sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Posição do Brasil sobre crise no Oriente Médio opõe militares e ala ideológica, FSP

Militares tentaram em vão que Bolsonaro não endossasse o ataque em Bagdá

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BRASÍLIA
tom que o presidente Jair Bolsonaro adotou para se referir à escalada de tensões no Oriente Médio nesta sexta-feira (3) opôs as alas militar e ideológica do governo.
Os militares tentaram em vão que Bolsonaro não endossasse o ataque em Bagdá autorizado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que matou o general iraniano Qassim Suleimani.
A ação dos EUA levou a um acirramento da crise dos EUA com o Irã. O líder supremo do país persa, aiatolá Ali Khamenei, pediu "vingança inplacável" e anunciou três dias de luto nacional.
Depois de manter silêncio durante todo o dia, Bolsonaro expôs a posição brasileira em uma entrevista ao jornalista José Luiz Datena, na TV Bandeirantes. Ele seguiu a linha sugerida pelo ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e pelo assessor especial da Presidência Filipe Martins (expoentes do setor mais ideológico do governo), criticou o regime iraniano e disse que o ataque norte-americano se justifica num contexto de combate ao terrorismo.
“A nossa posição é a de se aliar a qualquer país do mundo no combate ao terrorismo. Nós sabemos o que em grande parte o Irã representa para os seus vizinhos e para o mundo”, declarou Bolsonaro.
Jair Bolsonaro ao lado do General Augusto Heleno no Superior Tribunal de Justiça.
Jair Bolsonaro ao lado do General Augusto Heleno no Superior Tribunal de Justiça. - Pedro Ladeira/Folhapress 7.nov.2018
Ele também disse que Suleimani teve envolvimento no atentado de 1994 à AMIA (Associação Mutual Israelita Argentina), que vitimizou 85 pessoas. Procuradores argentinos acusaram formalmente o governo do Irã de planejar o ataque.
“A vida pregressa dele [Suleimani] era voltada em grande parte para o terrorismo. E nós, tudo o que pudermos fazer para combater o terrorismo, assim o faremos”, acrescentou o presidente.
O posicionamento expressado por Bolsonaro foi reforçado por uma nota divulgada na noite desta sexta pelo Itamaraty. Nela, a chancelaria diz que o Brasil apoia a "luta contra o flagelo do terrorismo e reitera que essa luta requer a cooperação de toda a comunidade internacional sem que se busque qualquer justificativa ou relativização para o terrorismo".
O ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, se reuniu em duas ocasiões com Bolsonaro nesta sexta e pediu que o Brasil mantivesse uma posição de neutralidade no conflito.
A avaliação de Heleno e de outros assessores militares é que o Brasil não ganha nada em se alinhar aos Estados Unidos na crise no Oriente Médio.
Preocupa ainda as consequências das falas de Bolsonaro para as relações do Brasil com o Irã.
Embora o risco de o país se converter em um alvo para grupos terroristas ser considerado pequeno, tanto militares quanto auxiliares da ala pragmática consideram que as relações diplomáticas e até mesmo as comerciais podem ser sim afetadas —o Brasil registrou um superávit de US$ 2,2 bilhões com o Irã em 2018.
Esse dado, e o fato de o Brasil ser um grande exportador de produtos como milho, soja e carne para o Irã, fez com que o Ministério da Agricultura também defendesse comedimento na posição adotada pelo Palácio do Planalto.
Os EUA e Israel atuam junto ao governo Bolsonaro para que as autoridades brasileiras adotem um discurso mais duro com o Irã, considerado pelos dois países um forte desestabilizador no Oriente Médio. 
Já cientes de que não conseguiriam convencer Bolsonaro a não apoiar publicamente a operação dos EUA, alguns auxiliares do presidente tentaram reduzir danos.
Eles pediram que o governo mencionasse a importância do respeito ao direito internacional, para que a fala não fosse uma “carta branca” a uma medida unilateral dos EUA.
Ao menos na entrevista televisiva, a sugestão foi ignorada por Bolsonaro.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Paradigmas para uma Economia de Francisco, Outras Palavras

