segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Se a tecnologia é um vício, quais são os efeitos colaterais?


Alexandre Matias*
Uma voz monótona repete frases sem emoção: "Viva mais. Conecte-se mais. Viaje mais. Compartilhe mais. Procure mais". Pessoas sorriem em situações cotidianas com seus tablets ou celulares. A iluminação é perfeita, a fotografia é de publicidade. Todos são lindos.

De relance, um outdoor eletrônico transforma empolgação em ameaça - "O futuro que você merece" - e seguem os imperativos: "Consuma mais. Pense mais. Experimente mais. Lembre mais. Veja mais. Compartilhe mais. Aprenda mais. Faça mais. Lute mais. Faça mais. Conecte-se mais". As imagens mudam, os sorrisos tornam-se falsos e celulares filmam cenas violentas - confrontos, espacamentos - vistas por uma criança debaixo de seu cobertor. 

"Deixe de ser você", diz a voz robótica antes de surgir uma avenida tomada por pedestres que filmam, sem reação e com seus celulares, uma enorme nuvem de poeira que vem em sua direção. É inevitável a associação com a mórbida nuvem que tomou as ruas de Nova York depois da queda do WTC.

"O futuro está quebrado." É o trailer da nova temporada de Black Mirror (espelho preto), do jornalista inglês Charlie Brooker, anunciada semana passada. Eu já havia comentado sobre a série em uma Impressão Digital no fim de 2012, mas comentei mais a força de seu título do que seu tema. 

Black Mirror não é um seriado, mas três pequenos filmes exibidos pela Canal 4 da BBC inglesa. Seu autor, Charlie Brooker, é um notável crítico de mídia conhecido por sua abordagem nada sutil e pela franqueza agressiva que usa para expor suas opiniões, uma espécie de Michael Moore menos bonachão. É um inglês cínico cujo sotaque é tão pesado quanto a forma como ele trata os temas que escolhe. Ele explora como burrice, vaidade, ganância e banalidade derretem nossa civilização ao tratar inteligência como excentricidade e aparência como lastro de confiança. 

O que une os três primeiros episódios de Black Mirror, exibidos no fim de 2011, é um dos principais alvos das críticas de Brooker - a tecnologia. Sua abordagem é simples: a tecnologia é a droga mais consumida do mundo hoje e estamos todos viciados nela. Todo o ecossistema criado pela internet e novos aparelhos não apenas nos permite consumir conteúdo em qualquer lugar como também faz com que nossas vidas possam ser transformadas em conteúdo para ser consumido. A partir desta constatação, Brooker quer descobrir quais são os efeitos colaterais desse vício.

Em três episódios, três choques: no primeiro (Hino Nacional) o primeiro-ministro inglês é chantageado para fazer sexo com um porco em cadeia nacional. No segundo (15 Milhões de Méritos), um operário de uma fábrica do futuro - que parece uma academia de ginástica - tenta ajudar uma desconhecida a comprar sua vaga em um programa de reality show. No terceiro (Toda a História de Você), uma tecnologia permite que você grave e reveja as próprias lembranças e isso pode ser catastrófico para as nossas relações. 

Black Mirror ainda é inédita no Brasil e o canal BBC HD, recém-lançado no País, poderia nos presentear com sua exibição (como já fez com a excelente série Sherlock, adaptada pelo bamba Steven Moffat), antes de os três episódios da próxima temporada - que começam a ser filmados no mês que vem e ainda não têm data de exibição - irem ao ar no Reino Unido. 

Do pouco que se sabe dos próximos episódios, num deles o namorado de uma viciada em redes sociais consegue voltar a ter contato com ela depois de sua morte graças à internet; no outro, um personagem de programa infantil concorre a um cargo político e começa a soar menos estúpido que seus concorrentes; e no último, uma mulher acorda numa casa que não conhece para descobrir que as pessoas se tornaram voyeurs sem motivo, filmando os outros o tempo todo e não fazem mais nada.

Não parece tããããão diferente da nossa própria realidade...

