domingo, 19 de abril de 2015

Os pobres abandonaram o PT? - SUELY CALDAS


O ESTADO DE S.PAULO - 19/04

A popularidade de Dilma Rousseff despenca e 55% dos nordestinos, que a ela deram o grande troféu da vitória em outubro, hoje consideram seu governo ruim ou péssimo e só 16% o aprovam. Os eleitores de baixa renda que a ela confiaram seu voto e esperanças hoje desconfiam e mais de 50% reprovam seu governo. Afinal, Dilma e o PT foram abandonados pelos pobres?

Quase não foi notada a presença deles nas multidões que foram às ruas protestar contra Dilma. Onde estavam? "O povão povão, quando se manifesta, em geral é sob formas menos pacíficas: invasões, saques, quebradeiras", explicou o historiador José Murilo de Carvalho, em entrevista ao Estado. A história tem mostrado isso. Os protestos de rua contra o ex-presidente Collor também foram liderados pela classe média, principalmente os estudantes caras-pintadas. Nem por isso os pobres deixaram de apoiar o impeachment, o fora Collor. O que surpreende, agora, é a repentina e meteórica perda de apoio aos governos do PT da parcela da população em que eles mais investiram politicamente e tentaram favorecer nos últimos 12 anos.

A perda de apoio foi tão repentina quanto a esperança em relação ao futuro foi se esvaindo. É verdade que nos últimos 12 anos a miséria diminuiu, a pobreza reduziu, os pobres passaram a consumir, a comprar geladeira e TV novas e até aquele carrinho usado para os passeios de domingo. Mas manter e melhorar essa nova vida, sem recuos e sem retroceder ao passado, exigiram de Lula, de Dilma e do PT o que eles não fizeram pois não souberam fazer: pensar, organizar, planejar e pavimentar o crescimento seguro e contínuo da economia. Construir progresso, sem ter de depender da sorte (Lula no primeiro mandato) ou de ações de fôlego curto (as desonerações tributárias).

Nos primeiros anos de Lula, com Antonio Palocci na Fazenda, mal ou bem havia uma agenda dirigida ao crescimento, mas ela se desfez - antes mesmo da queda do ministro, que ocorreria meses depois - no momento em que ele perdeu a disputa pelo comando da economia para a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

A partir daí o governo do PT abandonou as reformas, os planos para perseguir o crescimento e passou a viver um dia a dia medíocre, ajustando aqui e ali para ganhar popularidade fácil, agindo no ritmo do aqui e agora, vencer eleições, manter-se no poder - e nada de projeto para o futuro. A estratégia passou a ser gastar dinheiro. O gasto público explodiu, as pedaladas fiscais (tipificadas como crime pelo TCU) proliferaram, os truques e alquimias derrubaram a confiança ao chão, os investimentos pararam, a indústria definhou e as contas públicas foram pelos ares.

Diante deste quadro, não demoraram a surgir sinais de perda das conquistas sociais. Em 2014 o Ipea pesquisou e descobriu que a miséria voltara a crescer desde 2013. Mas havia uma eleição presidencial à frente, era fundamental esconder os números, só divulgá-los após o pleito. Na campanha, eleitores pobres foram iludidos com cenas na TV de um país próspero, saudável. E mais promessas que implicavam mais gastos, com um caixa já zerado e um déficit gigante a ser enfrentado.

A vitória de Dilma foi apertada porque a classe média já via um segundo mandato insustentável e votou contra o PT. Fechadas as urnas, a população pobre saiu das cenas de fantasia da campanha e caiu na real: voltou o desemprego; a tarifa de energia elétrica e a inflação em alta puniram a renda de quem não tem; o desemprego reapareceu; a corrupção na Petrobrás e fora dela levou à paralisação de várias obras públicas e desempregou milhares de trabalhadores; a recessão voltou a assombrar e o governo confessa esperar uma retração econômica de 0,9% este ano. É óbvio, as consequências mais cruéis dessa explosiva combinação - recessão e inflação alta - recaem sobre os mais pobres, a parcela da população mais vulnerável e indefesa. Até agora eles estão ausentes das ruas, mas já começaram a viver o inferno que lhes foi ocultado nas eleições. Não foram eles que abandonaram Lula, Dilma e o PT. Foram eles os abandonados.

