quarta-feira, 15 de junho de 2022

PAULO VINICIUS COELHO (PVC) O Vale do Javari e nosso eterno vale-tudo, fsp

 Paulo Vinicius Coelho (PVC)

Jornalista e autor de “Escola Brasileira de Futebol” (ed. Objetiva), é colunista da Folha

A Rede Globo exibia a novela "Vale Tudo" em 22 de dezembro de 1988, data em que Chico Mendes foi brutalmente assassinado em Xapuri, no Acre, pelo filho do fazendeiro Darly Alves da Silva. Cazuza cantava a música de abertura da trama, cujo refrão era: "Brasil! Mostra a tua cara, quero ver quem paga, pra gente ficar assim. Brasil! Qual é o teu negócio? O nome do teu sócio? Confia em mim".

O governo José Sarney (1985-1990) promulgou a nova Constituição e, mesmo assim, havia quem xingasse a democracia por exclusiva culpa de um governo incapaz de combater problemas sociais graves. A inflação anual era de 980% no mês do homicídio de Chico Mendes.

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O ecologista acreano havia ajudado a aglutinar os seringueiros da Amazônia e foi condecorado pela ONU, no ano anterior, por seu ativismo a favor do meio ambiente. O assassinato teve enorme repercussão internacional, enquanto Cazuza cantava outro de seus versos, também da canção "Brasil": "O meu cartão de crédito é uma navalha".

Faz 34 anos e o país voltou a ser o mesmo? Tem inflação e remarcação de preços em níveis inferiores aos do final dos anos 1980, mas com brasileiros percebendo preços diferentes a cada visita ao supermercado.

A violência cresce, e a polícia invade comunidades no Rio de Janeiro, como a PM do ex-governador Orestes Quércia fazia a desocupação da Vila Socialista, em Diadema (1990), de forma impositiva e arbitrária.

Acima de todas as trágicas semelhanças, o jornalista inglês Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira são possivelmente mortos no coração da Amazônia. O Vale do Javari está para 2022 como Xapuri estava para 1988.

O Brasil não poderia ser diferente 34 anos depois?

Há poucos dias, parte do país se lembrou de que se completaram 30 anos da Eco 92, no Rio de Janeiro. A conferência foi importante, um marco para os debates sobre Justiça e meio ambiente. Estávamos três anos e meio depois da morte de Chico Mendes.

Os anos 1990 e a primeira década do século 21 deram a ideia de que o Brasil poderia melhorar. Faltaram as reformas, o investimento em educação e saúde, mas a esperança voltou aos rostos de pessoas —exceto para aquelas que lamentaram o sucesso da empregada doméstica que podia ir à Disney.

Então, nossa carruagem virou abóbora.

Dom Phillips nasceu no Merseyside e poderia sentar-se em Anfield para ver o Liverpool, de Jürgen Klopp. Sempre preferiu o trabalho árduo pelo meio ambiente. Como Bruno Pereira, funcionário de carreira da Funai exonerado em 2019 por pressão de ruralistas —um ano depois de ter chefiado a maior expedição em 20 anos para contato com indígenas isolados.

Os dois embrenharam-se pela Amazônia em busca de justiça e foram ameaçados por madeireiros, garimpeiros e pescadores, antes dos possíveis brutais assassinatos.

O cardápio completo para demonstrar que o Brasil não saiu —ou pior, voltou— ao século passado. Mais precisamente a 1988. O nosso atual vale-tudo tem inflação, misoginia, racismo e homicídio de quem defende respeito, igualdade, inclusão e meio ambiente.

Cazuza já cantava há 34 anos: "Será que é o meu fim ver TV a cores, na taba de um índio, programada para só dizer sim?".

Deirdre Nansen McCloskey O cristianismo e o liberalismo, FSP (definitivo)

 O cristianismo, como o islamismo, o hinduísmo ou o que quer que seja, pode se encaixar em qualquer posição política.

As pessoas que vão à igreja regularmente, ouvindo piedosamente os Dez Mandamentos e o Sermão da Montanha e, no momento em que recebem a hóstia, decidindo em seu íntimo que se esforçarão para fazer melhor, durante o resto da semana não têm problema nenhum em agir no sentido contrário.