* ALEXANDRE MATIAS É DIRETOR DE REDAÇÃO DA REVISTA GALILEU - GALILEU.GLOBO.COM
matias@edglobo.com.br - http://blogs.estadao.com.br/alexandre-matias

Europa alcança Brasil em biocombustível



Até 2022, consumo europeu será até 20% superior ao verificado no Brasil, que já foi o maior mercado consumidor e produtor de etanol

28 de janeiro de 2013 | 2h 07
JAMIL CHADE, CORRESPONDENTE / GENEBRA - O Estado de S.Paulo
Com subsídios de R$ 45 bilhões ao ano, a Europa já se iguala ao Brasil em consumo de biocombustível e, em dois anos, vai superar o País como um dos maiores mercados para as fontes alternativas de energia no mundo. Segundo as estimativas da Comissão Europeia, o setor ainda tem proporcionado o "crescimento mais dinâmico" na agricultura do continente, justamente para fornecer insumos para essa expansão do biocombustível. Mas enfrenta críticas cada vez mais duras por parte de ativistas e ambientalistas.
Há dez anos, os produtores brasileiros - considerados os mais eficientes na produção de etanol - percorriam a Europa tentando incentivar o Velho Continente a adotar os biocombustíveis como uma alternativa ao petróleo. O objetivo era criar um mercado global de commodities e, claro, tornar-se o principal fornecedor do mundo. Naquele momento, o consumo e produção nos países europeus eram praticamente nulos. Hoje, a realidade é bem diferente.
Informe da Comissão Europeia, obtido com exclusividade pelo Estado, mostra a transformação do setor nos últimos dez anos e aponta que, até o fim da década, as taxas de consumo americano e europeu estarão acima da demanda do Brasil.
Os dados mostram que, até o início da década de 2000, o Brasil era o maior mercado consumidor do biocombustível, com 7 milhões de toneladas. A segunda posição era dos Estados Unidos, com consumo de 4 milhões de toneladas. A Europa praticamente não tinha mercado. Em 2003, veio a primeira mudança: os Estados Unidos superaram o Brasil. Desde então, a expansão do consumo americano tem sido bem mais rápida que a do Brasil.
Nos últimos anos, o mercado brasileiro foi fortemente atingido pela política de congelamento do preço da gasolina, que tornou o biocombustível menos atraente nas bombas. O consumo, que em 2010 superou o da gasolina, recuou e o setor entrou numa crise sem precedentes, com recuo dos investimentos.
Sem uma política setorial, o Brasil perdeu espaço como o maior e mais eficiente produtor mundial de biocombustível. Pior: teve de importar etanol americano. Em 2012, o País consumia 14 milhões de toneladas e os Estados Unidos, 28 milhões. Até 2022, a diferença atingirá 31 milhões de toneladas. Os europeus também deverão superar o consumo brasileiro já em 2015. Para 2022, o consumo será até 20% superior ao brasileiro.
Metas. Em 2012, 380 usinas estavam em operação na Europa, boa parte delas recebendo subsídios de cerca de 17 bilhões ao ano (no Brasil não há subsídio). Na avaliação dos europeus, o que está conduzindo a transformação dos biocombustíveis é o fato de que, em 2009, as novas diretrizes energéticas do bloco entraram em vigor e estipularam que, até 2020, 20% da energia terá de vir de fontes renováveis. Como parte dessa meta, governos teriam de estabelecer que o biocombustível deveria representar 5% de seu mix energético para o transporte.
A Comissão Europeia admite que a meta não será atingida. Um dos motivos é a demora para se pôr no mercado o etanol de segunda geração, evitando o uso de produtos agrícolas para sua fabricação. Hoje os produtos de segunda geração correspondem a apenas 0,1% do consumo. Ironicamente, tem sido o fracasso nesse desenvolvimento que tem criado um verdadeiro boom para a agricultura europeia, justamente para fornecer insumos aos biocombustíveis.
A expansão nos últimos anos chegou a fazer a Europa colocar, em setembro, um teto para o uso de alimentos na produção de etanol. Pela nova lei, apenas 5% do combustível de carros virá de alimentos até 2020. A proporção de terras de plantação de beterraba usadas em usinas não poderá passar de 10% do total do produto, o mesmo índice usado como teto para os cereais.
Se, enfim, conseguir pôr de pé uma política de longo prazo para o setor, o Brasil poderá se beneficiar das restrições e exportar o biocombustível como sempre sonhou. Uma das vantagens do País é a grande quantidade de terra agricultável disponível. Outra saída é sair na frente no etanol de segunda geração - algumas empresas já começam a produzir o combustível em escala comercial. Mais uma vez, o Brasil tem a chance de voltar a ter um papel relevante no mercado. Só não pode perder tempo. / COLABOROU RENÉE PEREIRA

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Atração central


CARLOS AUGUSTO CALIL*
Avenida São João: ao fundo, o edifício da Delegacia Fiscal na São Paulo dos anos 1940 - Hildegard Rosenthal/Acervo IMS
Hildegard Rosenthal/Acervo IMS
Avenida São João: ao fundo, o edifício da Delegacia Fiscal na São Paulo dos anos 1940
O centro da cidade é o território comum de todos os paulistanos. Todo cidadão tem duas referências: seu bairro e o centro histórico. Com o abandono do centro, ocorrido a partir do decênio de 1960, seu esvaziamento tornou-se incontornável e não foi totalmente revertido até hoje, apesar dos esforços de sucessivos governos. O centro virou periferia.