O Brasil em um atoleiro The economist via OESP

Na edição de 26 de fevereiro de 2015 da 'Economist' para a América Latina, o 'Brasil está no atoleiro'
Na edição de 26 de fevereiro de 2015 da 'Economist' para a América Latina, o 'Brasil está no atoleiro'
Em sua campanha pela reeleição como presidente do Brasil, no ano passado, Dilma Rousseff pintou um quadro auspicioso da sétima maior economia do mundo. O pleno emprego, salários em alta e benefícios sociais eram ameaçados somente pelos perversos planos neoliberais dos seus oponentes. Dois meses depois de ela iniciar seu novo mandato, os brasileiros descobrem que foram logrados com falsas perspectivas.
A economia do Brasil está um caos, com problemas muito mais importantes do que o governo admite ou os investidores parecem registrar. A letárgica estagnação na qual o País mergulhou em 2013 vem se transformando numa recessão em grande escala e provavelmente prolongada. Os investimentos, com uma queda de 8% em relação ao ano passado, ainda poderão cair muito mais. O enorme escândalo de corrupção na Petrobrás, a gigante estatal do petróleo, envolveu várias das maiores construtoras do País e paralisou os gastos de capital em algumas áreas da economia, pelo menos até que os promotores e auditores concluam seus trabalhos. O real já perdeu 30% do seu valor em relação ao dólar desde maio de 2013, uma desvalorização necessária, mas que vai se somar à pesada carga dos US$ 40 bilhões de dívida externa de empresas brasileiras cujos prazos para resgate vencem este ano.
Escapar deste lodaçal será difícil mesmo com uma liderança política forte. Dilma Rousseff, contudo, é fraca. Ela venceu a eleição por uma margem muito estreita. Sua base política está desmoronando. De acordo com o Datafolha, seus índices de aprovação caíram de 42% em dezembro para 23% este mês. Dilma também é prejudicada pela deterioração da economia e pelo escândalo da Petrobrás, ligada a propinas de pelo menos US$ 1 bilhão pagas a políticos do Partido dos Trabalhadores e membros da sua coalizão. Durante grande parte do período a que se refere esse escândalo, Dilma Rousseff presidiu o conselho de administração da Petrobrás. Para o Brasil conseguir recuperar alguns benefícios no seu segundo mandato, Dilma precisará encaminhar o País numa direção inteiramente nova.
Levy virá em socorro?
Em grande parte, os problemas do Brasil foram provocados pelo próprio País. No seu primeiro mandato, Dilma Rousseff adotou um capitalismo estatal tropical que envolveu frouxidão fiscal, contas públicas opacas, uma política industrial que debilitou a competitividade e intromissão presidencial na política monetária. No ano passado sua campanha pela reeleição viu dobrar o déficit fiscal para 6,75% do Produto Interno Bruto (PIB).
Dilma pelo menos reconheceu que o Brasil necessita de políticas mais favoráveis às empresas se o objetivo é manter o grau de investimento e o País voltar a crescer. Essa percepção é personificada pelo novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, economista formado em Chicago e banqueiro, além de um dos raros economistas liberais do País. Mas como no passado o Brasil não tentou resolver prontamente as distorções macroeconômicas, Levy está às voltas com a armadilha da recessão.
Para estabilizar a dívida pública bruta, ele prometeu um colossal aperto fiscal de quase 2 pontos porcentuais do PIB este ano, com abolição dos subsídios para eletricidade e o restabelecimento do imposto sobre o combustível. Ambas as medidas ajudaram a empurrar a inflação para 7,4%. Ele também pretende reduzir os empréstimos subsidiados por bancos públicos para beneficiar setores e empresas.
