quinta-feira, 27 de junho de 2024

Privatização da Sabesp teve a Equatorial como única interessada, FSP

 A Equatorial foi a única empresa a apresentar proposta para ser acionista de referência da Sabesp. A Aegea, maior companhia privada de saneamento básico no Brasil, também apontada como potencial participante do leilão, não entregou documentos.

O prazo para manifestação de interesse acabava nesta quarta-feira (26), como detalhado no prospecto, o documento que contém as principais informações sobre a transação.

Procurado pela Folha, o Governo de São Paulo disse apenas que os finalistas para a segunda etapa da oferta de ações serão divulgados na próxima sexta-feira (28).

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Estação de tratamento de água da Sabesp, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, estatal que pode ser privatizada - Gabriel Cabral/Folhapress

A Equatorial não respondeu aos pedidos de comentário. A Aegea informou que não vai falar sobre o assunto.

O acionista de referência será uma espécie de sócio estratégico do governo, que deverá adquirir, sozinho, 15% do capital da Sabesp e terá direito a um terço do conselho de administração, além do direito de escolher o presidente do conselho e outros executivos.

Desde o início do processo de privatização, a Equatorial era apontada como um dos grupos que estavam estudando entrar no negócio, assim como a Aegea. A lista de interessados em virar acionista de referência, inclusive, já chegou a ser extensa, incluindo nomes como Votorantim, Veolia, Equatorial, Cosan e J&F

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No entanto, detalhes sobre o modelo de privatização anunciado pelo Governo de São Paulo causaram receio em algumas companhias interessadas. Limitações impostas ao sócio estratégico acabaram afastando interessados.

A ausência de competidores pelo posto de sócio de referência não vai exigir adaptações no processo. O prospecto da oferta já previa a situação de um único interessado. Nesse caso, se os documentos entregues pela Equatorial estiverem de acordo com as exigências, o follow-on seguirá com um único bookbuilding —processo em que os investidores do mercado indicam a quantidade de ações que desejam adquirir.

A primeira fase do cronograma até a venda das ações começou nesta segunda (24). O formato de privatização escolhido pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) é inédito e tem complexidades que deixaram o mercado em dúvida ao longo do processo.

Isso porque a oferta de ações será feita em duas etapas. Na primeira, o governo coletaria as propostas feitas pelos acionistas de referência e selecionaria as duas maiores.

Na fase de bookbulding, os investidores teriam dois "books" (livros) para registrar seus interesses de compra e escolher de qual querem adquirir as ações: se do livro do concorrente A ou se do livro do concorrente B. Cada livro teria o valor por ação ofertado pelo candidato a acionista de referência, mas os investidores poderiam sugerir o valor das ações que querem comprar no book de preferência.

Agora, a previsão é de que haja um único book, com os investidores seguindo o preço indicado pelo acionista de referência em sua proposta. Ainda assim, tanto o preço indicado pela Equatorial quanto a demanda dos investidores não poderá ser menor do que um valor mínimo estipulado —mas ainda não divulgado— pelo governo de SP.

Na última quinta-feira (20), o Governo de São Paulo definiu uma condição que daria certa vantagem ao candidato favorito do mercado na disputa. Pessoas familiarizadas com a privatização disseram que a regra, conhecida pelo nome em inglês "right to match" (algo como "direito de igualar a proposta"), foi uma das cláusulas que dificultaram a entrada da Aegea no processo.

Essa condição autorizava o grupo com menor preço ponderado a cobrir a oferta do concorrente e sair vencedor na disputa por acionista de referência —desde que esse grupo tivesse o maior valor absoluto do book, ou seja, maior demanda dos investidores. Na prática, a cláusula daria preferência ao "favorito do mercado", que era apontado como a Equatorial.

Outra regra que atrapalhou a entrada da Aegea, na avaliação desses especialistas, foi o "poison pill" (pílula do veneno, em inglês).

O governo determinou que, depois de a Sabesp ser privatizada, nenhum acionista majoritário poderá ter mais de 30% dos votos no conselho da empresa. Para estabelecer esse teto, o Executivo definiu que, caso algum acionista ultrapasse 30% de participação, ele terá que estender a oferta para os demais acionistas com prêmio de 200% em relação ao valor originalmente ofertado, o que naturalmente reduz a chance de algum grupo se interessar.

O imbróglio para a Aegea, nesse caso, é que ela entraria na disputa num consórcio junto com fundos de investimentos e seus principais acionistas, como Itaúsa e o GIC (fundo soberano de Cingapura). O receio era de que a atuação desses fundos em outros negócios poderia acionar o "poison pill".

