domingo, 4 de fevereiro de 2024

Governo tem ao menos 10 mil servidores em cargos obsoletos como datilógrafo e vaqueiro, FSP

RIO DE JANEIRO

Profissões como açougueiro, vaqueiro, recreador e vendedor de artesanato não costumam ser associadas ao setor público. No entanto, pelo menos 10 mil servidores no Executivo federal, ou 2% do total de permanentes, ocupam cargos em funções como essas, desde áreas obsoletas, como editor de videotape, até outras hoje exercidas por terceirizados, como cozinheiros.

Especialistas afirmam que reestruturar carreiras do Estado é principal solução para evitar a obsolescência, com servidores tendo atribuições menos específicas e capacidade de atuar em diferentes órgãos públicos.

Adotar esse modelo está nos planos de longo prazo do governo federal, de acordo com José Celso Cardoso Jr., secretário de Gestão de Pessoas do MGI (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos).

Imagem dividida em 4 quadrantes, cada um com uma ilustração de um objeto. Em ordem, mostram uma maquina de escrever, uma divisão de um carneiro em cortes de carne, um violão, um berrante, uma máquina de lavar e algumas fitas VHS.
Servidores ainda ocupam cargos como açougueiro, datilógrafo e operador de máquina de lavar no setor público federal - Catarina Pignato

O governo planeja reduzir as 250 tabelas de remuneração e os mais de 300 agrupamentos de carreiras no setor para um número mais "racional", ainda a ser determinado.

Segundo o secretário, a pasta deve publicar uma portaria neste mês com diretrizes para nortear esse processo e buscar a aderência de órgãos e servidores ao longo do mandato.

Cardoso afirma que parte dessas diretrizes estão incorporadas no Concurso Nacional Unificado, dividido em sete áreas do conhecimento. Funções que já são mais universais e com vagas abertas, como analista de tecnologia da informação, devem abastecer mais de um ministério.

"É preciso fazer o que estamos chamando de racionalização do sistema, diminuindo o número de carreiras e transformando cargos vagos e obsoletos em cargos com atribuições mais amplas e modernas, para permitir a transversalidade e mobilidade."

Hoje, há um excesso de funcionários em cargos atípicos, como afinador de instrumentos musicais e eletricista de espetáculo. Muitas dessas funções já deixaram de existir por lei, embora ainda sejam ocupados por profissionais. É o caso dos datilógrafos, cargo extinto em 2018, que ainda soma mais de 1,8 mil servidores.

Os salários variam: um operador de máquina de lavanderia, por exemplo, pode ganhar R$ 4.000, enquanto um recreador recebe cerca de R$ 7.000, segundo o portal da transparência. Os dados sobre servidores são de dezembro de 2023 do Painel Estatístico de Pessoal do governo federal.

Natanael é um homem negro careca e de olhos escuros. Ele veste uma camisa de botão bege clara. Ao fundo, é possível ver pessoas sentadas no restaurante universitário
Natanael Galvão, 60, no restaurante universitário da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) em Seropédica, na baixada fluminense; contratado como açougueiro, ele hoje é responsável pelo controle de acesso dos estudantes ao restaurante - Eduardo Anizelli/ Folhapress

Quando um cargo deixa de existir, o servidor vai ocupar outro, com salário e atribuições similares. Enquanto o processo de eliminação da função não termina, é possível que os funcionários permaneçam na posição até que o último se aposente, e aí a carreira deixa de existir.

É o que ocorreu com Natanael Galvão, 60, contratado como açougueiro na UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) em 1985.

Ele entrou como celetista, antes de os concursos serem obrigatórios. Trabalhou por dez anos na cozinha do restaurante universitário e se tornou estatutário.

Quando o restaurante passou à iniciativa privada, foi transferido para um açougue associado ao curso de zootecnia, onde preparavam as carnes para o refeitório.

Em 2011, o açougue foi fechado, e a carreira de açougueiro havia sido extinta. Natanael se tornou então auxiliar da área administrativa do restaurante, responsável pelo controle de entrada dos alunos.

"Tive que me readaptar, fazer alguns cursos, porque aqui nós mexemos com informática e computador, que não tinham a ver com minha área."

Essas ocupações são legado de uma época que a maior parte dos contratos no setor público eram de regime jurídico único com direito à estabilidade, segundo Humberto Martins, professor de gestão pública da FDC (Fundação Dom Cabral).

Parte delas são anteriores à Constituição, que determinou a obrigatoriedade de passar por concurso público para entrar no setor.

Um terço dos 10 mil servidores trabalham em funções hoje ocupadas principalmente por terceirizados ou temporários, como motoristas, trabalhadores de cozinha e de limpeza.