Teoricamente, o Brasil compensaria este aperto fiscal com uma política monetária mais frouxa. Mas, diante do histórico passado de hiperinflação do País, como também de erros mais recentes - o Banco Central cedeu ao desejo da presidente, ignorou sua meta de inflação e tolamente reduziu a taxa referencial em 2011/12 -, o espaço de manobra hoje é limitado. Com a inflação acima da meta, o Banco Central não pode reduzir sua taxa básica em relação ao seu nível atual de 12,25% sem correr o risco de nova perda de credibilidade e de corroer a confiança do investidor. Um aperto fiscal e taxas de juros altas significam mais sofrimento para famílias e empresas brasileiras e um retorno mais lento ao crescimento. 
O que torna o ajuste perigoso é a fragilidade política da própria presidente Dilma. Oficialmente, ela conquistou uma maioria legislativa confortável, embora reduzida, na eleição de outubro. Mas o PT já vem protestando contra as medidas fiscais de Levy - em parte porque a campanha não estabeleceu as bases para elas. Dilma Rousseff sofreu uma derrota esmagadora em 1.º de fevereiro na eleição para o cargo politicamente poderoso de presidente da Câmara dos Deputados. Eduardo Cunha, que venceu o candidato do PT, seguirá a sua própria agenda, e não a dela. O Brasil poderá entrar num período de governo quase parlamentar, e esta não será a primeira vez.
O País enfrenta assim seu maior teste desde os anos 90. Os riscos são claros. Recessão e receitas fiscais em queda podem debilitar o ajuste preconizado por Levy. Qualquer recuo poderá levar a uma corrida ao real e um rebaixamento da nota de crédito do País, elevando os custos de financiamento para governo e empresas. E se as manifestações em massa de 2013 contra a corrupção e os medíocres serviços públicos se repetirem, Dilma pode estar condenada.
O BRASIL NA CAPA DA REVISTA 'THE ECONOMIST'
Reprodução
Na edição de 26 de fevereiro de 2015 da 'Economist' para a América Latina, o 'Brasil está no atoleiro'
Fazer da fragilidade oportunidade
Mas a fragilidade da presidente também é uma oportunidade - para Levy em particular. Ele agora é indispensável. Pode estabelecer uma ponte para Cunha, deixando claro que, se o Congresso tentar cobrar um preço no Orçamento para dar seu apoio, isso acarretará cortes de todas as áreas. A recuperação da responsabilidade fiscal precisa ser duradoura para obter a confiança das empresas e um retorno dos investimentos. Quanto mais cedo o ajuste fiscal se impuser, mais cedo o Banco Central poderá começar a reduzir as taxas de juros.
Mas é necessário mais para o Brasil voltar a registrar um crescimento rápido e sustentável. Pode ser demais esperar que Dilma Rousseff ordene uma revisão das arcaicas leis trabalhistas que ajudaram a estrangular a produtividade, mas ela deveria pelo menos tentar simplificar os impostos e reduzir a burocracia estúpida. Há sinais tímidos de que o governo vai rever sua política industrial e deve estimular mais o comércio internacional, numa economia que ainda é superprotegida.
O Brasil não é o único membro dos Brics, grupo das grandes economias emergentes, a se ver em apuros. A economia da Rússia, em particular, tem sido golpeada por guerras, sanções e dependência do petróleo. Apesar de todos os seus problemas, o Brasil não está numa enrascada tão grande como a Rússia. O País tem um setor privado diversificado e instituições democráticas robustas. Mas seus problemas são mais profundos do que muita gente se dá conta. O momento de solucioná-los é agora. 
THE ECONOMIST, TRADUZIDO POR TEREZINHA MARTINO, PUBLICADO SOB LICENÇA. O ARTIGO ORIGINAL,EM INGLÊS, PODE SER ENCONTRADO EM WWW.THEECONOMIST.COM

