todos, de Harper Lee, sobre injustiça, racismo, separatismo etc.
Não adianta tapar o sol com a peneira, o sol por testemunha, o sol também se levanta... Sigo viajando nos títulos dos livros que tentam explicar o mundo e as particularidades.
Donde o cobrador, no sentido do conto homônimo de Rubem Fonseca publicado em 1979, é um sujeito que toca o terror na cidade do Rio de Janeiro com a cólera de quem busca tudo que lhe devem na vida. Não cobra no varejo; sim pelo conjunto da obra. Ele parece cobrar, além muito além de grana e quinquilharias consumistas, atenção, afeto, amor, sexo...
Ele, o bruto, cobra que lhe arranque um dos últimos dentes da boca, cobra caro a ira que tem da madame da zona sul, ele não suporta o playboy que sai para jogar tênis todo de branco, ele dá porrada em um mendigo cego cujo tilintar das moedas na cuia de alumínio o faz perder a paciência...
“Não sou homem porra nenhuma, digo suavemente, sou o Cobrador.” Ele explode diante de um executivo que, para aliviar a barra pesada, apela para um sentimento humano tipo “homem que é homem...”
Assim, ele descreve este mesmo devedor da sociedade: “(...) deslumbrado de coluna social, comprista, eleitor da Arena, católico, cursilhista, patriota, mordomista e bocalivrista, os filhos estudando na PUC, a mulher transando decoração de interiores e sócia de butique.”
E segue com uma vida a cobrar, nesta obra-prima que antecipa, em crueldade, o recente filme argentino Relatos Selvagens: “Tão me devendo colégio, namorada, aparelho de som, respeito, sanduíche de mortadela no botequim da rua Vieira Fazenda, sorvete, bola de futebol”, enumera o homem revoltado. “Eu não pago mais nada, cansei de pagar!, gritei para ele, agora eu só cobro!”
Papai Noel que se cuide no Natal. O cobrador jura que irá acertar as contas. O bom velhinho é um dos seus maiores devedores.
“A rua cheia de gente. Digo, dentro da minha cabeça, e às vezes para fora, está todo mundo me devendo! Estão me devendo comida, buceta, cobertor, sapato, casa, automóvel, relógio, dentes, estão me devendo.”

Feios, sujos e malvados

O eterno retorno dos arrastões nas praias cariocas me fez lembrar uma multiplicação, em versão infanto-juvenil, dos cobradores de Rubem Fonseca. Como os gremlins do cinema americano, eles se multiplicaram nas areias e calçadas de Ipanema e Copacabana. Cesse tudo que a Bossa Nova canta, o barquinho vira, o pancadão do funk se alevanta.
Os novos cobradores não pouparam ninguém do alvoroço. Nem moradores de rua e muitos menos os passageiros de morros e arrabaldes que chegaram às praias nos mesmos ônibus. Não é umacobrança obrigatoriamente de classe. É um redemoinho dos “feios, sujos e malvados” –vide o filme italiano de Ettore Scola, da mesma época de O cobrador brasileiro– que assusta os moradores da zona sul pelo menos há três décadas.
Os cobradores, personagens literários ou não, sabem que ninguém baterá nem uma lata por eles em uma geografia carioca altamente paneleira
Repare na reportagem que publicava no dia 04 /11/1984, noJornal do Brasil, o cronista Joaquim Ferreira dos Santos:
“Ipanema, essa senhora cada vez mais gorda e poluída, reclama de novas estrias e dentes cariados em seu corpanzil: agora é culpa dos ônibus Padron, a linha 461 que, há um mês, traz suburbanos para seu "paraíso", numa viagem de apenas 20 minutos, via Rebouças. É o que dizem seus moradores, inconformados. Ouçam só: ´Que gente feia, hein?!´ (Ronald Mocdes, artista plástico, morador da Garcia D'Ávila, bem em frente ao ponto do ônibus).”
Os novos cobradores apresentam mais uma vez uma velha dívida. Não que haja assim um movimento organizado como os crimes da política oficial. Tampouco uma chantagem de peemedebistas loucos para vampirizar o Ministério da Saúde e o país, sob o olhar complacente de uma presidenta que sangra em público –como prometeram os caciques do PSDB.

O sequestro da Primavera

Os moleques, entre um jacaré e outro nas ondas do Arpoador, arrepiam com o sol por testemunha. No derradeiro final de semana conseguiram sequestrar a Primavera e fazer o Rio saltar direto para o veraneio dos Trópicos.
Eles cobram com paus e pedras. Em alguns momentos parecem se divertir, perversamente, com o pânico no balneário; há também um quê de aventura e adrenalina nas galeras, como no sujeito solitário de Rubem Fonseca –pelo menos até encontrar a Ana, amante e cúmplice.
Estão devendo tudo à esta molecada, inclusive explicações sobre as mortes de meninos como eles, abatidos pela polícia como bichos. A última vítima foi enterrada nesta quinta, 24 de setembro, sob protesto no Cemitério do Caju: Herinaldo Vinícius de Santana, 11 anos, assassinado com um tiro na cabeça na zona norte do Rio. Aqui se deve, aqui não se paga a esse tipo de gente. Os cobradores, personagens literários ou não, sabem que ninguém baterá nem uma lata por eles em uma geografia carioca altamente paneleira.
São os estranhos e proibidões no paraíso.
Tem uma turma aqui na vizinhança da minha casa, ai de tiCopacabana, torcendo para que não dê praia neste final de semana. Tem outro grupo, conforme se vê nas redes sociais e no zunzunzumdo bairro, se preparando para reagir aos “invasores bárbaros”, como já ocorreu em algumas ocasiões.
Resta samplear, ingenuamente, o compositor Nelson Cavaquinho: “É o juízo final/ A história do bem e do mal/Quero ter olhos pra ver/ A maldade desaparecer... // O sol (...)”
Xico Sá, escritor, é comentarista do programa Papo de Segunda (GNT) e autor do romance Big Jato (ed. Companhia das Letras), entre outros livros.

