domingo, 4 de agosto de 2024

Luís Francisco Carvalho Filho - Segredos, FSP

Antes de assumir, mas já eleito, o presidente paraguaio Santiago Peña pede abertura dos arquivos da Guerra do Paraguai (1864-1870), o que faz com cordialidade.

Cento e cinquenta anos depois do fim do conflito, ainda há ocultação, intangibilidade, mistério, suspeita. Paira uma imposição de "segredo eterno", que no entender de comissão ministerial criada no primeiro mandato de Lula teria fundamento constitucional: além de revelar atrocidades militares, os papéis fariam reviver na região antigos conflitos de fronteira.

Polícia Militar acaba de impor cem anos de sigilo para processos disciplinares de Ricardo Mello Araújo, ex-comandante da Rota e candidato indicado por Jair Bolsonaro a vice-prefeito de São Paulo na chapa de Ricardo Nunes (MDB).

O ex-coronel da Rota Ricardo Mello Araújo (PL) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a caminho de almoço com o prefeito Ricardo Nunes
O ex-coronel da Rota Ricardo Mello Araújo, amigo de Jair Bolsonaro e vice de Ricardo Nunes na disputa pela Prefeitura de São Paulo - Arquivo pessoal

O ato de censura para proteger sua "privacidade" não faz sentido jurídico. Candidatos e homens públicos abrem mão de parcelas importantes da vida íntima e privada porque informação verídica e desimpedida é direito do eleitor, do cidadão.

Se é candidato, a população de São Paulo tem o direito de conhecer seu patrimônio financeiro e sua vida de soldado.

Governantes restringem o acesso a informações politicamente inconvenientes ou reveladoras de desmandos.

As Forças Armadas sistematicamente esconderam informações sobre tortura e paradeiro de pessoas desparecidas durante a ditadura militar. A população brasileira não sabe quanto recebem ministros do STF por palestra patrocinada por empresas privadas porque a informação estaria na esfera da vida íntima dos magistrados.

Bolsonaro protegeu interesses próprios e de aliados. Segundo levantamento da Transparência Internacional, seu governo impôs 1.108 sigilos de cem anos, alguns deles revistos no terceiro mandato de Lula, que, desde a campanha, prometia mais transparência. Ocultou, por exemplo, a carteira de vacinação e o processo administrativo envolvendo o deputado e general Eduardo Pazuello, patético ex-ministro da Saúde.

O Gabinete de Segurança Institucional revogou o silêncio de cem anos imposto para lista de visitas recebidas pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro no Palácio da Alvorada, mas o governo Lula impôs segredo de cem anos para a agenda da primeira-dama, Janja da Silva, e para a relação de frequentadores do Palácio da Alvorada.

Foi decretado sigilo de cem anos para documentos de caráter pessoal que eventualmente poderiam revelar a existência de conflito de interesses na atuação do atual ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. A relação dos militares da guarda presidencial em serviço no sinistro dia 8 de janeiro está oculta.

A Lei 12.527/2011 (editada em novembro do primeiro ano do governo Dilma) prevê três graus de restrição para acesso a informações: ultrassecretas (25 anos), secretas (15 anos) e reservadas (cinco anos). As balizas são indicadores de segurança da sociedade e do Estado, como soberania, estabilidade financeira, atividades de inteligência, análise de riscos e de danos.

O limite de tempo extrapola consideravelmente o parâmetro institucional quando a informação é relativa "à vida privada, honra e imagem" de alguém: acesso restrito por até cem anos.

A restrição não pode ser invocada para prejudicar apuração de irregularidade ou a "recuperação de fatos históricos de maior relevância", desde que, é claro, não envolva a Guerra do Paraguai ou os interesses particulares de honoráveis homens públicos.

Trump vai perder, Rodrigo Zeidan ,FSP

 Se a diferença nas pesquisas dos estados mais importantes for pequena, Trump vai perder. E pelo mesmo motivo que o levou à vitória quando as pesquisas indicavam que estava atrás de Hillary Clinton: o voto dos envergonhados.

Na primeira eleição de Trump, muitos tinham vergonha do seu discurso, mas ainda assim queriam votar nele. Quando lhes foi perguntado, seja por amigos, seja em pesquisas de intenção de voto, em quem votariam, simplesmente mentiam ou diziam que estavam indecisos. Esse efeito também explica por que os partidos europeus de extrema direita normalmente conseguem mais votos que as pesquisas indicam.

A imagem mostra um homem com cabelo loiro e terno escuro, sentado em frente a uma bandeira dos Estados Unidos, que tem listras vermelhas e brancas e um campo azul com estrelas. O homem parece pensativo e está olhando para baixo.
O ex-presidente Donald Trump durante evento em Chicago - Vincent Alban/31.jul.24/Reuters

Só que agora é o contrário. Donald Trump é hoje o dono do Partido Republicano; ninguém ousa se opor publicamente a ele. No passado, o partido tinha até uma corrente chamada "Trump Nunca", pois acreditavam que esse culto de personalidade seria um desserviço a nação. Desse grupo, fazia parte até mesmo J.D. Vance, recentemente escolhido por Trump para compor sua chapa como vice-presidente.

