domingo, 3 de setembro de 2023

OTAVIANO HELENE A superioridade do setor público na área educacional, FSP

 

Otaviano Helene

Professor sênior do Instituto de Física da USP, ex-presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e autor, entre outros, de “Um Diagnóstico da Educação Brasileira e de seu Financiamento” (Autores Associados)

educação escolar é fundamental para o desenvolvimento social e cultural de um país, bem como para seu crescimento econômico. Portanto, investir nesse setor é essencial e isso deve ser feito da forma mais eficiente possível. E qual é essa forma?

Se o critério for o desempenho estudantil na educação básica, os dados divulgados pelo Inep, pelo IBGE e pelos governos indicam que, dadas as mesmas condições extraescolares (tais como renda e escolarização dos familiares, entre outras), estudantes do setor privado só apresentam desempenho equivalente ao de seus colegas do setor público quando os investimentos por aluno são significativamente maiores. Portanto, desse ponto de vista estritamente financeiro, o melhor a fazer é optar pela educação pública, em especial no caso de países com economias limitadas, como é o caso do Brasil.

Do ponto de vista da formação de profissionais de nível superior, também o setor público é mais eficiente quando o critério é apenas econômico. O custo de manutenção de um estudante na Universidade de São Paulo, por exemplo, é inferior ao de um mesmo curso e com a mesma qualidade oferecido pelo setor privado.

Em vários outros aspectos, o setor público também é melhor. Os dados indicam que os efeitos das diferenças extraescolares no desempenho estudantil são menores no setor público que no setor privado.

Considerando que a educação escolar é um fator determinante na inserção social e econômica, se superar as nossas desigualdades extremas —regionais, de renda, étnicas, de gênero, entre campo e cidade etc.— for um objetivo, a opção pela educação pública em todos os níveis é a melhor.

Quanto ao ensino superior, como as instituições públicas são gratuitas, elas independem do poder aquisitivo da população para definirem os cursos que oferecem ou a região onde se instalam —o que, evidentemente, não ocorre com o setor privado. Além disso, as instituições públicas frequentemente oferecem apoio aos estudantes mais desfavorecidos, como alojamento, alimentação, atendimento à saúde e bolsas de permanência.

Um aumento dos recursos destinados à educação pública em todos os níveis, tanto para melhorar as condições de trabalho e de estudo, em especial na educação básica, como para aumentar o atendimento, em especial no nível superior, seria extremamente vantajoso para o país.

Infelizmente, a sanha privatista, os imorais discursos fundamentalistas, o ódio ao conhecimento e aos professores e professoras, os negacionismos, os interesses dos grupos economicamente dominantes, entre tantos outros entraves, têm criado uma grande dificuldade para o desenvolvimento da educação em nosso país.

Se quisermos no futuro um país soberano, com quadros profissionais bem preparados e em quantidade suficiente para responder às necessidades da população, menos desigual, socialmente e culturalmente desenvolvido, formado por pessoas capazes de entender o mundo, desenvolver sua potencialidade e aproveitar plenamente sua liberdade, é necessário enfrentar essa dificuldade.

Ser rico não é pecado, João Camargo, FSP

 João Camargo

Presidente do conselho da Esfera Brasil

A semana começou com o anúncio de uma medida provisória que prevê a taxação dos chamados "fundos exclusivos" e com um projeto de lei, já enviado ao Congresso, que cria uma tributação anual sobre rendimentos de aplicações em offshores. Ambas as medidas têm o objetivo declarado de combater desigualdades e aumentar as receitas do governo, mas será que a taxação dos "super-ricos" funciona na prática?

A julgar pela experiência internacional, sobretudo a da Europa, onde essa agenda avançou como em nenhuma outra parte do mundo, a resposta é não. Tanto que nações como Alemanha, Holanda, Itália, Irlanda, Dinamarca e Áustria, para citar algumas, revogaram recentemente seus impostos sobre riqueza líquida. De acordo a Tax Foundation, só dois países europeus ainda mantêm uma taxação sobre fortunas stricto sensu: a Suíça, onde, por outro lado, há inúmeros incentivos locais oferecidos aos investidores, e a Noruega.

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Fundos exclusivos somam aproximadamente R$ 877,4 bilhões dividos em cerca de 2,8 mil fundos e 3,5 mil cotistas, segundo dados da TC/Economatica. - Catarina Pignato - Catarina Pignato

A razão para esse fracasso é simples: num mundo globalizado, o rico tem uma mobilidade financeira enorme, conseguindo alocar seu dinheiro em lugares mais atrativos de forma quase instantânea. A taxação dos "super-ricos", defendida como ferramenta de justiça social, acaba resultando, paradoxalmente, em queda de arrecadação e em piora dos indicadores sociais, haja vista que é o investimento do empresariado que gera riqueza, inovação e emprego.

A história da França ilustra bem essa lógica. O país adotou uma postura fiscal draconiana, resultando na fuga de mais de 200 bilhões de euros (ou R$ 1,2 trilhão) em duas décadas, segundo uma revista especializada. Muitos devem se lembrar de quando, em 2012, o ator Gérard Depardieu mudou seu domicílio fiscal para a Bélgica, mas há relatos desde os anos 1980 de autoridades francesas procurando dinheiro escondido nos porta-malas de veículos que seguiam para a Suíça, tamanha era a fuga de capitais.

