sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Mais alto o coqueiro




Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
Dos 40 inicialmente denunciados pela Procuradoria-Geral da República restaram 37 réus, 25 condenados, 13 em regime fechado.
Em princípio esse resultado oferece à sociedade uma resposta além da esperada em termos de rigor no trato de ilícitos ocorridos nos altos escalões da República.
Se inovações houve por parte do Supremo Tribunal Federal, uma das mais importantes foi o entendimento de que quanto mais alto o coqueiro maior pode ser o tombo.
Não se trata de condenar o cargo, mas de levar em conta as agravantes decorrentes do poder de mando. Desde a responsabilidade final sobre os atos até a disposição de impor critérios rígidos de conduta que, se ausentes, deixam prosperar a permissividade.
Prevaleceu no STF percepção contrária à regra até então vigente na cultura do privilégio e da aceitação do lema de que detentores de mandatos, de influentes cargos e posições políticas de prestígio não são pessoas comuns, devendo a elas ser conferido tratamento especial.
Pela posição que ocupam ou mesmo pela "trajetória de luta", quando pegas transitando à margem da lei, só seriam punidas mediante o impossível: a apresentação do recibo do crime.
Ao (quase) fim e ao cabo de quatro meses de julgamento do processo do mensalão o Supremo disse que não é bem assim. Ou pelo menos nesse caso não foi.
Será daqui em diante? É uma pergunta a ser respondida mais adiante. Por enquanto o que se tem de certo é um aumento no grau de confiança no Judiciário.
Um passo e tanto nesses tempos de supremacia majestática do Executivo e de descrédito crescente no Legislativo.
Impõe-se agora a seguinte questão: isso representa o início de um processo ou será apenas um momento fugaz, cujo efeito se dilui ao longo do tempo sem produzir nenhum avanço?
O Brasil já viveu outros episódios em que a euforia se confundiu com a esperança. Campanha das Diretas-Já, fim do regime militar, Assembleia Nacional Constituinte, impeachment de Fernando Collor, CPI do Orçamento e tantos outros momentos.
Isoladamente, nenhum deles virou o País de cabeça para baixo (ou para cima), mas, juntos, um ativo que se expressa no casamento entre a opinião do público e a posição da Corte guardiã da legalidade.
Bom cabrito. Roberto Jefferson fez a linha sóbria diante da condenação à prisão em regime inicialmente semiaberto. Não se queixou, não se explicou nem se desculpou, citando Disraeli ("nunca se queixe, nunca de explique, nunca se desculpe") ao se manifestar sobre o inevitável.
Realizou o prejuízo. Sempre soube dos riscos. Quando fez a denúncia do mensalão avisou logo: "Sublimei o mandato".
O PT berrou na tentativa de salvar a reputação do coletivo. Jefferson, em matéria de partido fez a sua parte: não disse para quem repassou o dinheiro recebido do valerioduto, evitando arrastar o PTB para o processo.
Sobre a pena de sete anos, existe a chance de ser transformada em prisão domiciliar na Vara de Execuções Penais, devido ao debilitado estado de saúde do condenado.
Tangente. A estratégia da tropa avançada do Palácio do Planalto no Congresso em relação ao episódio Rosemary Noronha é tentar circunscrever os fatos ao campo da "vida pessoal" do ex-presidente Lula.
Mais ou menos como aconteceu com o então ministro da Fazenda Antonio Palocci em relação à casa de lobby frequentada por ele em Brasília. Até que apareceu Francenildo Costa e surgiu a (má) ideia de quebrar o sigilo bancário do caseiro.
Peixe. Calado, Lula exerce o sagrado direito de não dizer nada que amanhã ou depois possa se voltar contra ele.