Diante do mal-estar com a desigualdade e devastação do planeta, Papa convoca encontro para pensar nova economia. Caminhos para construí-la: Renda Cidadã, Bens Comuns, Controle das Finanças, Democracia Real e mais


Um ensaio de Ladislau Dowbor | Imagem: Cândido Portinari, “Meninos Soltando Pipas” (1938)
MAIS
Esta é a primeira parte, de três, do ensaio “Paradigmas para uma Economia de Francisco”. Leia a segunda aqui.
O Papa Francisco convocou para março de 2020 uma reunião planetária em torno de uma nova economia, chamada simbolicamente de Economia da Francesco, na linha da associação com o que seria a visão São Francisco de Assis, aliás local da reunião proposta. Gerou-se com isso um amplo movimento, por parte de comunidades de diversas religiões, e ampliou-se a visibilidade com a participação direta de personagens como Jeffrey Sachs, Joseph Stiglitz, Amarty Sen, Vandana Shiva, Mohammad Yunus, Kate Raworth e outros personagens de primeira linha mundial, com forte presença de prêmios Nobel. Uma ideia básica, de que a economia deve servir à sociedade, e não o contrário, está encontrando um eco profundo. Vivemos uma era de profunda insegurança e busca de novos modelos. O atual não funciona.
A iniciativa Economia de Francisco tem como objetivo  “trazer gente jovem, além das diferenças de crenças ou nacionalidade, para um acordo (agreement) no sentido de repensar a economia existente, e de humanizar a economia de amanhã: torná-la mais justa, mais sustentável, assegurando uma nova preeminência para as populações excluídas”. [1]
“Today more than ever, everything is deeply connected and that the safeguarding of the environment cannot be divorced from ensuring justice for the poor and finding answers to the structural problems of the global economy. We need to correct models of growth incapable of guaranteeing respect for the environment, openness to life, concern for the family, social equality, the dignity of workers and the rights of future generations. Sadly, few have heard the appeal to acknowledge the gravity of the problems and, even more, to set in place a new economic model, the fruit of a culture of communion based on fraternity and equality.”
No conjunto, trata-se de repensar a função da economia na sociedade. Afinal, a economia em princípio deve servir para vivermos melhor, e não para que estejamos a seu serviço. Parece que está se chegando a uma visão de bom senso, um reordenar dos argumentos. Uma economia a serviço do bem comum implica que seja economicamente viável, mas também socialmente justa e ambientalmente sustentável. Este triplo objetivo define um novo equilíbrio e uma outra forma de organização.
O desafio não é o de falta de recursos. No mundo se produz anualmente 85 trilhões de bens e serviços por ano, o que, razoavelmente distribuído, asseguraria 15 mil reais por mês por família de quatro pessoas. E o Brasil esta precisamente nesta média mundial. O que hoje produzimos é amplamente suficiente para uma vida digna e confortável para todos. Nosso problema não é de capacidade de produção, e sim de saber o que produzimos, para quem, e com que impactos ambientais. O grande desafio é o da governança do sistema, desafio sem dúvida técnico, mas sobretudo ético e político.
O mundo que enfrentamos se caracteriza por crescente e dramática desigualdade, com 1% detendo mais riqueza do que os 99% seguintes, e 26 famílias com mais do que a metade mais pobre da população, 3,8 bilhões de pessoas. No Brasil 6 famílias acumularam mais riqueza do que os 105 milhões na base da pirâmide. A desigualdade atingiu níveis eticamente, politicamente e economicamente insustentáveis.
A mudança climática, a liquidação da vida nos mares e em terra – perdemos 52% dos vertebrados em apenas 40 anos – a perda de cobertura florestal, a contaminação química generalizada, a inundação dos plásticos e tantos outros processos destrutivos estão levando a uma catástrofe ambiental generalizada.
Temos assim de enfrentar o duplo desafio da redução da desigualdade, portanto de uma democratização da economia, e da redução do ritmo de destruição da base natural da nossa sobrevivência, evoluindo para uma economia circular sustentável.
Sabemos o que deve ser feito: os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável (Agenda 2030) o definem claramente. Temos os recursos financeiros: apenas nos paraísos fiscais, os 20 trilhões de dólares que resultam de evasão fiscal, corrupção e lavagem de dinheiro, representam 200 vezes os 100 bilhões que na Conferência de 2015 em Paris se decidiu alocar para as políticas ambientais. Temos grande riqueza de informações sobre cada problema do planeta, os dramas estão localizados e quantificados. E temos também as tecnologias que hoje permitem transitarmos para outras matrizes de transporte, de energia, e dos próprios processos produtivos. Não é, portanto, uma questão de falta de meios, e sim de profundas deformações políticas de como gerimos as nossas economias.
Assim, o desafio está no próprio processo decisório, em como definimos, regulamos e orientamos o uso dos nossos recursos. A economia tem de voltar a servir o bem comum. Nas discussões preliminares de preparação da participação brasileira no evento, mais do que elencar as desgraças que nos atingem, buscamos nos concentrar nos desafios organizacionais, de governança, que permitam resgatar os rumos, de parar de destruir o planeta em proveito de uma minoria que acumula capitais improdutivos.