Lula assinou a medida provisória durante cerimônia no Palácio do Planalto, com presença do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) - Folhapress

Em 2018, porém, o governo decidiu revogar a tributação sobre renda líquida e, adivinhe só, o dinheiro voltou. No ranking "World Wealth Report", a França aparece hoje como o terceiro país com mais milionários.

Talvez o leitor considere esses exemplos descabidos, já que a realidade europeia é muito diferente da brasileira. Olhemos, então, para o caso da Argentina, que aprovou em 2020 um imposto "extraordinário" (logo convertido em lei) sobre grandes fortunas. No primeiro ano de vigência do novo imposto, o governo arrecadou um valor 74% menor que o esperado. Enquanto a Argentina taxava seus ricos, o vizinho Uruguai flexibilizava as regras para permanência de estrangeiros abastados e atraía centenas de milionários argentinos.

A duras penas, todos esses países aprenderam ou estão aprendendo que a taxação dos "super-ricos" é ineficaz. Ela é difícil de ser fiscalizada, está sempre sujeita a alguma dose de arbitrariedade e produz receitas muito aquém das estimadas. Mas a questão não se resume aos números. Há também argumentos políticos e morais que nos fazem olhar com apreensão para os anúncios recentes do governo brasileiro.

A retórica que acompanha o debate sobre a taxação dos "super-ricos" é deletéria. O brasileiro que construiu seu patrimônio deve ser admirado como o protagonista de uma jornada de sucesso. Ele não apenas representa um exemplo de realização, como contribui, muito concretamente, para o desenvolvimento nacional. É ele quem investe, empreende, assume riscos, inova, cria riquezas, gera emprego e paga enormes somas de tributos. Ele é peça fundamental da máquina que produz crescimento econômico.

Portanto, o momento é de diálogo com o governo, com o Congresso Nacional e com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que sempre se mostrou aberto às demandas dos mais diferentes setores da sociedade. Só esse diálogo franco, plural, permitirá construir um caminho responsável. O combate às desigualdades e a recomposição das contas públicas são desafios de suma importância, mas que precisam ser vencidos sem rasgos de tirania, sem aumentar nossa já asfixiante carga tributária e, sobretudo, sem medidas que comprometam a capacidade do empreendedor brasileiro de continuar investindo no futuro do país.


Muniz Sodré - A vez dos boquirrotos, FSP

 A imprensa tem se referido a um tipo novo de advogado em Brasília, o "falador", que dirige aos holofotes uma algaravia totalmente contrária às ações e pretensões dos clientes. Acontece principalmente nos discursos de defesa dos civis e militares implicados no imbróglio dos regalos sauditas. A descrição coincide com a divulgação do best-seller de autoajuda intitulado "O Poder de Manter a Boca Calada num Mundo Infinitamente Barulhento" (Dan Lyons). Palavroso, o título é praticamente um oxímoro para o sentido visado pelo autor, mas gira em torno da virtude de não falar demais.

Detalhe da estátua da Justiça na praça dos Três Poderes, em Brasília - Fellipe Sampaio - 16.jun.23/STF

"Se as palavras queimam a boca, a cura é o silêncio". Este aforismo nagô é antigo e recomendável. Mas também o pensamento ocidental sempre teve um pé atrás com o que chamava de verbalismo, entendido como o caráter vazio do discurso, da profusão de palavras sem conteúdo. No palavreado que constitui a linguagem de todo mundo está o poder da compreensão instantânea, mas também o risco de inautenticidade da expressão.

Daí sustentar Mark Twain que "a verdade é mais estranha do que a ficção, porque esta é obrigada a se agarrar a possibilidades, enquanto a verdade não é". Ou seja, não é preciso falar muito para dizer a verdade. E ele ainda garante que, "se os animais pudessem falar, o cachorro seria um sujeito franco, mas boquirroto, ao passo que o gato teria a graça rara de nunca dizer uma palavra demais".

Sábios, filósofos e até os animais têm muito a ensinar sobre o falatório, reiterando que falar não significa descarrego fonético, e sim articulação simbólica com o entorno humano por meio de representações significativas. E o sentido, sempre histórico e mutável no diálogo, implica abertura, por discurso e ações, do laço socialmente coesivo.

Disso se ressente o circuito da fala nas redes sociais, onde o senso comum se perde no êxtase da palavra instantânea, aproximando-se do psitacismo, a fala do papagaio. No automatismo das proposições insensatas, desaparece a condição de poder afirmar algo como verdadeiro. Com o sentido fora de lugar, o sujeito fala para si mesmo,

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Aos ouvidos da nação, Brasília é hoje, tanto quanto as redes, a capital federal do delírio linguístico, que varia da arlequinada legislativa às rabularias judiciais. Vale atentar a alguns ministros supremos, cujos votos sem coerência semântica se reprovariam como palavrório em qualquer prova de redação do Enem.

É que, na pós-era do "notável" saber jurídico, resta-lhes o poder monocrático de dar corda, como num relógio, a uma linguagem declamatória de si próprios: magistrados-palestrantes. No Terceiro Reich, mecanizavam-se as condutas, falando sem dizer. Entre nós, a crise pública do sentido é a corrupção das palavras pela repetição descerebrada de boquirrotos.