No chamado centro velho, o retorno recente de diversas unidades administrativas do poder público, nos planos municipal e estadual, deslocou cerca de 11 mil servidores, estimulando o restabelecimento do comércio e serviços locais. A esse processo podemos chamar de ocupação institucional. Ela, no entanto, não beneficiou nem o centro novo nem a região do Parque Dom Pedro.

As tentativas têm sido feitas sempre com ênfase na recuperação da função econômica, de fato indispensável, em vista da infraestrutura ali instalada. Mas a revalorização do centro não se consumará definitivamente se não levarmos em conta seu aspecto simbólico, portador de valores culturais, associados à identidade de São Paulo.

Nossa sociedade, no processo histórico que tornou obsoleto o centro da cidade, abriu mão de um rico e dinâmico conjunto de espaços públicos e edifícios notáveis, possuidores de características únicas em sua qualidade urbanística e arquitetônica. A redescoberta do centro, a partir do aproveitamento desse enorme potencial adormecido, relança igualmente a própria ideia de espaço público, fragilizada pela proliferação dos shoppings centers, dos condomínios murados, das ruas de acesso restrito e das construções ilhadas de todo tipo.

A demanda por espaços e usos no centro será uma decorrência de sua atratividade cultural, em sentido amplo, de significado e representação. Não basta restabelecer o plano material se não houver estímulo para estar e permanecer no centro.

Está em curso um movimento de reocupação e reapropriação espontânea do centro por segmentos da classe média culta, que procuram apartamentos em edifícios com assinatura, caso do Copan, de Oscar Niemeyer. Escritórios de arquitetura escolheram a Galeria Metrópole, depois de lotar a Rua General Jardim, em torno da praça da Biblioteca Monteiro Lobato. Artistas e intelectuais já moravam nas imediações da Praça Roosevelt, antes mesmo de a Prefeitura iniciar sua reforma. Igual movimento se pode esperar na Praça da República e na Avenida São Luís, desde a abertura da linha 4 do metrô e da revalorização da Biblioteca Mário de Andrade.

Na Avenida São João um investimento privado produziu o retrofit de um edifício histórico na calçada dos Correios. Os apartamentos foram vendidos antes que se anunciasse o investimento público na construção da Praça das Artes. O restaurante Salve Jorge, da Vila Madalena, abriu filial na Praça Antônio Prado e tornou o local um disputado ponto de encontro. A reforma feita pela Prefeitura no Mercado Municipal mudou a função daquele edifício, hoje mais procurado pelo lazer gastronômico que pelas ofertas das bancas de secos e molhados.

A requalificação do centro, e de seu entorno, pelo vetor cultural deve ser incorporada aos projetos de desenvolvimento urbano, passando a ser considerada uma das premissas de intervenção nas novas Operações Urbanas ou nas revisões que se anunciam em diversas áreas simultaneamente:

1ª) Vila Buarque - Praça Roosevelt - Rua Nestor Pestana - Avenida Ipiranga - Praça da República - Avenida São Luís
2ª) Campos Elísios - Avenida Duque de Caxias - Luz - Tiradentes - Bom Retiro
3ª) Anhangabaú - Avenida São João - Largo do Paiçandu
4ª) Mercado Municipal - Parque Dom Pedro - Rua 25 de março - Pátio do Pari.

Em cada uma delas, os valores culturais atraem diferentemente outros atores, segundo vocações específicas, conferindo uma característica especial a cada iniciativa.

Desse modo, a primeira região apresenta a combinação de equipamentos culturais com oferta residencial. Nela se inscrevem a reconstrução do Teatro Cultura Artística e a consolidação da renovada Praça Roosevelt como endereço do teatro paulistano. A Vila Buarque preservou a Faculdade de Filosofia no Centro Maria Antônia e aí promove cursos de extensão universitária e exposições originais de artes visuais. O Sesc Consolação e seu Teatro Anchieta há anos garantem uma sólida programação cultural de referência.

