domingo, 2 de dezembro de 2012

Balançando a balança - ALDIR BLANC


O GLOBO - 02/11


Jogar um Dell com não sei quantos megabytes numa barata me parece excesso de zelo


Dezembro entrando, seria tempo de feliz isso e aquilo, mas não tenho a cara de pau necessária para desejar boas festas a um paulista. Não se sabe se ele estará vivo até lá. No último fim de semana, recorde, foram uns 50 assassinatos (por baixo, por baixo). Todo mundo acha que bandidos estão fazendo exigências que as autoridades não atendem. Aí, os meliantes mandam recados para fora das penitenciárias com ordens de tocar o horror. Isso já aconteceu antes. Vi um documentário em que os guardas tentaram revistar a cela de um preso, baixinho, só de calção. O detento mandou na orelha de uma otoridade:— Se entrar na minha cela, arranco a tua cabeça.

Houve muito chove não molha e a cela não foi revistada. Isso mostra como andam as coisas. Por que esses marginais se regenerariam? Mamaluf foi novamente condenado, em Jersey (?). Pelas minhas contas, só faltam os vereditos de Marte, Plutão e Vega. Ele continua curtindo sua coleção de joias, arte, vinhos, proibido de pisar em mais de cem países? Guiness para ele — com dois pastel, por favor. Nicolalau descansa em seu opulento lar, depois da roubalheira. Sacacciola, que teve a fuga facilitada por um colega seu do Supremo, foi em cana, depois de um tempão divertindo-se lá fora. Mal voltou preso, recebeu um “indulto”, que muitos consideram ilegal.

A Brasunda é o país onde um assassino, autor de crime hediondo, é condenado e sai do tribunal para casa, onde curtirá as delícias da boa mesa, namorada nova etc. Tem louca que, dependendo do que lhe é oferecido, vai com qualquer mané. Por essas e outras, quero declarar que o ministro Joaquim Barbosa entrou para a História sem sair da vida, ao afirmar: “A Justiça não trata a todos de forma igual.” Boa, Barbosinha, se me permite a intimidade. Já fui lesado por um troço chamado Capemi, e fiquei aguardando o ressarcimento. Chongas. Venci em “última instância” (o que, afinal, significa essa mentira para quem é pobre?) o PTB de Bob Jefferson, éééé, esse mesmo delator, que deveria pegar perpétua, mas vai de semiaberto. Há outras vitórias muito comemoradas na família, todas em “última instância”. Não veio nem uma jontex para gozar com a nossa cara. No entanto, Excelência, posso elencar, de memória, como quem recita o beabá: Anões do Orçamento, Coroa-Brastel, Mandioca, Cayman de Sá, Ceme, Eletronorte, Encol, Sivan, Esmeraldas do Abi, Lunus (não tinha parente do Sarna metido?), Detran, PC Farias e Collor, CBF, CBF, CBF, expandindo-se como as galáxias para COB, COB, COB, de marré, marré, marré. Ministro Barbosa, espero que a maioria dos envolvidos nesse monturo tenha sido condenada, porque são pessoas muito piores do que José Genoino.

Lamento encerrar, ministro, com mais um escândalo: fraudes em licitações na Aeronáutica. Estranharam o grande número de computadores solicitados para o combate aos insetos... Compreendo a necessidade de progresso tecnológico, mas jogar um Dell com não sei quantos megabytes numa barata me parece excesso de zelo, o senhor concorda?

Quem sabe faz a hora - DORRIT HARAZIM



O GLOBO - 02/12

É oportuno relembrar, uma década depois de ocorrida, a memorável entrevista concedida em 2002 à CNN por Martina Navratilova, até hoje considerada a maior tenista de todos os tempos. À época, a atleta já havia vencido o torneio de Wimbledon nove vezes - feito jamais replicado por outro tenista -, ganhara 59 títulos do circuito Grand Slam, se aposentara e entrara para o panteão do esporte.

Martina estava com 46 anos, o ocupante da Casa Branca se chamava George W. Bush e a América se enfronhava a passos largos no conservadorismo social e político que se seguiu ao atentado às Torres Gêmeas, ocorrido no ano anterior.

Ardia nos ouvidos americanos um comentário feito pela tenista sobre suas duas pátrias - nascida na Tchecoslováquia sob domínio soviético, ela se exilara nos Estados Unidos aos 18 anos, durante o U. S. Open de 1975, e era cidadã americana. "Um dos aspectos mais absurdos da minha fuga de um sistema injusto", declarara Martina a um jornal alemão, "é que troquei um que oprime a liberdade de expressão por outro". Disse mais: "Os republicanos, nos Estados Unidos, manipulam a opinião pública e varrem para debaixo do tapete questões controversas. É deprimente."