Especialistas do setor concordam que o "poison pill" pode ter sido um dos principais motivos para a ausência de mais interessados.

"Esse foi um fator que dificultou e acredito que houve também um certo questionamento com o lançamento do 'right to match'", diz Percy Soares Neto, ex-diretor executivo da Abcon (Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto).

"As regras do jogo estavam mais ou menos desenhadas, aí o governo, quando veio a notícia de que tinha um pouco de concorrência, forçou a cláusula."

Ele, que é fundador da consultoria Ikigai, também avalia que o governo do estado terá de fazer algum movimento para explicar a falta de mais interessados.

"Não ficou bom para a imagem do governo e para uma gigante, como a Sabesp. É algo que pode impactar o próprio setor de saneamento, precisamos ver como o mercado de ações vai ver o setor."

A falta de concorrentes também, em tese, atrapalha o governo paulista de conseguir o melhor preço possível pelas ações da Sabesp. Isso porque, com uma só proposta e sem o mecanismo de "right to match", o Executivo precisará aceitar qualquer valor acima do preço mínimo estabelecido.

Para Bruno Aurélio, sócio das áreas de Infraestrutura e Regulatório do Demarest, pode ter pesado a restrição para fins de participação em outros projetos fora do estado de São Paulo, especialmente, a necessidade de autorização do conselho para atuar em municípios com mais de 50 mil habitantes.

Ele só pondera que a falta de outros interessados não é necessariamente um sinal de fracasso.

"Ter a Equatorial, uma grande companhia aberta com investidores relevantes, é um sucesso. Agora, se a ideia era ter um número máximo de interessados, deveria ser um processo mais cadenciado e, talvez, um pouco mais permeável ao que apontava o mercado."

Com Reuters

Combustão de lixo pode produzir energia e gera briga sem nem existir no Brasil, FSP

 Arthur Guimarães

SÃO PAULO

O Brasil ainda não tem uma planta de recuperação energética de resíduos a partir da queima —na qual o lixo é usado como insumo para termelétricas que o convertem em energia—, mas defensores e opositores da tecnologia têm posições cerradas sobre o tema, tratado como espécie de religião.

Recuperação energética é o nome em português para waste-to-energy, termo que reúne processos de produção de calor, energia elétrica e biogás a partir de resíduos sólidos urbanos por meio de combustão ou aterramento.

No Brasil, já há a transformação de rejeitos em combustível, chamado de CDR (Combustível Derivado de Resíduos), para fornos da indústria cimenteira. Pelo mundo, no entanto, o tipo de tratamento mais comum é a combustão de rejeitos para a geração de energia. O modelo existe em países como França, Alemanha e Estados Unidos.

Uma usina é capturada em um dia nublado, com suas estruturas refletidas em uma superfície de água calma à frente, destacando a interação entre a indústria e o ambiente natural.
Unidade de recuperação energética de resíduos em Dublin, Irlanda - Clodagh Kilcoyne - 30.ago.23/Reuters

O processo em geral funciona assim: os resíduos são introduzidos em uma fornalha a uma temperatura de cerca de 1.000° C. O calor é usado para aquecer água em caldeiras, de modo a gerar um vapor que aciona turbinas ligadas a geradores elétricos.

Por um lado, a tecnologia gera energia e diminui o volume resíduos que seriam destinados a locais inadequados. Por outro, é cara e complexa. Dioxinas e furanos, subprodutos do processo de queima, são considerados altamente tóxicos e cancerígenos. Eles requerem tratamento específico e dispendioso para não escaparem do processo, mas a eficácia desses métodos ainda assim é questionada.

A primeira unidade do Brasil e da América Latina está em construção em Barueri (SP) e deve ser inaugurada em 2027 com potência instalada de 20 MW e capacidade de tratamento de 300 mil toneladas anuais.

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A estimativa é que a unidade gere uma energia equivalente ao consumo de 320 mil pessoas, suficiente para abastecer a cidade inteira de Barueri.

O projeto é uma parceria da Orizon, empresa de gestão de resíduos, com a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), e receberá aproximadamente R$ 550 milhões em investimentos, sendo 80% da primeira e 20% da segunda.

"Hoje a tecnologia está completamente consolidada, sem nenhum tipo de problema ambiental, de poluição, de saúde", diz Antonio Bolognesi, presidente do conselho da Abren (Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos).

Bolognesi afirma que a fumaça decorrente do processo é 100% tratada, com produtos químicos e filtragem, de forma que das chaminés só sai vapor de água.