Vizinho do Mackenzie e da FAU Maranhão, o recém-inaugurado Gabinete do Desenho, instalado na restaurada Chácara Lane, introduziu um espaço de repouso e reflexão em meio à agitação estudantil. A sede do IAB na Rua Bento Freitas e os prédios projetados por Oswaldo Bratke na Rua Major Sertório são marcos da modernidade paulistana dos anos 1940 e 1950. O Copan, com seu interior tombado, ficará mais protegido de alterações de seu programa original.

A segunda região será marcada pelo restauro do Palácio dos Campos Elísios, que poderia abrigar com vantagem a coleção de arte do Palácio dos Bandeirantes, numa região que já conta com as estações Júlio Prestes e da Luz, e equipamentos culturais como Sala São Paulo, Pinacoteca do Estado, Estação Pinacoteca, Museu da Língua Portuguesa, Museu de Arte Sacra e Arquivo Histórico Municipal. Outros poderiam vir a adensar a ocupação cultural: o restauro do Teatro Taib, a construção do Memorial da Revolução de 1924 junto ao Quartel da Luz, do Teatro da Dança, do anexo da Pinacoteca.

A terceira região tem como ênfase a requalificação do Anhangabaú e entorno. A implantação da Praça das Artes, além de oferecer condições de trabalho aos artistas e estudantes do Teatro Municipal, restaurou o edifício do Conservatório e ensejará a adaptação do Cine Marrocos para teatro, possibilitando a transformação do Anhangabaú na “Praça da Cidade”. O fato de a Fifa ter escolhido o Anhangabaú para sede de sua Fifa Fan Fest, na Copa de 2014, oferece desde já a oportunidade de concretizar essa vocação. A reabertura da Galeria Formosa, entre a rua de mesmo nome e a Praça Ramos, poderá criar um espaço público generoso e acolhedor, similar à Galeria Prestes Maia.

No Largo do Paiçandu, a reconstrução do Art Palácio como teatro musical vai devolver à cidade seu mais belo palácio art déco, de autoria do arquiteto Rino Levi. Ponto de encontro da comunidade circense, o Paiçandu poderá receber uma Escola de Circo neofuturista, capaz de modificar o panorama atual dessa atividade, inibida pela falta de investimento público. A revitalização do belo edifício de vidro de Roger Szmekhol completará o ressurgimento da praça, decisiva na vida da cidade nos anos 1920.

Seu potencial de renovação foi observado no dinamismo trazido pela Galeria Olido, que hoje acolhe múltiplas atividades (cinema, teatro, música, circo, dança, exposições de cultura urbana), e consagrado pela Galeria do Rock, com sua diversidade cultural e de gênero. O Cine Dom José, na Rua Dom José Gaspar, aguarda apenas uma oportunidade para realizar seu projeto de tornar-se cine-teatro. E o futuro recente reserva uma perspectiva: um novo Sesc no edifício da Mesbla, na Rua 24 de Maio, moldado pela prancheta de Paulo Mendes da Rocha.

O “Cine Paissandu”, apesar de descaracterizado, mantém o imenso painel do hall de entrada como trunfo, enquanto espera por uma nova vocação: repetir o destino do Cine Joia, que ressurgiu como casa de shows musicais? Ou se tornar ateliê coletivo de artistas que já habitam a região?

O Cine Ipiranga, apesar de fechado, mantém preservada sua imponência de palácio do cinema e pode transformar-se no Cinema Municipal, adaptado para receber lançamentos, festivais, mostras e retrospectivas, um original museu do hábito de ir ao cinema. Para complementar essa iniciativa, edifícios mistos de escritórios e moradias, e garagens verticais seriam construídos ou adaptados no entorno.

Por último, a região do Parque Dom Pedro, que já conta com o Catavento (Museu da Ciência) no Palácio das Indústrias, passará a dispor do Museu da História de São Paulo, na Casa das Retortas, e de um conjunto cultural no Quartel do Batalhão de Guardas, bem junto ao Glicério. A área antes ocupada pelos edifícios São Vito e Mercúrio receberá dois equipamentos, um do Sesc e outro do Senac, voltados à celebração da gastronomia. A derrubada do viaduto Diário de São Paulo permitirá restabelecer a ligação do Mercado com o parque, indispensável para integrar as funções existentes com as que virão. A remoção do terminal de ônibus e a demolição do irregular edifício Garagem da Rua 25 de Março completariam a reapropriação funcional e paisagística, pela cidade, de um espaço que já foi, com o Anhangabaú, seu símbolo de parque urbano moderno. O reforço da vocação comercial da região se daria pela construção de um grande shopping popular para aliviar a demanda da 25 de março.