Martina foi então convidada a esclarecer seu comentário num dos principais programas de entrevistas da CNN, comandado pela apresentadora Connie Chung. O diálogo que se seguiu, resumidamente, é um espanto:

- Obviamente eu não quis dizer que aqui temos um regime comunista - explicou a tenista. - Mas acho, sim, que desde o atentado do 11 de Setembro estamos vendo aqui uma grande centralização de poder. O cidadão americano está perdendo parte de seus direitos.

A jornalista, por seu lado, admitiu ter considerado as declarações não patrióticas. "Tive vontade de dizer ´volte para a Tchecoslováquia´ se você não está satisfeita neste país que te deu tanto, inclusive a liberdade."

- Pois eu considero que estou devolvendo o que recebi ao emitir minha opinião, ao me manifestar - rebateu Martina.

- Entendo que você pense assim, mas poderia manter privadas suas ideias. Por que despejar tudo isso em público sabendo que, por você ser uma celebridade, a repercussão será grande? - prosseguiu a jornalista.

- Como mulher, como lésbica e como atleta mulher saltei vários obstáculos. Acho que tenho o dever de opinar em público.

- Mas você não é política. Não ocupa nenhum cargo público nem de poder.

- Por que você quer me mandar de volta para a Tchecoslováquia? Eu moro aqui. Amo este país. Vivo aqui há 27 anos e pago impostos aqui há 27 anos. Tenho o direito de me manifestar. Por que isso seria não patriótico? - quis saber Marina.

- Existe uma expressão antiga [neste país]: ame-o ou deixe-o", respondeu Connie Chung, sem rodeios.

Algumas coisas mudaram, de lá para cá, a começar pela CNN. Outras não. Igualar dissenso com falta de patriotismo, decretar qual imigrante deve poder ou não permanecer no país continuam a pontuar os discursos da ala mais conservadora da América. Apenas em tom mais camuflado.

Uma reviravolta social profunda na vida americana - a lenta e gradual aceitação do casamento gay -, que também envolve Martina Navratilova, avançou muito.

Foi na mesma entrevista de 2002 que ela confirmou considerar a possibilidade de adotar uma criança. Lésbica assumida desde os 25 anos de idade, Martina defendia publicamente os direitos civis dos homossexuais desde os pré-históricos anos 1980. Mas dado o seu currículo de relações amorosas tempestuosas o desejo ficou incubado por uma década. Foi só poucos meses atrás que a atleta, hoje com 56 anos e morando em Paris, comunicou ter formado oficialmente uma família. Assumir as duas filhas da escultural companheira Julia Lemigrova, com quem vive há seis anos.

Falta-lhe um fecho, contudo. É da grande dama do teatro e do cinema americano, Katherine Hepburn, o que considera o conselho mais útil já recebido: "O que importa não é o que você faz na vida, é o que você consegue completar." Para Martina falta conquistar a legalização do casamento de pessoas do mesmo sexo, com todos os direitos civis a ele atrelados. "É apenas uma questão de tempo", garante ela.

A história parece lhe dar razão. Na tarde de sexta-feira passada os seis homens e três mulheres que compõem a Suprema Corte dos Estados Unidos reuniram-se em sessão fechada para decidir se aceitam pronunciar-se sobre o casamento gay. São necessários quatro votos para que seja aceito cada um dos 10 casos aguardando avaliação. Todos eles contestam a constitucionalidade da restrição do casamento à "união legal entre um homem e uma mulher".

No decorrer dos últimos dez anos, nove dos 41 estados americanos se pronunciaram a favor do casamento gay - seja através de votação popular, seja através de tribunais ou medidas legislativas. Pesquisas nacionais apontam para uma maioria de 54% da população a favor da união de pessoas do mesmo sexo.

Ainda assim, a história também mostra que os juízes têm evitado adiantar-se demais à opinião pública e aos costumes em vigor. Vale lembrar que a extinção das leis que proibiam casamentos inter-raciais só foi aprovada pela Suprema Corte em 1967, quando vigoravam em apenas 16 dos 50 estados americanos.

O resultado da deliberação dos juízes deveria ter sido anunciado ainda na sexta-feira. Foi adiado para amanhã, segunda-feira. É coisa grande, qualquer que seja. "É uma decisão com dimensão para alterar a face da América", acredita o professor de Direito Constitucional da Universidade da Califórnia, Adam Winkler.

Inculta, bela e escanteada - WALNICE NOGUEIRA GALVÃO


O Estado de S.Paulo - 02/12


Na reforma do ensino superior na UE, a diretriz é deixar definhar o ensino do português, sem guilhotina e sem alarde



Encontra-se em curso já há alguns anos uma vasta reforma do ensino superior na União Europeia. Ficou conhecida por Protocolo de Bolonha e tem por objetivo uniformizar os currículos de todos os países-membros.

Não há dúvida, como sempre que se uniformiza material heterogêneo, que se trata de um nivelamento por baixo. No espírito, a reforma é norte-americana: é pragmática, instrumental, técnica e visando ao mercado. Não que isso seja totalmente errado; só não deveria ser exclusivo como critério, e os protestos de alunos e professores têm-se elevado. De fato, diminui a licenciatura, o mestrado e o doutorado, amputando anos de cada um deles.