Os pontos essenciais que sugerimos para discussão, em torno desta Economia de Francisco, são os seguintes:
1 – Democracia econômica: trata-se de resgatar a governança corporativa, sistemas transparentes de informação, e de gerar maior equilíbrio entre o Estado, as corporações e as organizações da sociedade civil. Não haverá democracia política sem democracia econômica.
2 – Democracia participativa: os processos decisórios sobre como definimos as nossas opções, como priorizamos o uso dos nossos recursos, não podem depender apenas de um voto a cada dois ou a cada quatro anos. Com sistemas adequados de informação, gestão descentralizada e ampla participação da sociedade civil organizada precisamos alcançar um outro nível de racionalidade na organização econômica e social. As novas tecnologias abrem imensos potenciais que se trata de explorar.
3- Taxação dos fluxos financeiros: essencial para assegurar a informação sobre os capitais especulativos, e para que os recursos financeiros sirvam para financiar tanto a redução da desigualdade como para estimular processos produtivos sustentáveis. Na realidade os sistemas tributários no seu conjunto devem servir ao maior equilíbrio distributivo e à produtividade maior dos recursos.
4 – Renda básica universal: no quadro de uma visão geral de que algumas coisas não podem faltar a ninguém, uma forma simples e direta, em particular com as técnicas modernas de transferência, é assegurar um mínimo para cada família. Não se trata de custos, pois a dinamização do consumo simples na base da sociedade dinamiza a economia e gera o retorno correspondente.
5 – Políticas sociais de acesso universal, público e gratuito: o acesso à saúde, educação, cultura, segurança, habitação e outros itens básicos de sobrevivência devem fazer parte das prioridades absolutas. Não se trata de custos, e sim de investimentos nas pessoas, que dinamizam a produtividade e liberam recursos das famílias para outras formas de consumo.
6 – Desenvolvimento local integrado: somos populações hoje essencialmente urbanizadas, e o essencial das políticas que asseguram o bem-estar da comunidade e o manejo sustentável dos recursos naturais deve ter raízes em cada município, construindo assim o equilíbrio econômico, social e ambiental na própria base da sociedade.
7 – Sistemas financeiros como serviço público: o dinheiro que manejam os sistemas financeiros tem origem nas nossas poupanças e impostos, constituem recursos do público, e neste sentido devem responder às necessidades do desenvolvimento sustentável. Bancos públicos, bancos comunitários, cooperativas de crédito e outras soluções, como moedas virtuais diversificadas, são essenciais para que as nossas opções tenham os recursos correspondentes.
8 – Economia do conhecimento: o conhecimento hoje constitui o principal fator de produção. Sendo imaterial, e indefinidamente reproduzível, podemos gerar uma sociedade não só devidamente informada, mas com acesso universal e gratuito aos avanços tecnológicos de ponta. Temos de rever o conjunto das políticas de patentes, copyrights, royalties de diversos tipos que travam desnecessariamente o acesso aos avanços. O conhecimento é um fator de produção cujo uso, contrariamente aos bens materiais, não reduz o estoque.
9 – Democratização dos meios de comunicação: os recentes avanços do populismo de direita e a erosão dos processos democráticos mostram a que ponto o oligopólio dos meios de comunicação gera deformações insustentáveis, climas de acerbamento de divisões e aprofundamento de ódios e preconceitos. Uma sociedade informada é absolutamente essencial para o próprio funcionamento de uma economia a serviço do bem comum.
10 – Pedagogia da economia: a economia consiste essencialmente em regras do jogo pactuadas pela sociedade ou impostas por grupos de interesse. A democracia econômica depende vitalmente da compreensão generalizada dos mecanismos e das regras. Os currículos obscuros e falsamente científicos têm de ser substituídos por ferramentas de análise do mundo econômico real, de maneira a formar gestores competentes de uma economia voltada para o bem comum.
Esses eixos de análise se referem essencialmente ao processo decisório, às ferramentas de governança de que a sociedade deve dispor para resgatar a funcionalidade dos sistemas econômicos. Neste sentido, são aplicáveis tanto às atividades produtivas como indústria e agricultura, como a políticas sociais como saúde e educação e assim por diante. A filosofia geral aqui proposta consiste na compreensão de que democracia política sem democracia econômica não funciona: os dois universos devem resgatar a sua coerência. E frente ao aprofundamento dos desastres sociais, ambientais, políticos e econômicos, não só o tempo urge, como começamos a ver uma ampla mudança de atitudes, ou pelo menos uma tomada de consciência.
Há amplos caminhos sendo traçados por pesquisadores e centros de pesquisa, e pode-se dizer que estão sendo construidas de forma muito dinâmica as bases teóricas de uma outra economia. Ultrapassando os antigos debates entre ortodoxia e heterodoxia nas teorias econômicas, surge um novo pragmatismo, desta vez baseado em valores, no sentido de se buscar o que funciona, independentemente das eternas etiquetas ideológicas. Veremos abaixo algumas amostras da discussão mundial que se generaliza.

