sábado, 25 de fevereiro de 2017

Plano de saúde pode negar remédio importado, decide STJ

Não é abusiva cláusula contratual em plano de saúde que restringe o fornecimento de medicamento importado sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Foi o que entendeu, nesta terça-feira (21/2), a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar caso de paciente que pedia cobertura de tratamento com medicamento importado prescrito por seu médico, sem similar no Brasil.
O plano de saúde foi à Corte questionar decisão que deu razão ao beneficiário, que entrou com ação de obrigação de fazer e compensação por dano moral em 2013.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) deu provimento à apelação do paciente por entender que a conduta da operadora afrontaria o artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor. Pela norma, são nulas as cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.
Para os desembargadores, prever contratualmente a restrição do fornecimento de medicamento violaria “direitos e obrigações fundamentais, inerentes à natureza do contrato, de tal modo a colocar o consumidor em desvantagem exagerada, além de ameaçar o objeto e o equilíbrio do contratual”.
O plano de saúde, por sua vez, afirma que a negativa de cobertura foi fundamentada em cláusula contratual. Além disso, sustenta que é indiscutível que o remédio solicitado pelo beneficiário, importado, não tem registro na Anvisa – o que poderia configurar uma infração sanitária.
Argumento com o qual a relatora do especial, Nancy Andrighi, concordou. É que, segundo a ministra, determinar judicialmente o fornecimento de medicamentos importados, sem o devido registro no órgão fiscalizador competente, implica em negar vigência ao artigo 12 da Lei 6.360/76, que dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os produtos farmacêuticos.
Pelo artigo 12, “nenhum dos produtos de que trata esta lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde”.
Andrighi lembrou que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio de Mello, em setembro de 2016, ao apreciar o RE 657718/MG, destacou que o registro do produto é condição para industrialização, comercialização e importação com fins comerciais, configurando ilícito a não observância do preceito.
“Ante a ausência de aprovação pelo órgão investido legalmente da competência e dotado da expertise para tanto, existe o risco de o medicamento vir a prejudicar a saúde do paciente. Ainda que largamente utilizado em outro país, por força de lei, o remédio não pode circular em território nacional sem a devida aprovação técnica pelo órgão habilitado”, afirmou Mello, na ocasião.
Segundo a ministra, o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) alerta os juízes para que evitem “autorizar o fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela Anvisa, ou em fase experimental”. É o que diz a recomendação 31 do CNJ, de 2010, que de acordo com a relatora somente passou a ser mais divulgada após o crescimento da judicialização da saúde no país.
Acompanhando o voto da relatoria, todos os ministros da turma deram provimento ao recurso do plano de saúde.
Consumidor ou civil?
Outro argumento apontado pelo plano de saúde é o de que, pelo fato de ser uma fundação autogerida, não está submetido ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). É que, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.285.483, a Segunda Seção do STJ afastou a aplicação da legislação consumerista ao contrato de plano de saúde administrado por entidade de autogestão, por inexistência de relação de consumo.
Embora reconheça o fundamento da alegação, a ministra ponderou que “o fato da administração por autogestão afastar a aplicação do CDC não atinge o princípio da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda)”.
Assim, prevalece a aplicação das regras do Código Civil em matéria contratual, tão rígidas, segundo Andrighi, quanto a legislação consumerista.
“Os argumentos da recorrente quanto à violação dos arts. 2º do CDC e 10, §3o da Lei 9.656/98, pela sua administração por autogestão, não podem servir de fundamento para o descumprimento do contrato de prestação de serviços de assistência à saúde”, afirmou.
Ou seja, a cláusula não é considerada abusiva pelo fato de o plano de saúde não ser submetido ao CDC. Mas sim pelo fato de que a exclusão da cobertura de medicamentos importados, não nacionalizados, é autorizada pelo artigo 10, V, da Lei 9.656/98 e 12 da Lei 6.360/76.
De acordo com a ministra, “a peculiaridade da autogestão do plano de saúde do recorrido afasta o vínculo comercial, mas não enfraquece o dever da recorrente em agir conforme os deveres de lealdade e de informação que regem a relação contratual”.
Mariana Muniz - Brasília