O que é curioso é verificar que uma reforma tão remota possa nos afetar gravemente. Nesse quadro, a diretriz é deixar definhar os estudos brasileiros sem alarde, por baixo do pano, sem guilhotinar e sem chamar a atenção. Um exemplo: a única cátedra de brasilianística existente na Europa, na Universidade Livre de Berlim, foi ocupada por concurso há 15 anos. Agora, a catedrática aposentou-se e a cátedra foi extinta.

A França era campeã de departamentos de estudos portugueses e brasileiros, com 33 deles espalhados pelo país todo. Mas, com o fim da imigração lusa, que veio a constituir a maior colônia estrangeira (os árabes não são estrangeiros), com cerca de 2 milhões de cabeças, já não há concursos de provimento de cargos docentes, os chamados Capes e Agrégation, há quatro anos; e talvez nunca mais haja. Os departamentos estão fechando e, para justificar as radicais eliminações, a ministra das Universidades declarou que não é necessário que todas as matérias existam em todas as escolas, mas só em algumas, concentrando-se regionalmente. O argumento é válido; mas, querendo citar um caso concreto, ela deu o infeliz exemplo daquelas que são "raras como o português", esquecendo-se de que essa língua tem mais falantes que o francês. Também poderia ter chamado de raras o guarani ou o náuatle, que existem desde que Nanterre (Universidade de Paris X) foi criada para que os terceiro-mundistas de 1968 acendessem suas fogueiras longe da Sorbonne.

Todavia, nem tudo são más notícias. Em primeiro lugar, é contraditório que isso ocorra quando a procura se intensifica, graças ao crescimento do perfil de nosso país na cena internacional. Há nítido aumento da aquisição de livros brasileiros, como também do acesso a cursos de introdução à língua e à cultura, tanto por parte de estudantes, atraídos pela possibilidade de estudar aqui, quanto de empresários interessados em estender seus negócios a nosso país. A China declara precisar de 5 mil professores de português para suprir seus planos nessa área, que passaram de cursos oferecidos em apenas 3 universidades para 17 hoje e, espera-se, 35 nos próximos anos.

Em segundo lugar, no ano passado, a Europalia, ou festival anual para o qual a União Europeia convida um país, privilegiou o Brasil. Durante três meses, realizou-se um megaevento em sua capital, Bruxelas, apresentando as artes visuais desde a colônia até hoje, com destaque para uma retrospectiva de Artur Bispo do Rosário. Mostraram-se as artes cênicas, o balé e as danças, o teatro, as performances, a música popular e erudita, a produção indígena e africana, o cinema, a literatura.

Em terceiro lugar, o programa Ciência sem Fronteiras, anunciado pelo governo federal este ano, distribuirá 100 mil bolsas de estudo em quatro anos, até 2015 inclusive, com investimento de US$ 2 bilhões. Serão beneficiadas não só as habituais nações ricas, mas também China e Japão.

Felizmente há exceções no panorama do Protocolo de Bolonha. Apenas um exemplo: na República Checa, os estudos brasileiros estão conhecendo uma inédita expansão, ganhando alento novo nas três universidades do país. No bojo dessa eclosão, esses estudos foram contemplados com sede própria, com os portugueses, num palácio barroco no centro histórico de Praga. Também acaba de ser fundada uma Sociedade Checa de Língua Portuguesa. Em 2009 instituiu-se o prêmio Hieronymitae Pragenses, destinado a incentivar jovens tradutores entre os alunos de português nas universidades; sua quarta edição será em 2013, com repercussão garantida graças ao júri formado por tradutores de renome.

No mesmo impulso, criou-se uma coleção de traduções de literatura brasileira e portuguesa, ligada à universidade, que já publicou, entre outros, Guimarães Rosa, Machado de Assis e Macunaíma - que não são textos fáceis nem best-sellers a serviço do mercado. Os checos acabam de convocar seu 1º.Colóquio, o "Brasil plural", reunindo o pessoal de suas três universidades, cobrindo desde literatura e linguística até religião, política interna e externa, direitos humanos, música, antropologia, cinema, e assim por diante. Além disso, dedicam-se a aprofundar os laços entre os especialistas do leste, realizando no momento um congresso em Budapeste.

Nunca é demais lembrar que a Coreia do Sul é um país que saiu do atraso e se projetou na primeira linha das nações porque percebeu que só a educação possibilitaria essa proeza. Maciços investimentos públicos, aliados a uma campanha que tornou a frequência às escolas obrigatória até certos níveis de idade, fundamentaram o projeto. Expandiu-se a rede de estabelecimentos, formaram-se mais professores e os remuneraram adequadamente, forneceram-se livros e computadores; atualmente há 100 mil bolsistas no exterior. E eis aí o resultado, escancarado à vista de todos.