Mea Culpa

Em setembro de 2019, 181 das maiores corporações mundiais assinaram uma carta de compromisso, redefinindo os seus objetivos, e deixando formalmente de lado o que foi o seu credo durante décadas, de que devem enriquecer os seus acionistas e se despreocupar das consequências sistêmicas, qualificadas comodamente de “externalidades”. Negociado e divulgado no quadro do BRT (Business Round Table), o texto é curto, são básicamente cinco parágrafos, mas que reproduzimos aqui no original, atualizado em 6 de setembro de 2019:[2]
“While each of our individual companies serves its own corporate purpose, we share a fundamental commitment to all of our stakeholders. We commit to:
– Delivering value to our customers. We will further the tradition of American companies leading the way in meeting or exceeding customer expectations.
– Investing in our employees. This starts with compensating them fairly and providing important benefits. It also includes supporting them through training and education that help develop new skills for a rapidly changing world. We foster diversity and inclusion, dignity and respect.
– Dealing fairly and ethically with our suppliers. We are dedicated to serving as good partners to the other companies, large and small, that help us meet our missions.
– Supporting the communities in which we work. We respect the people in our communities and protect the environment by embracing sustainable practices across our businesses.
– Generating long-term value for shareholders, who provide the capital that allows companies to invest, grow and innovate. We are committed to transparency and effective engagement with shareholders. Each of our stakeholders is essential. We commit to deliver value to all of them, for the future success of our companies, our communities and our country.”
Ou seja, responder às expectativas dos consumidores, sem dúvida, mas também investir na promoção dos seus empregados – surgem palavras como “diversidade e inclusão, dignidade e respeito” –  o que gera expectativas para quem acompanha como é trabalhar na Walmart ou na Amazon, ou ainda nas linhas de montagem da Apple na China. O compromisso de lidar eticamente com os fornecedores, grandes ou pequenos, seria também uma inovação radical. O quarto ponto, de se responsabilizar com os impactos que exercem sobre as comunidades e o meio ambiente, assumindo a sustentabilidade como objetivo, é evidentemente essencial, mas talvez o mais transformador seja o quinto, em que se ambiciona sim continuar a gerar valor para os acionistas, mas no quadro de uma visão sistêmica que envolve compromissos com o longo prazo e os efeitos sobre as comunidades, quando sabemos que a cultura atual é de se assegurar a maximização de retornos no curto prazo, com pouca preocupação com os resultados para a sociedade.
Nada de profundamente revolucionário na aparência, simples bom senso, mas depois de 40 anos em que as corporações se esconderam por trás das teorias tão convenientes de Milton Friedmann – “The business of business is business” – portanto tendo como único dever enriquecer os acionistas, esta carta de intenções impressiona. Os grandes conglomerados decidem alterar os rumos. Ou assim o declaram.
Conhecendo as corporações, Joseph Stiglitz reage com otimismo moderado”: “Nas últimas quatro décadas, a doutrina prevalecente nos EUA tem sido a de que as corporações devem potencializar os valores para seus acionistas — isto é, aumentar os lucros e os preços das ações — aqui e agora, não importa o que aconteça, sem se preocupar com as consequências para os trabalhadores, clientes, fornecedores e comunidades. Logo, a declaração que defende um capitalismo consciente e que foi assinada este mês por quase todos os membros da Business Roundtable causou um grande alvoroço. Afinal de contas, trata-se dos executivos-chefes das companhias mais poderosas dos EUA, dizendo aos norte americanos que o mundo dos negócios é muito mais do que apenas balanços patrimoniais. E isso é uma baita virada de jogo, não é mesmo? ”
Parece adequado este otimismo cauteloso. Mas a realidade é que ver, no fim carta, as assinaturas do Bezos da Amazon, e dos CEOs das maiores corporações como Apple, Johnson&Johnson, CityGroup e tantos outros, com um posicionamento que reverte profundamente o que nos foi repetido durante décadas, chama a atenção. Essas quase 200 corporações se reunirem para uma tomada pública de posição de que deverão assumir suas responsabilidades indica em todo caso que estão sentindo uma mudança nos tempos, reflexo de um despertar de indignações planetárias com o caos que está sendo gerado.