sábado, 18 de abril de 2015

STF: Universidades Federais não precisam mais realizar concurso público para contratação de professores

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Atualizado em 17.04.2015, às 18h38
Não passou nas TVs e rádios, pouco realçado nos jornais e internet. Mas nessa quinta-feira (16) o Supremo Tribunal Federal decidiu o futuro do Direito Administrativo e da Administração Pública brasileira.
O STF decidiu que a Administração Pública pode repassar a gestão de escolas públicas, universidades estatais, hospitais, unidades de saúde, museus, entre outras autarquias, fundações e empresas estatais que prestam serviços públicos sociais para entidades privadas sem fins lucrativos como associações e fundações privadas qualificadas como organizações sociais.
Foi na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.923, proposta pelo PT e pelo PDT contra a Lei 9.637/98, sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
O STF decidiu pela constitucionalidade de quase toda a lei. Nesse sentido votaram os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, nos termos da Advocacia-Geral da União. Marco Aurélio Mello e Rosa Weber votaram contra a privatização dos serviços públicos sociais, conforme o Ministério Público Federal. O Relator Carlos Ayres Britto, quando era Ministro, havia votado contra a privatização, permitindo apenas as OS para fins de fomento por meio de convênios. Luís Roberto Barroso, por ter substituído Ayres Britto, e Dias Toffoli, por ter agido no processo como AGU, não votaram. Assim como Luiz Edson Fachin, que já foi escolhido por Dilma Rousseff (PT) mas ainda não foi sabatinado pelo Senado e nem empossado.
Com isso, por exemplo, uma Universidade Federal não precisa mais realizar concurso público para a contratação de professores.
Os Hospitais de Clínicas ligados às universidade federais não precisam mais repassar a gestão para a empresa pública EBSERH – Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares.
Basta privatizar e repassar a gestão de suas unidades para ONGs, por meio de contratos de gestão, sem a realização de licitação.
E as entidades não farão licitação, não realizarão concurso público para suas contratações.
O STF decidiu no sentido de julgar parcialmente procedente o pedido, apenas para conferir interpretação conforme à Constituição à Lei nº 9.637/98 e ao art. 24, XXIV da Lei nº 8666/93 (incluído pela Lei nº 9.648/98), para que tanto o procedimento de qualificação; a celebração do contrato de gestão; a dispensa de licitação para contratações das OSs que celebraram contratos de gestão; a outorga de permissão de uso de bem público para as OSs; os contratos a serem celebrados pela OS com terceiros, com recursos públicos; e a seleção de pessoal pelas OSs seja conduzidos de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência; e afastar qualquer interpretação que restrinja o controle, pelo Ministério Público e pelo TCU, da aplicação de verbas públicas.
Ou seja, além de poder privatizar toda a gestão de entidades estatais que prestam serviços públicos sociais, isso pode ser feito sem licitação, bastando um procedimento simplificado que garanta os princípios. Infelizmente o STF errou, de novo.
O que cabe fazer é os indignados com esse absurdo entrarem com ações contra cada ato que realizar essas privatizações, ainda com a tentativa de que as OSs sejam utilizadas no caso concreto apenas para fins de fomento do Estado, para que o Poder Público fomente a iniciativa privada sem fins lucrativos, mas sem repasse de gestão de estruturas já existentes.
Em tempo, alguns esclarecimentos sobre o post:
Os servidores públicos e professores estatutários das universidades federais podem ficar tranquilos, seus cargos estão garantidos, mesmo se sua Universidade repassar a gestão dela para uma OS. O problema é que vocês vão ter que conviver com trabalhadores celetistas fazendo as mesmas funções do que vocês.
Aqui deixo claro que o STF entende que as universidades PODEM terceirizar via organizações sociais, mas não que DEVAM, ou que VÃO fazer isso.
Mas antes da decisão do STF já havia proposta de contratar sem concurso público, via OSs, professores estrangeiros e pesquisadores, que seriam celetistas.
Essa prática de burla ao concurso público já existe em vários hospitais e museus estaduais em todo o Brasil, e pode virar prática na educação, com chancela do STF.
No Paraná a APP Sindicato conseguiu excluir a educação na Lei das OS estadual e, por isso, aqui não há esse perigo.
É claro que será essencial que, se quiserem fazer essa barbaridade, que os estudantes, servidores e professores se indignem e pressionem contra, inclusive com ações na Justiça.
Fico a disposição para maiores dúvidas nos comentários.
Tarso Cabral Violin – advogado e professor universitário estudioso sobre as Organizações Sociais, o Direito Administrativo, o Direito do Terceiro Setor e as licitações e contratos administrativos, mestre e doutorando (UFPR), autor do livro Terceiro Setor e as parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica (editora Fórum, com 3ª edição no prelo) e autor do Blog do Tarso.
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