segunda-feira, 10 de agosto de 2020

A flexibilização do plano de volta às aulas é adequada?, OESP


'Estadão' convidou dois especialistas para debater o assunto

Redação, O Estado de S.Paulo

07 de agosto de 2020 | 17h56

A volta às aulas no Estado de São Paulo foi adiada para 7 de outubro, mas o governo vai permitir que escolas em regiões que estão na fase amarela há mais de 28 dias possam reabrir. O modelo vai favorecer instituições particulares, que já se declaram prontas para funcionar, e têm feito pressão para a abertura. O retorno opcional, segundo o governador, deve ser feito em consulta a pais e estudantes e vai depender da decisão também de cada cidade.

A questão vem sendo debatida por pais, educadores e especialistas em saúde. Afinal, é mesmo hora de permitir que as escolas reabram neste momento em que a pandemia ainda é motivo de preocupação? O Estadão convidou dois médicos para opinar sobre a retomada das aulas. Com visões antagônicas, eles justificam suas opiniões com argumentos embasados.

Evaldo Stanislau de Araújo, médico infectologista do Hospital das Clínicas da USP e membro da diretoria da Sociedade Paulista de Infectologia

Evaldo Stanislau de Araújo, médico infectologista do Hospital das Clínicas da USP e membro da diretoria da Sociedade Paulista de Infectologia
Evaldo Stanislau de Araújo, médico infectologista do Hospital das Clínicas da USP e membro da diretoria da Sociedade Paulista de Infectologia Foto: Reprodução YouTube

Sim. Em condições epidemiológicas favoráveis e com protocolos de segurança rigorosos! E não entendo que reabrir escolas possa ter um impacto significativo na evolução da COVID no Brasil. Se o número de casos em uma cidade ou região específica está em queda de maneira sustentada, o que podemos inferir é que há menos circulação viral. Enfatizando que estamos falando de quatro semanas na fase amarela em São Paulo, um período maior de segurança do que os 14 dias habituais.

Como no Brasil, não fizemos lockdown, mas também não ficou todo mundo na rua, criamos um inédito limbo. Parece claro que a exposição continuada ao vírus ocorreu. Então, agora, ou a circulação viral diminuiu de fato ou algum grau de imunidade se desenvolveu. Ou ambos. Mas é essencial destacar que se de fato chegamos a uma possível imunidade de rebanho isso foi pagando um preço inaceitável do ponto de vista ético e moral: são quase 100 mil brasileiros mortos. E outros tantos infectados. E entendo que, já que perdemos o momento de fazer o lockdown, estando lojas, bares e shoppings abertos, devemos considerar abrir as escolas também. Não podemos ser insensíveis à necessidade da educação e do papel social que a escola cumpre. Com controle e protocolos rigorosos, factíveis e efetivos.

Não será uma volta para como a escola era antes. É preciso ver quais as atividades pedagógicas presenciais são essenciais e quais podem ser feitas remotamente. Deve haver distanciamento das crianças, salas mais vazias, janelas abertas. E é crítico que todas as crianças, professores e funcionários estejam usando corretamente as máscaras. Infelizmente não há risco zero de contágio. Mas podemos minimizá-los ao extremo ao adotar protocolos rigorosos e estratégias já em prática em outros países. Com o conhecimento que temos hoje de como o vírus se transmite e adotando medidas de segurança, acho possível voltar às aulas, sobretudo para as crianças mais velhas e adolescentes, e entendo que a educação e o papel social da escola sejam essenciais.

Gonzalo Vecina Neto, médico sanitarista

Gonzalo Vecina Neto, médico sanitarista
Gonzalo Vecina Neto, médico sanitarista Foto: Felipe Rau/Estadão

Não. Eu como médico acho injustificável enfrentarmos mais mortes. Reconheço a importância da educação e da presença de nossas crianças e jovens na escola como medida também de socialização. Mas não acho justificável neste momento da pandemia o retorno às aulas e me refiro ao Brasil.

Não vejo por que fazê-lo nem com as medidas que promovam a divisão dos alunos em grupos menores. Estamos na maior parte do Brasil em um platô elevado de casos e de mortes. Pelas pesquisas de soroprevalência temos não mais do que 10% da população afetada pela doença.