Antes da Constituição, contratos sem vínculo permanente eram menos comuns. O documento determinou que funcionários temporários podem ser admitidos se houver excepcional interesse público.

"A atividade não precisa estar dentro da estrutura do setor. Mesmo que esteja, pode ser exercida de outras formas de contratação que não aquela mais ligada ao exercício das funções que requerem o poder do Estado, como policiais e diplomatas", afirma Martins.

Para ele, é provável que postos com atribuições muito particulares, como vaqueiro e recreador, estejam ligados a projetos específicos dentro dos órgãos, por não terem relação direta com políticas públicas, gestão ou outras áreas de apoio, como limpeza e cozinha.

Uma parte dessas profissões atípicas já passou por mudanças na gestão de pessoas da administração pública, com cargos extintos, terceirizados ou retirados do regime jurídico único. Reestruturar carreiras seria o próximo passo, segundo especialistas.

De acordo com Vera Monteiro, professora de direito administrativo da FGV (Fundação Getúlio Vargas), adotar tal modelo em toda a gestão pública exigiria uniformização de salário e benefícios, um desafio orçamentário para o Estado.

Ela diz que, por outro lado, reestruturar cargos levaria a gestão pública a concluir que muitas atividades não deveriam estar sob o regime jurídico único.

"Não precisa acabar com a estabilidade para melhorar a gestão. Fazer um esforço para saber quais carreiras estão obsoletas e poder desligar um servidor por falta de desempenho já gera uma enorme melhora."

Segundo o secretário José Cardoso Jr., equiparações remuneratórias já são um plano do governo com orçamento previsto, uma vez que há defasagem salarial entre servidores.

Até novembro do ano passado, por exemplo, funcionários da ANM (Agência Nacional de Mineração) tinham salário menor do que os de demais agências reguladoras, quando a pasta firmou acordo de equiparação com os servidores.

Segundo Humberto Martins, ter um número excessivo de servidores estatutários gera problemas financeiros para o Estado. Esses profissionais podem ficar a vida toda no setor, mas ocupando cargos que poderiam ser temporários ou estar sob outras modalidades de contratação.

Além disso, ele afirma que a gestão de pessoas do Estado se torna menos eficiente quando há uma quantidade muito grande de profissionais para administrar.

O secretário José Cardoso Jr. diz que a atual estrutura administrativa, heterogênea e desigual, dificulta a criação de um ambiente de trabalho mais colaborativo e o engajamento dos servidores em sua área de atuação.

 

Escolas fecham o cerco a uso do celular e aumentam proibição na volta às aulas, FSP

 Laura Mattos

SÃO PAULO

Escolas públicas e particulares no Brasil e em outros países ampliam a restrição aos celulares diante de estudos que apontam graves consequências do uso excessivo do aparelho por crianças e adolescentes, tanto para o aprendizado quanto para a saúde mental.

O veto em sala de aula já se dissemina, e o banimento total no ambiente escolar começa a ser adotado, normalmente com o apoio –e até o apelo– das famílias.

Na Escola da Vila, em São Paulo, por exemplo, foi colocado nas salas do ensino médio um suporte plástico ao lado da lousa, semelhante a uma sapateira, em que os estudantes devem guardar os aparelhos desligados. "Isso tem ajudado bastante a manter o foco nas aulas", diz Pablo Soares Damaceno, diretor do ensino médio.

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Suporte para alunos colocarem os celulares desligados em sala da Escola da Vila, em São Paulo - Divulgação

Ele conta que a escola dá preferência a notebooks e tablets para atividades que envolvem a tecnologia e que, no recreio, tem incentivado a prática de esportes, música e jogos na tentativa de reduzir a dependência no celular.

O avanço das restrições foi recomendado por um relatório da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) do ano passado, contundente ao apontar estudos que mostram uma "associação negativa entre o uso das tecnologias e o desempenho dos estudantes".

À ocasião da divulgação do relatório, em julho, 1 em cada 4 países já tinha regras para restringir o celular nas escolas e, entre os que haviam anunciado o veto, estavam Espanha, Portugal, Finlândia, Holanda, Suíça e México. Desde então, o banimento vem ganhando espaço em outros países, entre os quais o Canadá e os Estados Unidos.

É um movimento oposto ao do primeiro momento do pós-pandemia, quando, depois das aulas online, as escolas entenderam que deveriam incorporar o celular, considerando também as dificuldades de sociabilização dos alunos causadas pelo isolamento.