Elisabeth Grimberg, coordenadora de projetos de resíduos sólidos do Instituto Pólis, diz que o monitoramento é uma dificuldade. "Um país onde não tem nem rede de esgoto para toda a população vai ter equipes fiscalizando essas emissões? Os filtros são a primeira coisa que se desliga, se tira", afirma ela, que também é cofundadora da Aliança Resíduo Zero Brasil.

Segundo Grimberg, a prática de incineração também pode dificultar esforços de redução de consumo e produção durável. "O mundo continuará a produzir plástico, isopor nessa escala? Nenhuma mudança à vista? A indústria não vai avançar para uma produção mais sustentável? É uma aposta cega no crescimento da geração de resíduos contínua."

Os resíduos utilizados no processo de recuperação enérgica por combustão vão desde pneus usados até fraldas geriátricas, que são contaminados ou não recicláveis. Mas os resíduos recicláveis podem entrar no forno também, o que é visto como ameaça à frágil cadeia de reciclagem de resíduos do Brasil.

Para Grimberg, investir nessa alternativa é um desincentivo a mudanças necessárias no modo de produção da indústria geradora de resíduos. "Por que vão mudar se existe algo que vai fazer 'desaparecer' esses resíduos sem custo para o setor produtivo?"

Uma diretiva europeia estabelece uma hierarquia para a gestão sustentável de resíduos. Reduzir o consumo está no topo, antes de reutilizar resíduos e reciclá-los. Recuperar energia e depositar em unidades de tratamento vêm por último.

A Carbogas tem outra técnica de recuperação, sem queima, a partir da gaseificação. A empresa brasileira produz CDR (Combustível Derivado de Resíduos) para alimentar um reator termoquímico em torno de 800° C. Lá, ocorre um processo de craqueamento. O gás produzido ao final pode gerar vapor ou energia elétrica.

"Não temos contaminação de solo, de lençol freático. É inegável que reduz a emissão de gases de efeito estufa. Se você for comparar com lixões ou aterros sanitários, uma tecnologia como essa é bem mais amigável ao meio ambiente", disse Felipe Barbosa, diretor técnico da Carbogas. Ele preferiu não comparar com a técnica de incineração para evitar generalizações.

Suani Coelho, pesquisadora do Instituto de Energia e Ambiente da USP (Universidade de São Paulo), diz não haver uma solução única para o excesso de resíduos. "O problema é que as pessoas tratam a recuperação energética como religião."

A professora afirma que as plantas de recuperação nem sempre são viáveis. Os projetos são caros e se encaixam somente em regiões com mais de 200 mil habitantes. Não dá para instalar unidades em todos os lugares, mas tampouco é possível reciclar tudo, com no exemplo da fralda geriátrica.

Milton Pilão, CEO da Orizon, à frente do projeto pioneiro no Brasil, considera a "discussão quase burra", já que, "no final, o objetivo dessas tecnologias é tratar o resíduo e gerar circularidade". O termo-chave, na visão dele, é "complementariedade tecnológica", ou seja, diferentes tecnologias de gestão de resíduos que se complementam.

De acordo com Pilão, a recuperação gera circularidade porque converte em energia um produto que não pôde ser reciclado.

Em 2022, o Brasil gerou quase 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, segundo o Panorama de Resíduos Sólidos da Abrema (Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente). Quase 40% disso teve destinação final ambientalmente inadequada, ou seja, foi parar em terrenos desprotegidos, rios e o mar.

"Todas são tecnologias que visam resolver um problema", continuou Pilão. "Até fico bravo quando vejo essas discussões. Existe um paciente no hospital e discutem qual medicamento administrar. Se os dois funcionam, dá logo o medicamento."

Carlos Moraes, professor de Engenharia Civil na Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), discorda de que há circularidade ou mesmo recuperação energética no processo de waste-to-energy.

Para ele, a recuperação ocorre, por exemplo, na transformação da biomassa em energia. Isso porque a planta absorve carbono da atmosfera. O elemento liberado na combustão da biomassa é o mesmo que havia sido capturado.

No caso do plástico, a dinâmica é diferente. O produto é derivado do petróleo, e o carbono estava intocado havia milhões de anos. "Não estou recuperando energia, estou gerando uma nova energia", avalia ele, para quem o método não é neutro em emissões de carbono.

Para o professor, "queimar um resíduo, depois que ele foi gerado, não tem circularidade", ou seja, faz parte de uma economia linear, e não de uma economia circular.

"Talvez a discussão seja burra para quem vai ganhar dinheiro com isso, mas não é para quem vai deixar de ganhar um pouco de dinheiro coletando materiais para reciclagem."

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