Antes de assumir, mas já eleito, o presidente paraguaio Santiago Peña pede abertura dos arquivos da Guerra do Paraguai (1864-1870), o que faz com cordialidade.
Cento e cinquenta anos depois do fim do conflito, ainda há ocultação, intangibilidade, mistério, suspeita. Paira uma imposição de "segredo eterno", que no entender de comissão ministerial criada no primeiro mandato de Lula teria fundamento constitucional: além de revelar atrocidades militares, os papéis fariam reviver na região antigos conflitos de fronteira.
A Polícia Militar acaba de impor cem anos de sigilo para processos disciplinares de Ricardo Mello Araújo, ex-comandante da Rota e candidato indicado por Jair Bolsonaro a vice-prefeito de São Paulo na chapa de Ricardo Nunes (MDB).
O ato de censura para proteger sua "privacidade" não faz sentido jurídico. Candidatos e homens públicos abrem mão de parcelas importantes da vida íntima e privada porque informação verídica e desimpedida é direito do eleitor, do cidadão.
Se é candidato, a população de São Paulo tem o direito de conhecer seu patrimônio financeiro e sua vida de soldado.
Governantes restringem o acesso a informações politicamente inconvenientes ou reveladoras de desmandos.
As Forças Armadas sistematicamente esconderam informações sobre tortura e paradeiro de pessoas desparecidas durante a ditadura militar. A população brasileira não sabe quanto recebem ministros do STF por palestra patrocinada por empresas privadas porque a informação estaria na esfera da vida íntima dos magistrados.
Bolsonaro protegeu interesses próprios e de aliados. Segundo levantamento da Transparência Internacional, seu governo impôs 1.108 sigilos de cem anos, alguns deles revistos no terceiro mandato de Lula, que, desde a campanha, prometia mais transparência. Ocultou, por exemplo, a carteira de vacinação e o processo administrativo envolvendo o deputado e general Eduardo Pazuello, patético ex-ministro da Saúde.
O Gabinete de Segurança Institucional revogou o silêncio de cem anos imposto para lista de visitas recebidas pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro no Palácio da Alvorada, mas o governo Lula impôs segredo de cem anos para a agenda da primeira-dama, Janja da Silva, e para a relação de frequentadores do Palácio da Alvorada.
Foi decretado sigilo de cem anos para documentos de caráter pessoal que eventualmente poderiam revelar a existência de conflito de interesses na atuação do atual ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. A relação dos militares da guarda presidencial em serviço no sinistro dia 8 de janeiro está oculta.
A Lei 12.527/2011 (editada em novembro do primeiro ano do governo Dilma) prevê três graus de restrição para acesso a informações: ultrassecretas (25 anos), secretas (15 anos) e reservadas (cinco anos). As balizas são indicadores de segurança da sociedade e do Estado, como soberania, estabilidade financeira, atividades de inteligência, análise de riscos e de danos.
O limite de tempo extrapola consideravelmente o parâmetro institucional quando a informação é relativa "à vida privada, honra e imagem" de alguém: acesso restrito por até cem anos.
A restrição não pode ser invocada para prejudicar apuração de irregularidade ou a "recuperação de fatos históricos de maior relevância", desde que, é claro, não envolva a Guerra do Paraguai ou os interesses particulares de honoráveis homens públicos.