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Da mesma forma, ampliou-se o uso de tecnologia na educação, e o celular ganhou status de ferramenta pedagógica, tendo, inclusive, o uso requisitado em sala de aula. A ideia geral era a de aproveitar o que seria o lado positivo do celular, a partir da constatação de que ninguém parecia capaz de desgrudar do aparelho.

Na prática, mostrou-se inviável conter o uso de redes sociais e jogos online pelos alunos e se percebeu que o celular, mesmo quando guardado nas mochilas, atrapalha a concentração.

Em dezembro, o Pisa (Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes) divulgou dados alarmantes, entre os quais o de que 65% dos alunos de 15 anos nos países pesquisados relataram que se distraem nas aulas de matemática com o celular. No Brasil, a média é ainda maior, chegando a 80%. Quase a metade (45%) dos estudantes disseram se sentir nervosos ou ansiosos quando estão longe do celular.

Diante dos prejuízos evidentes, o controle deverá ser mais efetivo no novo ano letivo.

Walter Borja, diretor do Colégio Nossa Senhora das Graças, o Gracinha, de São Paulo, conta que, desde o ano passado, já havia a determinação de proibir os celulares até o 6º ano em sala de aula, "mas o controle era superficial".

"Agora os celulares devem estar desligados e são colocados em uma caixa ou mantidos nas mochilas. Cada sala tem sua caixa", explica. Já a partir do 6º ano e no ensino médio, relata o diretor, antes era estimulada a utilização do celular para pesquisa e outros fins pedagógicos. "Mas agora vamos conter esse uso", afirma.

O Colégio Magno elaborou, com a participação das famílias, alunos e professores, uma nova política do uso do celular, que, a partir de agora, não será permitido nas salas de aula nem para atividades pedagógicas.

"Entendemos que, sim, contatos externos tiram o foco dos alunos e prejudicam a aprendizagem", diz a diretora Cláudia Tricate. A tecnologia, quando necessária, será utilizada por meio de outros dispositivos, como notebooks e tablets.

Francisco Manuel Ferreira, diretor pedagógico de fundamental 2 e ensino médio da Escola Viva, diz que a proibição total é cogitada para este ano, "a depender das situações que se apresentarem". Por ora, o uso do aparelho é liberado nos intervalos e em sala de aula, para fins pedagógicos, a partir do 6º ano.

"Em função de um uso excessivo e até grave do celular, como a exposição indevida de alunos em redes sociais, consideramos suspendê-lo de forma geral na escola já no ano passado, em algumas séries e por tempo determinado", afirma.

Segundo ele, o veto total tem sido solicitado pelas famílias, mas a escola ainda resiste, por considerar "que o celular faz parte da vida e que a escola é um espaço importante no processo formativo de aprender a lidar com a tecnologia".

É o mesmo raciocínio da Carandá, em que o uso é proibido até o 5º ano, mas liberado a partir do 6º nos intervalos e, com autorização do professor e para fins pedagógico, nas aulas. "Compreendemos que a educação digital é também responsabilidade da escola e que a proibição do celular no ambiente escolar somente restringe a problemática", defende a diretora pedagógica, Ligia Colonhesi Berenguel.

Nas rede estadual de ensino de São Paulo, o uso da tecnologia vem crescendo na gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), inclusive aplicativos em celular.

Questionada sobre o avanço das restrições ao aparelho contra danos a crianças e adolescentes, a Secretaria da Educação, sob comando de Renato Feder, respondeu, em nota, que "o uso do celular em sala de aula é permitido exclusivamente para finalidades pedagógicas" e que "o mau uso das tecnologias é mediado por meio do Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar (Conviva-SP), que prevê o diálogo entre estudantes e gestão escolar e, quando necessário, com a presença dos pais e responsáveis".

APOIO AO BANIMENTO

Já no Rio de Janeiro, o banimento completo ganha força. A prefeitura da capital lançou uma consulta pública em dezembro sobre a proibição total dos celulares nas escolas municipais, e 83% das mais de 10 mil manifestações da sociedade foram favoráveis.

Com isso, a gestão Eduardo Paes (PSD) publicou um decreto na sexta-feira (2) vetando o aparelho até durante o recreio —com algumas exceções.

Em agosto do ano passado, um decreto já havia proibido a utilização em sala de aula. O secretário municipal de Educação, Renan Ferreirinha, menciona a "epidemia de distrações" para defender que haja uma ampliação da restrição ao celular nos intervalos entre as aulas e até no recreio. Ele diz que, sem o celular, as crianças e os jovens têm mais tempo para aprender e conviver socialmente.