Todavia, os que criticavam Trump dentro do partido perderam primárias para candidatos mais extremistas, mudaram seu discurso ou se aposentaram. J.D. Vance chegou a bradar que Trump seria o Hitler americano, enquanto Mitch Romney, um dos poucos que continuaram a criticar abertamente o então presidente, perdeu qualquer capital político dentro do partido que ainda tinha depois de ser o candidato a presidente derrotado em duas eleições presidenciais.

Muitos eleitores republicanos detestam Trump, mas não podem dizer isso em público (e às vezes nem mesmo em suas residências) sem serem vistos como traidores. Esses eleitores devem decidir a eleição, assim como aqueles que tinham vergonha de votar em alguém que acusava o México de mandar estupradores para os EUA e que o certo era agarrar mulheres pelas partes íntimas.

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Hoje, a retórica é ainda pior, já que Trump disse que iria acabar com esquerdistas que viviam como vermes ou que imigrantes estariam envenenando o sangue dos americanos, imitando expressões nazistas. Para seus fiéis seguidores, Trump poderia até matar alguém em plena luz do dia na Quinta avenida que não perderia votos, como ele mesmo disse, mas retórica nazista pode jogar muita gente no colo dos democratas.

As bolhas de internet não são o mundo real, não porque as pessoas são diferentes, mas pela forma como a comunicação se dá nesse meio. Os extremos chamam a atenção, enquanto comportamento ou debate normal é jogado para escanteio. A mídia tradicional também às vezes funciona assim. Jornais não reportam as centenas de assassinatos diários no Brasil. Já nos acostumamos com a barbárie. Ainda assim, a maior parte dos jornais ainda é sobre fatos importantes do cotidiano político, econômico e esportivo.

Mas isso não quer dizer que, entre as dezenas de milhões de pessoas que vivem sua vida normalmente, sem ficar na internet por horas, esse tipo de comportamento vá ser validado. Alguns estudos indicam que a polarização tem realmente aumentado, com 75% da base de eleitores apoiando qualquer absurdo dos seus candidatos e a polarização sendo alimentada pelos próprios aspirantes à Casa Branca, que assim conseguem mais doações para suas candidaturas.

É a economia, estúpido, disse James Carville em 1992. Estudos indicam que não necessariamente mais, o que torna os resultados mais incertos. Ainda assim, os 25% que faltam devem decidir a eleição. Quietos.

Brasil trocou o jeitinho pelo golpinho, Alvaro Costa e Silva, FSP

 A Justiça começou a ouvir as testemunhas de acusação contra Glaidson Acácio dos Santos. Ele movimentou R$ 38 bilhões num esquema de pirâmide que ludibriou ao menos 89 mil pessoas. Por sua trajetória, o "Faraó dos Bitcoins" merece uma estátua (ou um obelisco com ponta em forma de pirâmide) para imortalizá-lo como herói nacional do país que trocou o jeitinho pelo golpinho.


Antes de virar faraó, foi flanelinha, carregador, garçom e pastor. Criado na Cidade de Deus, mudou-se para Cabo Frio e se casou com uma venezuelana que tinha expertise no mercado de criptomoedas. Arregimentou clientes nos templos da Igreja Universal, conquistando os colegas pastores que aplicaram a boa nova entre os fiéis. Pregando a teologia da prosperidade e o empreendedorismo, espalhou a bênção golpista pela Região dos Lagos e logo por todo o país.

O empresário Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como "faraó dos bitcoins", faz apresentação sobre sua empresa - Reprodução/Reprodução

Preso desde 2021, Glaidson também é acusado de homicídio. Em 2023 o Brasil registrou, segundo o Anuário de Segurança Pública, 46.328 mortes violentas intencionais. De estelionatos, foram quase 2 milhões, número bem à frente do de roubos, com cerca de um milhão de ocorrências nas delegacias. A explicação é que não se vai mais ao banco sacar dinheiro, dá-se um clique.

O mundo digital é o paraíso dos trambiqueiros, lugar onde se captura senhas de cartão de crédito e débito, aplicativos de compra e informações pessoais. O ardil do jogo do tigrinho é uma febre, e o governo ainda decidiu torná-lo legal. Há uma multidão de falsos médicos e falsos advogados, e sobretudo há a inteligência artificial, capaz de simular a voz de familiares. Sem falar na santa ingenuidade: uma aposentada de Caraguatatuba perdeu R$ 238 mil vítima de espertalhões que se passaram por Arnold Schwarzenegger, de quem a senhorinha era fã.

O golpinho é tão coisa nossa que Lula, quase impedido de assumir a Presidência, passa a mão na cabeça de Maduro e nem se ruboriza.