Mea Maxima Culpa

Mais interessante ainda é a tomada de posição de 130 dos maiores bancos do mundo, que proclamam o seu propósito de respeitar seis princípios básicos:[3] deverão alinhar as suas atividades com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, inclusive os compromissos climáticos de Paris; assegurar um sistema aberto de avaliação dos impactos dos financiamentos; encorajar atividades sustentáveis por parte dos seus clientes; definir objetivos sociais em consulta com os diversos atores sociais; assegurar uma governança interna responsável; gerar instrumentos de transparência para que possam ser verificados os efeitos das suas atividades sobre a sociedade.
Lembremos que os 130 bancos signatários representam ativos de 47 trilhões de dólares, quando o PIB mundial, para termos uma referência, é de 85 trilhões. Ver a assinatura de grandes agiotas como os nossos principais bancos brasileiros na lista gera evidente ceticismo.


E o fato é que as grandes corporações atuam no espaço planetário, onde não há governo, regulação ou regras do jogo. As maiores simplesmente não pagam impostos, como é o caso no Brasil com a isenção de imposto sobre lucros e dividendos distribuídos. (Lei de 1995). Os desastres ambientais e sociais estão se generalizando, a desigualdade atinge níveis explosivos, mas os bancos vão bem. Em paraísos fiscais temos 200 vezes mais recursos financeiros do que o a Conferência Mundial sobre o Clima decidiu, e mal consegue, levantar. Fraudes em medicamentos, alimentos que generalizam a obesidade, inclusive infantil, trambiques em emissões de veículos, agrotóxicos e antibióticos nos alimentos — é um clima de vale-tudo, pois a remuneração dos juros bancários e dos aplicadores financeiros como acionistas e outros fundos têm prioridade absoluta no direcionamento dos recursos.
A verdade é que a indignação está se generalizando. Os impactos econômicos, ambientais e sociais que as corporações provocam fazem parte das suas responsabilidades. Após 40 anos de neoliberalismo irresponsável, há novos caminhos? É saudável recebermos a notícia com ceticismo, a cosmética corporativa tem longa tradição. Mas também é fato que pelo jeito as corporações, e em particular os bancos, estão sentindo o calor da irritação social, enquanto os desastres se tornam cada vez mais visíveis, gerando protestos cada vez mais amplos.
As amplas movimentações, como o chamado do Papa Francisco, as manifestações populares como hoje vemos se expandindo, e as proclamações defensivas do mundo corporativo – abrem espaço para um conjunto de aportes teóricos que reformulam a economia tal como tem sido formulada e ensinada, e que agora adquirem grande visibilidade. São visões comodamente classificadas de “heterodoxas”, mas que funcionam, contrariamente às visões ditas ortodoxas que essencialmente justificam os interesses corporativos, e nos levaram aos impasses atuais.