Os alunos serão eficientes carreadores de vírus entre suas casas, famílias e as escolas e poderemos ter um grande número de casos e de mortes. A epidemia se alimenta de encontros e será isto que a volta às aulas propiciará! Noto sobretudo o sucesso que foi a suspensão das aulas - os pronto socorros estão vazios - as doenças típicas do inverno não estão ocorrendo graças a esse afastamento.

Não acho aceitável o número de mortes que já temos e que poderia ser muito menor, não aceito mais mortes para não perder um ano já perdido! 


domingo, 9 de agosto de 2020

Centro de São Paulo atrai novos moradores, mas vazio habitacional ainda preocupa, OESP

 Bianca Zanatta

09 de agosto de 2020 | 06h03

Especial para o Estado

Ainda que a procura por imóveis no Centro de São Paulo tenha sofrido queda desde o começo da pandemia do novo coronavírus, empresas do setor imobiliário que apostam na região estão comemorando bons resultados.

De acordo com dados divulgados pela Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), no segundo trimestre de 2020 foram concedidos 10 alvarás para construção de prédios residenciais no Centro de São Paulo – 150% a mais do que no mesmo período do ano passado. Em 12 meses, somaram-se ao todo 37 alvarás para a região central, com destaque para Bela Vista, Santa Cecília, República e Liberdade.

Com o lançamento do Downtown Nova República inicialmente planejado para março, a incorporadora Setin se viu obrigada a adiar os planos quando foi decretado o isolamento social. “No início de junho, acompanhando a demanda do mercado e a flexibilização da quarentena, reagendamos o lançamento para 25 de julho”, conta o diretor comercial Evanilson Bastos. Das 342 unidades do projeto, que se dividem entre estúdios e apartamentos, 274 já foram vendidas.

O empreendimento é o oitavo da linha criada pela incorporadora com produtos similares em bairros como Consolação, Bela Vista, Luz e Sé, todos na região central de São Paulo. O Nova República será erguido ao lado do já entregue Praça da República, que teve as unidades liquidadas.

“Vejo dois perfis de comprador”, diz o executivo. “O investidor, que compra para locar e acredita no movimento e na valorização do Centro; e o público que compra para morar, que tem um estilo de vida alinhado a tudo que a região oferece.” Ele diz acreditar que os paulistanos continuarão a preferir movimento, relacionamento e interação na hora de escolher um endereço. “A quarentena nos apresentou novos costumes, mas nossa essência não muda.”

Essa é também a opinião de Cyro Naufel, diretor de atendimento da Lopes Imobiliária, que teve 6,6 mil unidades lançadas nos últimos 36 meses em bairros como Liberdade, Santa Cecília, Bela Vista e o Centro propriamente dito. Foram comercializados 81% dos apartamentos. Segundo ele, houve crescimento de buscas por casas, coberturas e imóveis fora da capital no site da empresa, mas é uma demanda específica.

“Acredito que o comprador do Centro não se insere nesse perfil e também encontra nos empreendimentos oferecidos na região as novas necessidades que a pandemia criou, como deslocamentos curtos e possibilidade de home office”, analisa.

Guilherme Neves optou por morar em estúdio na República. Foto: Alex Silva/Estadão

Conforto, mobilidade e conexão com a cidade foram os pontos que levaram o advogado Guilherme Neves, de 27 anos, a morar no Centro. No final de 2018, ele e a namorada, a assistente jurídica Victória Linn, de 24 anos, resolveram morar juntos e optaram por um estúdio na República.

O advogado diz que a Prefeitura tem concedido benefícios para fomentar o crescimento do local, mas acha que ainda há muito a melhorar em questões sociais e de segurança pública. “Recentemente vi notícias de que algumas empresas e escritórios estão se mudando para o Centro e acho isso fantástico”, comenta. “A região tem um potencial incrível e cabe ao Estado e à sociedade explorá-lo.”