Plano de saúde pode negar remédio importado, decide STJ, site Jota

Não é abusiva cláusula contratual em plano de saúde que restringe o fornecimento de medicamento importado sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Foi o que entendeu, nesta terça-feira (21/2), a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar caso de paciente que pedia cobertura de tratamento com medicamento importado prescrito por seu médico, sem similar no Brasil.
O plano de saúde foi à Corte questionar decisão que deu razão ao beneficiário, que entrou com ação de obrigação de fazer e compensação por dano moral em 2013.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) deu provimento à apelação do paciente por entender que a conduta da operadora afrontaria o artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor. Pela norma, são nulas as cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.
Para os desembargadores, prever contratualmente a restrição do fornecimento de medicamento violaria “direitos e obrigações fundamentais, inerentes à natureza do contrato, de tal modo a colocar o consumidor em desvantagem exagerada, além de ameaçar o objeto e o equilíbrio do contratual”.
O plano de saúde, por sua vez, afirma que a negativa de cobertura foi fundamentada em cláusula contratual. Além disso, sustenta que é indiscutível que o remédio solicitado pelo beneficiário, importado, não tem registro na Anvisa – o que poderia configurar uma infração sanitária.
Argumento com o qual a relatora do especial, Nancy Andrighi, concordou. É que, segundo a ministra, determinar judicialmente o fornecimento de medicamentos importados, sem o devido registro no órgão fiscalizador competente, implica em negar vigência ao artigo 12 da Lei 6.360/76, que dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os produtos farmacêuticos.
Pelo artigo 12, “nenhum dos produtos de que trata esta lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde”.
Andrighi lembrou que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio de Mello, em setembro de 2016, ao apreciar o RE 657718/MG, destacou que o registro do produto é condição para industrialização, comercialização e importação com fins comerciais, configurando ilícito a não observância do preceito.
“Ante a ausência de aprovação pelo órgão investido legalmente da competência e dotado da expertise para tanto, existe o risco de o medicamento vir a prejudicar a saúde do paciente. Ainda que largamente utilizado em outro país, por força de lei, o remédio não pode circular em território nacional sem a devida aprovação técnica pelo órgão habilitado”, afirmou Mello, na ocasião.
Segundo a ministra, o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) alerta os juízes para que evitem “autorizar o fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela Anvisa, ou em fase experimental”. É o que diz a recomendação 31 do CNJ, de 2010, que de acordo com a relatora somente passou a ser mais divulgada após o crescimento da judicialização da saúde no país.
Acompanhando o voto da relatoria, todos os ministros da turma deram provimento ao recurso do plano de saúde.
Consumidor ou civil?
Outro argumento apontado pelo plano de saúde é o de que, pelo fato de ser uma fundação autogerida, não está submetido ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). É que, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.285.483, a Segunda Seção do STJ afastou a aplicação da legislação consumerista ao contrato de plano de saúde administrado por entidade de autogestão, por inexistência de relação de consumo.
Embora reconheça o fundamento da alegação, a ministra ponderou que “o fato da administração por autogestão afastar a aplicação do CDC não atinge o princípio da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda)”.
Assim, prevalece a aplicação das regras do Código Civil em matéria contratual, tão rígidas, segundo Andrighi, quanto a legislação consumerista.
“Os argumentos da recorrente quanto à violação dos arts. 2º do CDC e 10, §3o da Lei 9.656/98, pela sua administração por autogestão, não podem servir de fundamento para o descumprimento do contrato de prestação de serviços de assistência à saúde”, afirmou.
Ou seja, a cláusula não é considerada abusiva pelo fato de o plano de saúde não ser submetido ao CDC. Mas sim pelo fato de que a exclusão da cobertura de medicamentos importados, não nacionalizados, é autorizada pelo artigo 10, V, da Lei 9.656/98 e 12 da Lei 6.360/76.
De acordo com a ministra, “a peculiaridade da autogestão do plano de saúde do recorrido afasta o vínculo comercial, mas não enfraquece o dever da recorrente em agir conforme os deveres de lealdade e de informação que regem a relação contratual”.
Mariana Muniz - Brasília

O império da lei - MÍRIAM LEITÃO


O GLOBO - 31/01

O que mudou profundamente no Brasil nos últimos anos foi o que trouxe Eike Batista de volta e fez os dois doleiros de Sérgio Cabral revelarem o caminho que fizeram para esconder o dinheiro ilícito do ex-governador. Foi também o que levou a Odebrecht da postura agressiva e acusadora para a delação coletiva. O que mudou foi o poder que as instituições têm de fazer com que a lei seja cumprida.

O conceito é complexo. Não é apenas a lei, é a lei para todos, é a força que ela tem e o respeito que ela provoca. A palavra inglesa enforcement tem esse conceito, que era difícil traduzir antes. Chegou lentamente aqui e foi se fortalecendo.

Quando a Lava-Jato começou parecia ser coisa de um juiz só e de um grupo de policiais federais e de procuradores de Curitiba. Era como se fosse localizado. A República de Curitiba. Ontem, o empresário que já foi a sétima maior fortuna do mundo, que tem também passaporte alemão, voltou ao Brasil obedecendo à ordem de um juiz do Rio.

Em Brasília, outro lance dramático dessa história revelou que por mais importante que seja uma pessoa, as instituições são ainda maiores. A morte do ministro Teori Zavascki foi um golpe, por todas as razões que se conhece, mas não interrompeu os trabalhos da maior delação da Lava-Jato. Ontem, a ministra Cármen Lúcia, usando as prerrogativas de plantonista do Supremo, homologou as delações dos 77 acionistas e ex-executivos da Odebrecht. Elas passam a ter validade jurídica. Teori tinha, entre as suas qualidades, grande capacidade de trabalho, tanto que, dos 10 processos que seriam analisados na primeira semana de volta do recesso, oito eram dele. Mesmo assim, ele não trabalhava sozinho. Tinha três juízes auxiliares e a equipe. Eles puderam tomar a sequência final dos depoimentos dos delatores da empreiteira.

A Lava-Jato já é o maior ponto de virada da sociedade brasileira. São, segundo contagem do site "Jota", 250 denunciados, 54 ações penais, 82 condenados a mais de mil anos de prisão. E isso deve subir substancialmente com as delações da Odebrecht. O que era um caso em Curitiba já teve sequência. O que está acontecendo no Rio é a etapa "Eficiência" da Operação Calicute, que é um desdobramento da Lava-Jato. Em outros estados, podem surgir galhos assim, da mesma árvore.

Em declarações ao correspondente deste jornal Henrique Gomes Batista, o empresário Eike Batista falou que a Lava-Jato ajudará a inspirar confiança no Brasil. É exatamente isso. Agora é a travessia em meio a uma enorme crise, mas o que o país está construindo é a força de instituições do combate à corrupção. E isso levará, como tenho dito neste espaço, a uma economia mais saudável.

A Lava-Jato não ameaça a economia, ela a restaura. A corrupção distorce completamente o jogo econômico, a competição, a viabilidade dos negócios. Há ideias que não se sustentariam se não fosse o apadrinhamento excessivo pelo Estado. Eike é um empreendedor, mas em muitos dos seus negócios as bases eram frágeis, e ele se alavancava nesse ambiente de proximidade excessiva com os governantes. Não é por isso que foi para a prisão, mas todo o caso Eike, do seu apogeu à ruína de muitas empresas, em grande parte se explica pelas relações íntimas com os políticos. O que o levou para a prisão foi o dinheiro dado por ele ao ex-governador do Rio. Mas pode haver mais. Recentemente, ele contou parte do que sabe, quando disse que o exministro Guido Mantega pediu a ele dinheiro para pagar contas de campanha da ex-presidente Dilma. E ele o fez através de transferência para os marqueteiros João Santana e Mônica Moura. Eike achou que se contasse uma parte do que fez poderia se safar. Hoje já sabe que há outros caminhos pelos quais a Justiça brasileira consegue se informar.

Foi porque se sentiram encurralados que Eike decidiu voltar, os doleiros Renato e Marcelo Hasson Chebar decidiram quebrar a própria banca e falar, a maior empreiteira do país decidiu pagar bilhões e arregimentar suas sete dezenas de delatores. Foi esse mesmo sentimento que levou o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado a romper vetustas lealdades e contar o que sabia. Caminho que tomou também Delcídio Amaral. É mais difícil hoje escapar da lei.