STF deve votar pela perda imediata do mandato dos deputados mensaleiros


Felipe Recondo, Ricardo Brito e Mariângela Gallucci, de O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal deve condenar à perda dos mandatos os deputados condenados no esquema do mensalão. O assunto será decidido na próxima semana pelo plenário do Supremo e criará divergências entre o tribunal e a Câmara dos Deputados. Pelas contas de integrantes da Corte, ao menos seis ministros votarão pela cassação imediata dos mandatos. Outros ministros deverão julgar que a cassação dos mandatos depende da votação do plenário da Câmara.
Os deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT) perderiam os mandatos como decorrência direta das condenações pelos crimes que cometeram. Neste caso, caberia à Mesa da Câmara apenas declarar a perda do mandato, o que teria de fazer obrigatoriamente.
Os ministros que defendem essa tese argumentam que a Constituição, no artigo 15, prevê a cassação de direitos políticos de quem for condenado pela prática de crime com sentença transitada em julgado, ou seja, não passível de recursos. Se a cassação dependesse da Câmara, o parlamentar condenado e com os direitos políticos cassados poderia continuar a exercer o mandato. Situação que esses ministros classificam como absurda.
Pior seria, disse um dos ministros, se o parlamentar condenado a cumprir pena em regime fechado não tivesse o mandato cassado. Nesse caso, ficaria a dúvida de como ele poderia participar das votações em plenário de dentro da cadeia. Nessa situação se encontra o petista João Paulo Cunha, único dos deputados federais condenado ao regime fechado.
Por outro lado, parte dos ministros argumenta que a Constituição é categórica - em seu artigo 55 - ao definir que nesses casos a cassação depende da aprovação da maioria do plenário. O texto da Constituição define que “perderá o mandato o deputado ou senador (...) que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado”. Mas vincula a perda do mandato ao voto da maioria absoluta do plenário da respectiva Casa.
A regra foi incluída durante a Assembleia Constituinte com 407 votos favoráveis. E ao longo das discussões, o então constituinte deputado Nelson Jobim, que depois se tornou presidente do STF, argumentou o que poderia acontecer se a cassação do mandato fosse consequência necessária da condenação criminal.
“Neste caso, teríamos a seguinte hipótese absurda: um deputado ou um senador que viesse a ser condenado por acidente de trânsito teria imediatamente, como consequência da condenação, a perda do seu mandato, porque a perda do mandato é pena acessória à condenação criminal”, argumentou Jobim na sessão de 18 de março de 1988.
Conflito. Para contornar a contradição entre os dois artigos da Constituição, alguns ministros afirmarão que cabe à Câmara decidir a cassação de mandatos de parlamentares que cometerem crimes contra a administração pública, por exemplo. Um dos ministros afirmou que o deputado que se envolver num acidente de trânsito e eventualmente for condenado por homicídio culposo não precisaria necessariamente perder o mandato.
O tema, admitiu o ministro Marco Aurélio Mello, pode provocar uma queda de braço entre a Câmara e o Supremo. “No nosso sistema, o Supremo tem a última palavra”, afirmou, ao adiantar como deve votar na semana que vem. “A Constituição é o que o Supremo diz que é”, acrescentou.
Nesta quinta-feira, 29, na posse do ministro Teori Zavascki no STF, o presidente da Câmara, Marco Maia, insistiu que cabe aos deputados decidir pela cassação dos mandatos dos colegas que forem condenados pela prática de crimes. “Na minha avaliação, a Constituição é muito clara quando trata do assunto. Em julgamentos criminais ou em condenações de parlamentares a decisão final é da Câmara dos Deputados ou do Senado de acordo com o caso”, afirmou. “Foi uma votação que contou com o voto de Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Luiz Inácio Lula da Silva, Nelson Jobim, Bernardo Cabral, Mauricio Corrêa, que depois também veio a ser ministro do STF. Portanto, não foi uma questão menor”, emendou Maia sobre a regra do artigo 55.

Joelmir


Celso Ming - O Estado de S.Paulo
Há quem o tenha admirado pela facilidade com que criava metáforas engraçadas, como a do sujeito que, lá pelas tantas, metia "o pé 42 em sapato 38". Outros, pela fluência com que se expressava - ainda mais elogiável quando se soube que teve de superar uma séria gagueira na infância. Outros mais, pela especial capacidade de compreensão de um mundo tão complicado.
Depois de ter sido noticiada a sua morte, na madrugada desta quinta-feira, muita gente lembrou a grande contribuição que o jornalista Joelmir Beting deu à tarefa de traduzir o hermético economês para o brasileiro comum.
Ele deu, sim, enorme contribuição para isso quando soube explicar com palavras simples o que acontecia no jogo da produção, do emprego e das finanças pessoais. Mas sua maior contribuição foi anterior. Foi ter quebrado a resistência das pessoas, das mais simples às de escolaridade superior, para as coisas da economia, que sempre pareceram tão complexas. Quem ouvia o Beting se sentia mais seguro para navegar em águas que antes pareciam tão turbulentas, mesmo não tendo entendido o assunto.
Pelo menos até meados dos anos 60 a economia era o que a física quântica é hoje para tanta gente: assunto enfrentado quase exclusivamente por iniciados. O noticiário de economia nos jornais quase se limitava a passar recado do governo federal para as chamadas classes produtoras e o destas para o governo. Era o produtor de café que forçava o governo federal a fazer mais estoques e era o empresário têxtil a pressionar por mais liberação comercial para a matéria-prima e por mais proteção para o produto acabado.
A partir de 1967 veio o chamado milagre brasileiro. As classes médias precisaram entender as reviravoltas do seu orçamento. As editorias de economia tiveram, então, de abrir espaço para comunicadores que se empenhassem em ajudar as pessoas a enfrentar situações novas.
Logo em seguida, o primeiro choque do petróleo, em 1973, e o segundo, em 1979, pegaram o País no contrapé, atolado na dívida externa. Foi um tempo de crises recorrentes e enorme inflação, quando o assalariado recebia no dia 30 menos da metade do salário combinado com o patrão no início do mês. Um vacilo na administração do patrimônio familiar podia provocar uma tragédia.
Foi também quando surgiram os comentaristas, cuja principal função foi ajudar o brasileiro a lidar com esse mundo adverso. Foi uma época em que até mesmo o Jornal Nacional da TV Globo teve de veicular comentários quase diários sobre o comportamento da economia.
Foi nesse cenário que Joelmir se notabilizou e foi nele que passou o recado diário ao leitor, ao ouvinte e ao telespectador - sempre com boa dose de bom humor, qualidade rara em desbravadores. Beting foi um pioneiro também na comunicação multimídia. Não foi eficiente só na produção de textos. Tornou-se grande comunicador ainda no rádio, na TV e nas apresentações para públicos mais restritos.
"O sapo não pula por boniteza, mas por precisão", já filosofou Guimarães Rosa. E foi também a necessidade criada pela crise econômica que ensinou o brasileiro a lidar com ela. O titular que me antecedeu nesta Coluna do Estadão teve grande mérito nessa boniteza.