Celular guardado em mochila de estudante de escola municipal do Rio de Janeiro; no ano passado, prefeitura proibiu o uso do aparelho em sala de aula e agora prepara decreto para vetá-lo em todos os ambientes escolares - Divulgação

A Escola Parque, instituição particular reconhecida no Rio e frequentada por filhos de famosos e intelectuais, elaborou, com a participação das famílias, alunos e professores, o "plano de mudança da cultura do uso de celular", que prevê o recolhimento dos aparelhos antes do início das aulas. Entre as regras para este ano está a proibição total do aparelho por alunos do 6º e 7º, até no recreio.

Para os do 8º e 9º, o uso será liberado em três recreios por semana. O plano também prevê alternativas ao celular para os intervalos, como a organização de rodas de conversa, cineclubes, oficinas de desenho e cubo mágico e RPG.

"Já vínhamos observando os efeitos nocivos do celular nos estudantes nos últimos anos: adição, distração, redução da privacidade, instrumento para cyberbullying, entre outros", diz Thiago Vedova, orientador do fundamental 2 (6º a 9º ano).

Ele conta que fez um intercâmbio pedagógico em Barcelona, onde observou iniciativas de restrição ao celular. "É um movimento mundial, com o respaldo de pediatras, neurologistas, psicólogos e de entidades ligadas à infância e à educação", aponta.

Marcos de Vasconcellos - Além da estrutura, big techs mudaram o foco, FSP

 Ao ouvir um colega falar sobre um investimento de 12 meses com 28% de ganho, provavelmente você vai pensar tratar-se de um fundo, ação ou criptomoeda que quase ninguém conhecia. Mas a verdade é que isso acaba de acontecer com um dos índices mais populares do mundo.

Coube ao índice Nasdaq —obrigatório em todo noticiário econômico— atingir o estupendo resultado. Ele reúne, como você deve saber, ações de empresas ligadas a tecnologia, negociadas na Bolsa homônima dos Estados Unidos.

Em um ano, o nosso Ibovespa entregou ganhos de 15%; o S&P 500, que reúne as 500 maiores companhias do mundo, subiu 18%; enquanto o índice Nasdaq disparou 28%. Isso, aliás, enquanto a taxa de juros americana atingia seu maior patamar desde 2001 —drenando dinheiro do mercado de capitais.

Logos de Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft em foto ilustrativa. À frente, está um celular.
Logos de Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft em foto ilustrativa - Justin Tallis/AFP

A explicação pode parecer papo de entusiasta, mas não é. Vivemos uma revolução tecnológica com o avanço da inteligência artificial. E as gigantes do meio, apoiadas nisso, estão encontrando o caminho de uma nova eficiência.

A mudança tem seus lados ruins, como as demissões que atingiram o setor no ano passado. O site Layoffs.fyi, que contabiliza os cortes da indústria de tecnologia, soma mais de 260 mil empregos perdidos só em 2023. E tudo indica que o movimento continua.

Os balanços das gigantes Meta (dona do Facebook e do Instagram) e Amazon, divulgados na última quinta-feira (1º), mostram que as mudanças na estrutura e no foco das companhias surtiram efeito.

Na sexta, primeiro pregão após a divulgação dos resultados, as ações da Meta, de Mark Zuckerberg, subiram mais de 20%. As da Amazon, de Jeff Bezos, tiveram alta de mais de 7,5%. Ambas negociadas na Nasdaq, claro.

No quarto trimestre de 2023, a empresa por trás do Facebook viu seu lucro líquido mais do que triplicar, totalizando US$ 14,02 bilhões. Foram US$ 5,33 por ação, o que superou com folga a previsão média dos analistas de mercado, de que seriam US$ 4,82. E ainda anunciou que vai pagar dividendos, o que nunca aconteceu na história da companhia.

Ao apresentar o balanço, Zuckerberg disse que a empresa deu início a um esforço global de desenvolvimento de inteligência artificial "que será a base" de muitos de seus futuros produtos. O resultado foi uma sequência de elogios por parte dos bancos e uma corrida pela ação na Bolsa.

A Amazon também surpreendeu analistas. Lucrou US$ 10,62 bilhões no 4º trimestre de 2023, equivalente a US$ 1 por ação, enquanto a projeção era de US$ 0,80.

Dançando a mesma música que seu par do Facebook, o CEO da Amazon, Andy Jassy, afirmou que a empresa continuará trabalhando no desenvolvimento de IA generativa e que esse investimento "gerará dezenas de bilhões em receita".

A Amazon, aliás, aproveitou o evento para lançar um novo assistente de compras: uma plataforma de inteligência artificial batizada como "Rufus". Ficou claro que, muito além de cortar custos, as gigantes de tecnologia mudaram o rumo dos gastos. E o mercado aplaudiu.