terça-feira, 30 de julho de 2024

Deirdre Nansen McCloskey - Inovação na música ocidental, FSP

 Nos últimos anos, apaixonei-me pela música clássica ocidental. Durante a década de 1960, na universidade, fui obrigada, no estilo dos Estados Unidos, a fazer alguns cursos de "educação geral" na área de ciências humanas.


No último ano escolhi um curso de um ano de "apreciação musical", uma história da música ocidental,
do canto gregoriano até o dodecafônico.

Não sou musicista. Na universidade, eu era uma animada cantora de música folk, mas o melhor que conseguia fazer no violão era tocar os três acordes apropriados. No curso de apreciação musical fui mal, porque no segundo semestre de primavera parei de ir às aulas. Os alunos do quarto ano fazem isso, e eu estava apaixonada.

Festival de Salzburgo
Filarmônica de Viena, Elsa Dreisig, Michael Volle e Christian Thielemann depois da execução do 'Réquiem Alemão' no Festival de Salzburgo - Marco Borrelli/Divulgação

Naquela época, nunca ouvia música clássica. Eu a respeitava —minha mãe tinha sido cantora de ópera na juventude e, de qualquer forma, as pessoas educadas devem respeitá-la. Mas eu não a usava como música de fundo da minha vida. Agora uso.

Eu escuto o dia inteiro a WETA, a excelente estação de música clássica de Washington, e quando viajo sempre tento encontrar a estação de música clássica local, como a Scalla FM 102.9.

A nova paixão surgiu durante o ano em que minha mãe, aos 98, estava morrendo, entre 2020 e 2021, quando ela e eu, em homenagem à sua juventude musical, ouvíamos música clássica no rádio.

Quando me emociono com o concerto para flauta e harpa de Mozart, K. 299, sinto que o espírito de mamãe está comigo.

Mas sou economista e historiadora, e não consigo parar de pensar nesses assuntos. Existe alguma conexão misteriosa entre as inovações surpreendentes de 1776 até o presente na economia e as inovações igualmente surpreendentes de 1600 até o presente na música clássica?

Até onde sei, mesmo a música das cortes da Índia ou da China, digamos, não passou pela elaboração de harmonia, contraponto, modulações de tons e mudanças dinâmicas que ocorreram na Europa.

É claro que o grande enriquecimento afetou a música, trazendo a alta música clássica para a burguesia nas enormes salas de concerto do século 19, e então produzindo a música gravada dos grandes que minha mãe e eu ouvíamos. Mas estou perguntando se há alguma conexão causal mais profunda, sinalizando algo único sobre os primórdios da Europa moderna.

Diga-me você.

Lide - Seminário Transportes e Mobilidade 1 ago 2024

 

Juliano Spyer Judith Butler foi mesmo censurada no Brasil?, FSP

 É razoável dizer que o último livro da filósofa Judith Butler foi retirado das livrarias no Brasil devido à perseguição de uma organização evangélica?

O Brasil é protagonista na história do livro "Quem tem medo do gênero?". Butler o escreveu após ser hostilizada em São Paulo, em 2017. O clima no país estava tenso exatamente um ano antes do pleito presidencial que elegeu Jair Bolsonaro.

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Manifestação em frente ao Sesc Pompeia contra palestra de Judith Butler - Bruno Santos/Folhapress

Foi uma eleição marcada pelo debate sobre moralidade. E Butler influenciou a discussão por teorizar que masculino e feminino são construções sociais e culturais, não apenas biológicas.

Para a Boitempo, a editora que distribuiu e depois precisou recolher o livro de Butler nas livrarias, a perseguição continua. E culpa a Casa Publicadora Brasileira, ligada à Igreja Adventista, por seu prejuízo.

Por meio de um comunicado, a Boitempo diz que a obra de Butler expõe "discursos reacionários" que criam "pânico moral (para) angariar apoio popular a projetos políticos fascistas, autoritários e excludentes". E defende que a CPB usou como pretexto uma infração de direitos autorais para impedir a circulação do livro. Mas a realidade é mais complexa.

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A capa de "Quem tem medo do gênero?" foi feita a partir da fotografia de um protesto de rua. Mas o que aparece no livro é apenas a porção de um cartaz com duas ilustrações em destaque. E uma delas é de um personagem de história em quadrinhos que a editora adventista publica há décadas.

A revista em que o personagem aparece se chama Nosso Amiguinho; é uma espécie de "Turma da Mônica" do mundo cristão. Ela circula inclusive fora da "bolha" adventista por ser mais educativa do que religiosa.

O músico Jônatas Luz folheou 373 edições da Nosso Amiguinho lançadas entre 1952 e 2001 para uma pesquisa. "Por décadas, a seção de aprender a tocar violão só tinha música popular brasileira, samba incluso."

Em seu comunicado, a Boitempo zomba do personagem, dizendo que ele é "desconhecido por nós e por toda a torcida do Flamengo". Mas quem será menos conhecido no campo popular: uma revista cristã ou a produção acadêmica de uma filósofa cuja obra é especialmente difícil de ler?

A Igreja Adventista não está livre de pecados. Assim como quase todas as organizações cristãs do Brasil, se encantou pela perspectiva de ocupar o estado e cristianizar a partir dele. E persegue internamente quem resiste. Esse é o motivo da expulsão do pastor Edson Nunes, um ex-adventista.

Mas este episódio nos ajuda a pensar como o campo progressista pode tratar a academia como igreja, cultivar ídolos a partir de "textos sagrados", e promover cruzadas "do bem" contra um inimigo que odeia sem se dar ao trabalho de conhecer de perto.