IMPEACHMENT SEM FATOS AGRIDE A SOBERANIA POPULAR, Por Paulo Teixeira

Não vai ter golpe
Querida amiga, querido amigo:

     Conceitos jurídicos muitas vezes são fluidos, indeterminados, gerando, portanto, certa margem de discricionariedade para quem os interpreta. Essa órbita discricionária, porém, não pode em qualquer hipótese traduzir uma espécie de “aleluia jurídico”, permitindo ao exegeta extrair desses conceitos o que bem lhes aprouver, acomodando-os às demandas do momento. Zonas de certeza, positiva ou negativa, são sempre limites interpretativos que não podem ser rompidos.
     Um desses conceitos fluidos é o de “crime de responsabilidade”, acomodado nos artigos 52 e 85 da Constituição Federal como fato gerador do impeachment de autoridades, dentre as quais o Presidente ou a Presidenta da República.
     O impeachment nasceu na Inglaterra, consubstanciando, à época, em um processo parlamentar voltado à responsabilização política e criminal de altas autoridades públicas. Ao longo dos anos, contudo, dentro dos padrões próprios de uma ordem jurídica estribada no direito costumeiro, foi substituído pela moção de desconfiança e caiu em desuso. Ressurgiu nos Estados Unidos da América, com o advento da Constituição de 1787, a qual, contudo, separou a responsabilidade política da criminal: esta a cargo de processos judiciais, aquela a cargo de processos parlamentares.
     O Brasil, como se vê, é herdeiro dessa tradição. Assim, um intérprete afoito e pouco afeito às práticas democráticas iniciadas com o Estado de Direito criado pela Constituição de 1988 poderia sacar a conclusão: se o processo é parlamentar, não há limites, não há regras, não existem condições. Nada mais enganoso.
     Conceitos fluidos não atribuem àqueles que o operam poder nenhum que se sobreponha à Constituição. E esta, ao abordar crimes de responsabilidade, desfiou um rol de hipóteses motivadoras, as quais, por sua vez, só podem ser consideradas à luz das demais cláusulas constitucionais, como, entre outras, o devido processo legal.
     Explica-se. Os que cogitam a possibilidade de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff o fazem amparados nas causas constantes dos incisos V, VI e VII, do art. 85 da Constituição Federal, a saber:
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
     Os conceitos incorporados pelas cláusulas constitucionais em apreço já não são tão vagos assim, ou seja, possuem uma carga semântica que lhes denota claramente o conteúdo. Probidade administrativa, a primeira delas, só pode significar a violação a um dos dispositivos da lei 8.429/92, que trata das “sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências”. Ora, a Presidenta da República não foi, nem está sendo, sequer investigada pela prática de atos da espécie. Em outras palavras, não há, para o Direito, nem cogitação dessa possibilidade.
     A hipótese do precitado inciso VI, da lei orçamentária, diz respeito às contas públicas, sendo certo que o art. 70 da Constituição prescreve que “a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional”, com auxílio do Tribunal de Contas. É bem de se ver: o Congresso Nacional não julgou as contas da Presidenta da República, em nenhum de seus exercícios, tornando, ainda uma vez, incogitável a possibilidade de impeachment com arrimo em tal previsão. Ademais, o sistema de controle de contas é amplo, contemplando diferentes possibilidades, como a sustação de contratos e a imputação de débitos, entre outras. Só uma coleção de condenações dessa natureza poderia render possibilidade de uma medida excepcional como o impeachment. É bom lembrar, a Presidenta Dilma Rousseff não foi condenada ou processada uma vez sequer.
     A derradeira hipótese, de cumprimento das leis e decisões judiciais, abriga duas possibilidades. A primeira, de cumprimento das leis, que, à evidência, suporia, no mínimo, um processo judicial transitado em julgado em que se apontasse uma conduta presidencial eivada de ilegalidade. Esse processo não existe. A segunda, de cumprimento das decisões judiciais, pressuporia a condenação por um crime de desobediência a uma ordem judicial. Isso tampouco existe ou existiu.
     O mandato político decorre de uma investidura popular, abrigada sob os influxos da previsão do parágrafo único do art. 1º da nossa Constituição, segundo o qual “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
     O impeachment tem, assim, caráter excepcionalíssimo, fazendo com que suas causas motivadoras devam sempre ser interpretadas restritivamente. Buscar o impeachment sem que haja fatos — não os produzidos midiaticamente, mas os demonstrados judicialmente — implica agressão grotesca ao princípio fundante do Estado de Direito, o da soberania popular.

Paulo Teixeira