Com a chegada da quarentena, ele conta que as ruas pouco povoadas trouxeram uma sensação maior de insegurança, mas o momento não abalou o gosto pelo bairro. “A escolha (do imóvel) se deu por uma conexão com a região, mas também por ela permitir fácil e rápido acesso aos principais locais de trabalho, saúde, entretenimento e lazer”, explica.

Mesmo com a reabertura gradual do comércio, o casal continua evitando frequentar lugares públicos sem necessidade, mas no último final de semana deu uma escapada para tomar sorvete nas calçadas do Centro. “Foi bom para sair do apartamento e aproveitar o dia bonito. As ruas estavam com uma movimentação relevante, bem maior que um mês atrás.”

Perfil do morador e vazio habitacional

A incorporadora TPA, que transformou em residencial o antigo Edifício Irradiação, na Avenida Senador Queirós, levantou 13 empreendimentos na região nos últimos anos. Os primeiros, lançados entre 2007 e 2009, tinham unidades maiores e um público heterogêneo. De 2015 para cá, o perfil mudou para pessoas de até 30 anos ou com mais de 50 em busca de unidades compactas.

“As vendas estão evoluindo conforme a gente esperava”, afirma Mauro Teixeira Pinto, sócio-diretor da TPA, que credita a continuidade dos negócios à queda da taxa de juros e ao fato de as obras não terem parado. “Há também a própria natureza do que a gente faz, que é residência, e as pessoas estão mais em casa agora”, diz.

Os incentivos da Prefeitura são um fator que preocupa o empresário. “Tem uma coisa muito séria acontecendo, que é a intenção de taxar bairros como República e Sé, que hoje não são taxados justamente para atingir o potencial construtivo total”, alerta.

Ele afirma que, se aprovada, a taxação vai encarecer as unidades e empurrar o público para a periferia, induzindo novamente ao movimento pendular de transporte e todos os custos que isso acarreta para o cidadão. “Ao meu ver é um erro urbanístico importantíssimo que vai na contramão do que está sendo feito no mundo inteiro.”

Achar o equilíbrio entre o público e o privado é um dos desafios do Projeto de Intervenção Urbana (PIU) para o setor central da cidade, segundo o Secretário de Desenvolvimento Urbano Fernando Chucre. “A prioridade é ocupar esse vazio habitacional que existe com incentivos à produção de novas unidades para diversas faixas de renda e retrofit, em que imóveis subutilizados são recuperados”, diz.

Guilherme Neves acredita no potencial da região, mas afirma que pode melhorar em questões sociais e de segurança pública. Foto: Alex Silva/Estadão

O projeto ainda não seguiu para votação na Câmara Municipal porque a questão da cobrança de outorga no distrito Sé-República gerou discussão com o setor imobiliário. “A outorga vira recurso para o Findurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano), que financia as obras de interesse geral, como calçadões e habitação social”, explica. “Estamos tentando uma arrecadação intermediária e oferecer bônus em metros quadrados para construir outros empreendimentos. A ideia não é dificultar e sim incentivar o setor produtivo.”

Insegurança e vulnerabilidade social

Apesar de o Centro ser estatisticamente uma das regiões com o menor número de assaltos e homicídios da cidade, ele fala que gera maior sensação de insegurança por ficar vazio, principalmente à noite. “Hoje 95% dos recursos vão para áreas vulneráveis da periferia, mas é importante também requalificar o Centro”, completa o secretário.

Para a arquiteta e urbanista Simone Gatti, representante do Instituto de Arquitetos do Brasil em São Paulo (IABsp) no Conselho Municipal de Política Urbana e na Comissão Executiva da Operação Urbana Centro, a revitalização está atrelada ao mercado imobiliário, mas não depende só dele.

“A região possui necessidades bem específicas, centradas em três pontos principais: imóveis vazios e subutilizados, precariedade habitacional e vulnerabilidade social”, analisa.

Ela fala que, se a tendência de home office iniciada pela quarentena se mantiver, a estratégia do PIU Setor Central, baseada na atratividade do mercado, pode sofrer um impacto negativo.