Essas ideias, aqui apenas esboçadas, dão uma perspectiva da transformação em curso no centro da cidade, já descoberto pelos jovens nas edições da Virada Cultural, que, ao se tornar a festa da cidade, promoveu uma reurbanização humana do centro, irrigando com gente e arte toda essa região.

Praça das Artes

A Praça das Artes, cujo primeiro módulo foi recentemente inaugurado, surgiu da demanda do Theatro Municipal por espaço agregado, uma vez que sua construção data do início do século 20 e não podia prever a extraordinária expansão de suas atividades. Conta ele hoje com uma estrutura inédita, composta de duas orquestras, duas escolas, dois corais, companhia estável de balé e quarteto de cordas.

A Quadra 27, velha conhecida dos nossos urbanistas, apresenta rica fachada na face da praça Ramos de Azevedo, mas ao contornar a esquina da Rua Conselheiro Crispiniano sua perspectiva já começa a fraquejar com o prédio modesto ocupado por uma papelaria. No perímetro que alcança a Avenida São João e a Rua Formosa, em pleno Anhangabaú, apenas quatro edifícios se impõem ao olhar: o do Cine Marrocos, um discreto Niemeyer, a sede do Conservatório Dramático e Musical e a fachada do antigo Cine Cairo, que lhe serve de contraponto.

O estudo preliminar da Praça das Artes, elaborado na Secretaria Municipal de Cultura, já definia o restauro do Conservatório como âncora do projeto. Em torno da construção histórica se espalham os novos edifícios, que cumprem um programa de aglutinação das atividades do Municipal num mesmo espaço, em busca de uma sinergia nunca antes experimentada.

Espera-se que a convivência de alunos de música com os de dança, de profissionais com estudantes de música, de bailarinos do Balé da Cidade com aspirantes, e outras combinações possíveis, venha dinamizar as relações entre os 2 mil beneficiários imediatos da Praça das Artes.

O público voltará ao belo Salão do Conservatório, tradicional sala de concertos de câmara, e o Marrocos, com acesso pela rua interna da Praça das Artes, receberá espetáculos de teatro, concertos e balés. Na mesma face da Avenida São João, do outro lado do edifício de Niemeyer, está prevista a implantação de um terceiro módulo da Praça das Artes, visando a abrigar a Discoteca e atender à expansão das escolas de arte.

Nos desdobramentos eventuais dessa experiência urbanística, sua expansão prevê outras intervenções, a partir do núcleo irradiador. A Praça das Artes, encravada no coração do centro novo, poderá se converter no ponto de inflexão no processo de reabilitação dessa área. A esquina da São João com o Anhangabaú, ponto estratégico do centro da cidade, bem que poderia receber um edifício inovador, com uma fachada plasticamente instável, que se imponha na paisagem urbana como marco da potência criativa da arquitetura de São Paulo no ingresso do novo século.

A construção da Praça das Artes e a iminência da Copa do Mundo tornam inadiável o processo de requalificação do Anhangabaú, último espaço público de porte à espera de uma nova funcionalidade e ressignificação. Será preciso reverter sua atual inclinação a passagem fugaz, que não retém a atenção do transeunte nem lhe oferece expectativa de repouso num espaço desolado e pouco amigável.

A Praça das Artes e seu potencial transformador da paisagem do centro histórico decorrem da solução de um velho problema urbanístico com um belo projeto arquitetônico.

*CARLOS A. CALIL, CINEASTA, CRÍTICO, ENSAÍSTA E PROFESSOR DA ECA-USP, FOI SECRETÁRIO MUNICIPAL DA CULTURA ENTRE 2005 E 2012

A FOTOGRAFIA DESTA PÁGINA, DE AUTORIA DA ALEMÃ HILDEGARD ROSENTHAL, PERTENCE AO ACERVO DO INSTITUTO MOREIRA SALLES, QUE NA SEXTA-FEIRA 25 ABRIRÁ A EXPOSIÇÃO A SÃO PAULO DE HILDEGARD ROSENTHAL, COM 25 IMAGENS QUE A ARTISTA FEZ NA CIDADE NOS ANOS 1940