Notas

2020 começa com mais confiança, Celso Ming, O Estado de S.Paulo


01 de janeiro de 2020 | 19h00
Desta vez, há um certo otimismo no ar, mas nem tanto quanto o que aconteceu nas viradas de ano anteriores. Talvez por essa maior dose inicial de cautela, o ano de 2020 possa surpreender.
Convém começar pelo panorama externo, como acontece na maioria das avaliações gerais. A principal de todas as grandes incertezas globais até aqui foi produzida pela intensificação da guerra comercial entre Estados Unidos e China, que ameaçava atirar o sistema produtivo mundial na recessão e em novo crash do mercado de capitais. Agora que parece atingido o Acordo Fase Um, cujo objetivo principal foi impedir a escalada dos conflitos, parte dessas incertezas começa a se desvanecer. Ainda há pendências à procura de solução nessa monumental queda de braço pela hegemonia mundial. Há, por exemplo, a questão da tecnologia de ponta – que inclui o uso intensivo da robótica, de inteligência artificial e biotecnologia – e questões de segurança nacional ligadas à criação de uma moeda digital global.
De qualquer maneira, ao longo de 2020 parece agora reduzido o risco de acirramento dessa guerra, pela principal razão de que se trata de um ano em que serão realizadas eleições presidenciais nos Estados Unidos. O presidente Donald Trump estará engajado na campanha pela sua recondução à Casa Branca e, para isso – espera-se –, não deverá criar flancos externos que possam enfraquecê-lo. 

Para o Brasil, do ponto de vista econômico, o ano começa em melhores condições do que começara 2019. Há mais tração no consumo e no setor produtivo, como se viu nas últimas semanas, fator que concorre para projetar avanço do PIB em 2020 da ordem de 3,0%. Também no início de 2019, a expectativa foi de crescimento dessa ordem que, no entanto, deverá ficar reduzido a pouco mais de um terço. Mas, desta vez, as condições gerais são melhores.
Como demonstram a derrubada do índice de risco dos títulos brasileiros no exterior e a cavalgada da Bolsa, a confiança aumentou, a despeito das barbeiragens do presidente Bolsonaro e de seu trio 01, 02 e 03 nas áreas da educação, segurança e defesa do meio ambiente. A reforma da Previdência foi aprovada e a reforma do sistema tributário parece encaminhada. As contas públicas, principal ponto fraco da economia brasileira, perfizeram em 2019 comportamento melhor do que o esperado e sugerem mais controle das despesas pelo governo federal. Estados e municípios continuam mal, mas há, pelo menos, mais consciência de que é preciso mais austeridade, como as reformas dos sistemas estaduais de previdência vêm apontando. 
O desemprego atingia ao final de novembro 11,9 milhões de brasileiros e outros 4,7 milhões nem aparecem nas estatísticas porque estão prostrados no desalento e nem procuram emprego. É um cenário que não deve mudar substancialmente, ainda que o mercado de trabalho venha a proporcionar mais opções nas atividades por conta própria. A informalidade e a subutilização deverão aumentar. Não é o melhor dos mundos, já que nada mais garantirá situação de excelência no mercado de trabalho. Mas é pelo menos um campo de acomodação.
Os especialistas projetam para 2020 uma inflação de 3,6%, como aponta a pesquisa Focus, do Banco Central. Pode ser algo mais do que isso. De todo modo, custo de vida sob controle e a níveis historicamente baixos é o fator que mais preserva o poder aquisitivo do trabalhador, que há alguns anos vinha sendo tão esmerilhado pela escalada dos preços.