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Considere aquele chato sexto mandamento, aquele que fala em não matar pessoas. Fotos de 1914 mostram padres abençoando exércitos inimigos, alemães, franceses ou russos. Saíam para matar aqueles outros em nome do Cristo Redentor.

Na Europa do Leste de hoje, as igrejas Católica e Ortodoxa se alinharam a um nacionalismo assassino, à homofobia e a outras tiranias. No Brasil e nos EUA, evangélicos adotaram uma política igualmente conservadora. E, do lado da esquerda, a velha Teologia da Libertação, na qual o papa Francisco foi formado na Argentina, se alinha cautelosamente ao socialismo, abençoando exércitos de burocratas e polícias secretas. "Os comunistas roubaram nossa bandeira", disse o papa. "A bandeira dos pobres é cristã".

Mas um cristianismo verdadeiro rejeita as coerções, sejam da esquerda, sejam da direita. O cristianismo se harmoniza com um liberalismo que de fato melhorou a situação dos pobres. Não é graças à nação ou ao governo que você vive em situação 20 vezes melhor que a de seus antepassados, mas porque seus antepassados e você desfrutaram da liberdade de inovar.

A inovação não envolve apenas inventores famosos ou grandes empreendedores. Seu tataravô, camponês saído de Palermo, inovou --e muito-- quando embarcou num navio com destino ao Rio de Janeiro. Pense um pouco nesse exercício de liberdade e coragem.

O livre-arbítrio, que pela teologia cristã nos é concedido por Deus, combina com a liberdade de escolha na economia. Não estamos falando em coerção pecaminosa, entenda, mas nas transações feitas entre adultos livres. É sua vida normal nos mercados, comprando ou vendendo feijão. Já a direita e a esquerda nos convertem em escravos de suas próprias versões da vontade do povo --no caso da direita, nos submete a um propósito nacional glorioso, ou, no caso da esquerda, a um plano econômico central.

O papa Francisco e seus assessores econômicos, entusiastas desses exércitos de burocratas, desdenham do liberalismo, descrevendo-o como a "trickle down economics" (a teoria do gotejamento). Nada disso. A direção é de baixo para cima, partindo da liberdade individual. E o fluxo não é um gotejamento, é um verdadeiro jato. Deus o abençoe.

Tradução de Clara Allain

Cobrança de mensalidade em universidade pública poderia vir pelo IR, Hélio Schwartsman- FSP (Bela Ideia)

 No Brasil, certas discussões são eternas. Estão nesse rol a liberação do aborto, a legalização das drogas e a cobrança de mensalidades em universidades públicas. Defendo todas as três, mas não creio que as verei em vida. São assuntos que se tornaram tão ideologizados que o debate fica travado. Às vezes, nessas situações, reapresentar a ideia sob uma nova roupagem pode derrubar as resistências. Dizem que a essência da diplomacia é encontrar novos "frames" (enquadramentos) para problemas velhos. Acho que há um mecanismo desses para a questão das universidades.

A meu ver a cobrança seria justa, porque o título universitário costuma conferir a seu detentor um significativo aumento de renda. Médicos e engenheiros ganham entre 15 e 20 vezes mais do que a mediana salarial do país. E isso ao longo de toda a vida laboral. Usar dinheiro dos impostos para financiar a formação desses profissionais configura um indefensável subsídio dos mais pobres para os mais ricos.

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O prédio central (P1) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em Seropédica - Marcelo Regua - 26.mar.2013/Folhapress

Daí não decorre que introduzir as mensalidades seja simples. Muitos alunos não têm condições de pagar. Criar uma burocracia universitária encarregada de descobrir quem pode parece péssima ideia. E universidades públicas costumam fazer pesquisa e manter hospitais universitários. São atividades caras, de modo que as mensalidades cobririam só parte do orçamento. Para muitos, nem vale a pena gastar energia com a cobrança.

Uma fórmula para superar esses impasses é trocar a cobrança durante o curso por um compromisso futuro. Pessoas que tenham cursado universidades públicas se comprometeriam a pagar, durante um tempo, um adicional de Imposto de Renda (IR) para ressarcir o erário. A vantagem desse sistema é que ele dispensa o exercício quase metafísico de separar os que podem dos que não podem e é adoravelmente progressivo. Ele pegaria só os estudantes que viessem a experimentar sucesso profissional a ponto de pagar IR.