“Não há uma política efetiva de melhoria da habitabilidade dos cortiços existentes no Centro ou para os sem-teto que ocupam imóveis vazios”, prossegue. “Sem resolver essas questões, continuaremos a enxugar gelo e o Centro continuará precário, vulnerável e muito pouco atrativo, considerando o aumento das desigualdades sociais acentuadas com a pandemia do covid-19.”


Rodrigo Zeidan EUA ou China, qual o império do futuro?, FSP

 Com o crescimento chinês e a desastrada gestão da pandemia pelo governo Trump, será que a China desbancará os Estados Unidos como maior potência mundial?

Não nas próximas décadas, por uma razão em especial: os EUA, antes de serem a maior potência bélica, concentram os principais centros de pesquisa e desenvolvimento do mundo.

Não é à toa que as Faang (Facebook, Amazon, Apple, Netflix e Google, agora chamada de Alphabet) valem muito mais do que antes do início da pandemia; US$ 5,5 trilhões hoje, ante US$ 4,1 trilhões em janeiro. Os valores são astronômicos, mas não caia na tentação de compará-los com o PIB brasileiro (cerca de US$ 1,5 trilhão). PIB é fluxo e, se for para contrapor, a receita total das Faang deve ser de US$ 860 bilhões neste ano, ou mais da metade de tudo a ser vendido no Brasil em 2020.

Também mais relevante que o valor de um punhado de empresas é que os investimentos em P&D (pesquisa e desenvolvimento) nos EUA são 50% a mais que o total investido na China (15% a mais se ajustarmos pelos custos mais baixos no maior país do Oriente) e três vezes mais que no Japão.

Wang Yi, ministro de Relações Exteriores da China, durante entrevista à agência Xinhua, em Pequim
Wang Yi, ministro de Relações Exteriores da China, durante entrevista à agência Xinhua, em Pequim - Zhai Jianlan - 5.ago.20/Xinhua

economia americana é a mais dinâmica do mundo pela combinação de escala, ambiente para empreendedorismo, instituições de ensino de ponta e elevada demanda por tecnologia.

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Em 2020, serão investidos US$ 600 bilhões em P&D nos EUA. As esferas do governo americano, incluindo todo o complexo militar, respondem por US$ 160 bilhões desse valor. A maior parte vem mesmo das empresas privadas não relacionadas a tecnologias bélicas: pouco mais de US$ 380 bilhões. E são também as empresas privadas as que mais suprem as necessidades de pesquisa da sociedade: US$ 365 bilhões, com as universidades vindo em segundo lugar: US$ 90 bilhões.

No eixo central americano das buscas por novas tecnologias estão as instituições de ensino superior, roubando muitos dos melhores cérebros do mundo. Embora a distância para os EUA esteja diminuindo, ainda falta longo caminho para a China percorrer.

Nos EUA, os investimentos com P&D são 2,8% do PIB; na China, tais investimentos não chegam a 2% da renda nacional. Em alguns países, como a Coreia do Sul e Israel, desembolsos em novas tecnologias passam de 4% do PIB (no Brasil, ridículo 1,2% do PIB), mas os mercados locais não são grandes.

A China, assim como fez o Japão no passado, tenta criar ambiente propício à inovação. As empresas privadas já são, de longe, as que mais investem em P&D no país. Falta também um salto de qualidade, mas dá para prever que, em poucos anos, Made in China será sinal de qualidade.

Essa é a corrida que importa, e não se a China está comprando óleo de Angola, emprestando para obras no Paquistão, ou adquirindo terras na América Latina.

Trump pode realmente comprometer o futuro norte-americano pelo seu populismo de quinta categoria. Hoje, muitas famílias ainda planejam mandar seus filhos para as melhores universidades americanas, e novos empreendedores sonham em buscar recursos no Vale do Silício. Será assim no futuro?

Ainda é cedo para prever a derrocada do império, mas, se vier, será pela perda de proeminência da pesquisa americana. Os ataques contra a Huawei e TikTok são sinais de fraqueza. Mas absurdas mesmo são as tentativas de barrar imigrantes qualificados e limitar o número de alunos estrangeiros.

Populismo gera decadência, mas, mesmo com grande esforço de Trump, o dinamismo das empresas deve manter a superioridade americana por um tempo. Por um tempo.​

Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.