CAITLIN DEWEY - THE WASHINGTON POST
21 Fevereiro 2015 | 16h 00
Como o YouTube, que completa 10 anos, engoliu a máquina da cultura pop
O fato é facilmente esquecido à luz de toda a fama e loucura que se seguiram, mas antes de Justin Bieber ser uma figurinha fácil nos tabloides, modelo de Calvin Klein e líder cult adolescente, ele foi uma figurinha diante de uma parede de blocos cantando So Sick de Ne-Yo num tenor pré-púbere.
Era um videoclipe filmado num concurso de canto em Stratford, Ontário, no qual Bieber - então com 12 anos - ficou em terceiro lugar. Quando sua mãe postou o vídeo no YouTube, em janeiro de 2007, para compartilhar com membros da família, provavelmente não imaginava que, oito anos depois, o vídeo borrado teria 7,3 milhões de vistas; ou que chamaria a atenção do atual empresário de Bieber, Scooter Braun; ou que, no futuro, os vídeos de Bieber no YouTube seriam filmados por equipes de profissionais altamente remunerados.
De muitas maneiras, a trajetória de Justin Bieber é também a história do YouTube. O site de compartilhamento em massa de vídeos completou 10 anos no sábado retrasado, o que significa quase a velhice na internet. No entanto, durante boa parte de sua história, ele foi o pretensioso, o perturbador, o garoto de 12 anos acelerando para conquistar a máquina da cultura pop. “Somos a reality TV definitiva”, disse o cofundador Chad Hurley em 2005. Era a “reality TV” em seu sentido mais literal: pessoas reais filmando cenas de suas vidas reais.
Quando Hurley e seus cofundadores registraram o domínio YouTube.com no andar de cima de uma pizzaria na Califórnia, em fevereiro de 2005, o conceito era praticamente desconhecido, um plasma inacessível a um usuário médio da rede. Claro, havia um punhado de outras empresas iniciantes de vídeo de pequeno porte, a maioria hoje extinta. E havia uma classe de usuários esclarecidos que possuíam os servidores e a banda larga necessários para postar vídeos em seus sites na web, façanha tecnicamente difícil e potencialmente cara.
Aliás, pressionada que fui a nomear um vídeo viral surgido antes da aurora do YouTube, suspeito que a maioria das pessoas só se lembraria de Numa Numa - o gloriosamente simples, não roteirizado videoclipe feito com webcam de um sujeito chamado Gary dançando uma canção pop romena, que apareceu online em dezembro de 2004 (o dito vídeo migrou para o YouTube, é claro, onde foi visto 56 milhões de vezes).
Os primeiros adeptos do YouTube já tinham assistido à migração online da produção de áudio e da fotografia (o YouTube, em seus primórdios, era chamado de “Flickr for video”). Blogs bombavam. Redes sociais como Myspace e Facebook, então com um ano de vida, ganhavam força.
O Google trabalhava no próprio produto de vídeo, acertadamente chamado Google Video, que prometia trazer todo o brilho da TV para o computador. Cortejou grandes produtores de Hollywood e firmou um acordo de conteúdo com a National Academy of Motion Picture Arts and Sciences, mesmo grupo que nos oferece os Oscars. E permitia que plebeus postassem conteúdo, desde que baixassem o software de transferência de arquivos patenteado do Google, enviassem um formulário preenchido com o valor do conteúdo e esperassem a aprovação dos moderadores.
O YouTube teve ideia melhor: um site de vídeo que qualquer um e todos pudessem usar. Apropriadamente, o primeiro vídeo a ser postado, em 23 de abril de 2005, foi um de 19 segundos do cofundador do YouTube, Jawed Karim, parado com sua cara de bebê diante de elefantes no zoo de San Diego. “O legal sobre esses caras é que eles têm trombas realmente, realmente, realmente muito compridas. E isso é legal. E isso é tudo que há para dizer.” Ali estava: a reality TV final. A vida em toda sua autenticidade prosaica, não roteirizada.
Em novembro daquele ano, os usuários do YouTube postavam o equivalente a “um Blockbuster de vídeos por dia”, como os fundadores do YouTube gostavam de alardear. Em dezembro, o site movimentava dois Blockbusters diários. Em janeiro, haviam abandonado por completo a metáfora do Blockbuster. O YouTube, diziam teóricos da mídia, se distinguia de qualquer gênero de vídeo anterior: representava a democratização de um meio que um dia pertencera só a estúdios de Hollywood e conglomerados de mídia. Surgiram os vídeos das e para as pessoas, na maioria, com toda sua bagunça, humanidade e ocasional estupidez. Havia neles algo de nitidamente antiprofissional, de perceptivelmente vulgar.
Quando, exatamente, isso mudou?
Em outubro de 2006, quando o Google comprou o YouTube, os usuários já iniciavam o coro de lamentações usual sobre publicidade e envolvimento corporativo. Essa reação recomeçou quando, em 2007, o Google introduziu a publicidade na sua plataforma, o que tornou o YouTube mais uma oportunidade de ganhar dinheiro.
Em seu quinto aniversário, em 2010, os usuários postavam 24 horas de vídeos a cada minuto, e alguns ganhavam o suficiente para largar seus empregos. Naquele ano, Hank e John Green, avós do YouTube àquela altura, tendo postado vídeos desde 2007, organizaram a conferência inaugural para criadores de vídeos chamada VidCon, à qual compareceram 1.400 pessoas. A mais recente versão da VidCon atraiu 20 mil.
Hoje, raramente se vê um vídeo viral que não tenha seus direitos administrados por uma companhia como a Jukin Media. E, das 30 redes mais populares do YouTube, um quinto pertence a conglomerados de mídia como Comcast, Disney e AT&T.
Agora, quando se assiste a um vídeo de um “astro” do YouTube, se veem menos paredes de quarto beiges e mais um estúdio de fundo verde lustroso. Talvez até um dos estúdios do YouTube, que a companhia lançou para o uso do escalão superior em 2012.
Isso tudo é bom para o YouTube, e melhor ainda para seus astros, alguns dos quais transformaram bizarros truques de internet em carreiras reais. Já não se pode negar que celebridades do YouTube se equiparam a seus pares tradicionais, em termos de importância e influência cultural.
Dito isso, há uma razão para vídeos como “the cutest gangsta I know” ainda se tornarem virais. E há uma razão para astros de vídeo jovens autopromovidos se mudarem para o Vine, e do Vine para o Snapchat. Há algo a se dizer em favor do YouTube lixo, inocente, a “reality TV final”.
Incidentalmente, arqueólogos que estudam culturas antigas muitas vezes se inteiram de como povos viviam de fato pelo estudo não de seus templos e monumentos, mas por seu lixo, pelas sobras irrefletidas, banais, não polidas da vida cotidiana. O YouTube foi assim um dia: uma tela para nos mostrar como realmente vivíamos.
Depois avançou para coisas menos autênticas talvez, mas mais lucrativas - e muito mais atraentes. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK