domingo, 3 de novembro de 2013

A privacidade na web é uma ilusão’


Por Ligia Aguilhar
Homem protesta do lado de fora de complexo do Exército norte-americano na Alemanha FOTO: Kai Pfaffenbach/Reuters
Responsável por elaborar relatórios de cibersegurança para Obama diz que é impossível evitar o monitoramento
SEUL – Diretor do Centro Internacional de Estudos Estratégicos (CSIS, na sigla em inglês), James Lewis já liderou a produção de uma série de relatórios sobre segurança na internet para o presidente americano Barack Obama. Considerado um dos maiores especialistas em cibersegurança do mundo, é autor de mais de 90 publicações sobre assuntos relacionados ao tema.
   
Em entrevista exclusiva ao Link no mês passado, durante a Conferência de Cibersegurança em Seul, na Coreia do Sul, Lewis falou sobre o escândalo da espionagem norte-americana, afirmou que todos os países possuem algum tipo de vigilância, que o Brasil não é defensor da democracia e que a privacidade na internet é uma ilusão. Confira os principais trechos:
O Brasil defende um modelo descentralizado de regulação da internet. É a melhor opção?
Quando o modelo de regulação atual foi decidido, a maioria dos usuários da internet eram americanos. Hoje não é mais assim. As instituições criadas na época precisam se tornar globais. Esperamos que o Brasil se coloque ao lado da liberdade de expressão e defenda a internet aberta.
Muitos dizem que todos os países já sabiam sobre a espionagem. Se isso é verdade, por que continuamos tão vulneráveis? 
Os especialistas sabiam, mas o grande público não. E ele não entende quão vulnerável está na web. A internet é totalmente insegura. Enviar um e-mail é como mandar um cartão postal, as informações estão abertas. A privacidade é uma ilusão. E o (Edward) Snowden acabou com essa ilusão.
Essa espionagem é uma forma de ciberguerra?
Não. A espionagem é comum. Sempre falei com outros países sobre esse assunto e não encontrei nenhum que não estivesse engajado em algum tipo de espionagem. Tenho quase certeza que o que o Brasil faz tem foco doméstico. Não me surpreenderia descobrir que países da América do Sul espionam uns aos outros. Alguns documentos do Snowden mostram a inteligência de outros países. Eles vão aparecer e reformular o debate.
O Brasil tomou medidas contra a espionagem como criar um serviço de e-mails nacional e comprar um satélite. Funciona?
Isso tudo é “fofo”. Temos uma cadeia de suprimentos global, não fazemos mais as próprias tecnologias e isso cria riscos. É um dilema. Mas não significa que é viável economicamente fazer as próprias empresas. Rússia, EUA, Reino Unido, Israel e talvez os 20 ou 30 maiores cibercriminosos do mundo são capazes de quebrar qualquer sistema de segurança existente no mundo.
O que Brasil deveria fazer?
Pode fazer as empresas observarem melhor suas engrenagens, criar redes mais seguras e se engajar de forma positiva internacionalmente. A democracia não acontece. Há pessoas que a defendem. Não vejo o Brasil fazer isso.
O que você quer dizer?
Não vejo o Brasil defender a democracia. Não tenhamos ilusões sobre isso. O Brasil não assinou a Convenção de Budapeste e isso é muito questionável. Façam isso, invistam em engrenagens básicas, defendam a internet aberta e 90% do problema vai desaparecer.
Qual a maior preocupação dos EUA em relação ao Brasil?
O Brasil não é uma prioridade para os EUA. Dizem que os americanos fazem espionagem econômica, mas não é verdade. Uma das coisas que os EUA monitoram é corrupção. E nós a encontramos, não necessariamente no Brasil. Mas se há empresas norte-americanas no país, estamos preocupados com isso. O Brasil tem o direito de estar chateado. Do lado americano, digo que precisamos ser mais transparentes, estabelecer princípios de reciprocidade e garantir que as coisas serão feitas de forma responsável. Precisamos pedir desculpas ao Brasil. Mas para os americanos é difícil fazer isso.
*A repórter viajou a convite do governo sul-coreano
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Escaninho errado


03 de novembro de 2013 | 2h 21

JOSÉ DE SOUZA MARTINS, JOSÉ DE SOUZA MARTINS É SOCIÓLOGO, , PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE , FILOSOFIA DA USP, AUTOR, ENTRE OUTROS, , DE A SOCIOLOGIA COMO AVENTURA (CONTEXTO) - O Estado de S.Paulo
A suspeita de fraude em licitação para obras de expansão do metrô de São Paulo e pagamento de propina pela empresa francesa Alstom ficou mais ampla e complicada do que poderia ser. Em 2011, um pedido de diligência suplementar feito pela Suíça não foi atendido. A Procuradoria da República em São Paulo explica em nota que não houve atendimento devido a uma "falha administrativa". "Foi arquivado erroneamente numa pasta de documentos auxiliares", quando deveria ter sido juntado ao "processo de cooperação internacional principal." Sempre se poderá considerar estranho que um órgão com o poder e a importância do Ministério Público, compreensivelmente inflexível e exigente em relação aos supostos desvios que apura, seja ao mesmo tempo tão benevolente em relação a seu próprio confessado erro. Que garantia tem o cidadão de que se trata de uma falha administrativa? A refuncionalização do Ministério Público, pela Constituição de 1988, para dele fazer um órgão abrangente do direito e da Justiça, verdadeira ponte entre os cidadãos sempre desconfiados e o Estado sempre suspeito de lesá-los, acarretou-lhe imenso respeito. Deu a muitos a íntima confiança de que mesmo que o direito de todos, especialmente dos frágeis, esteja permanentemente ameaçado em vários âmbitos, há uma instituição vigilante e destemida que exige esclarecimentos, investiga e, finalmente, acusa e leva a julgamento quem se atreveu a sobrepor-se ao direito. Mas essa "falha administrativa" pode corroer nossas incontornáveis ilusões.
Não há como deixar de ver essa falha no cenário de outras notícias da semana e suas eventuais repercussões no entendimento popular do que é a política. Especialmente neste preâmbulo de uma eleição presidencial que poderá remover do trono os que ali já ficaram tempo suficiente para fazer o que deles se esperava. O desgaste do discurso polarizado dos supostamente insubstituíveis é muito claro e a demanda popular de novos horizontes políticos também o é. São fatos que podem contribuir para o advento de reorientações na docilidade eleitoral dos brasileiros. As manifestações de rua iniciadas há alguns meses são apenas indícios do efeito detonador dos muitos e reiterados abusos e desvios de conduta, de pessoas e instituições. Se havia plácidas certezas de alguns há dois anos, elas já não existem. Veremos o que acontece, como dizia com graça Miriam Muniz, na apresentação de uma peça de Molière no Teatro de Arena, em São Paulo, nos anos 1960.
Vários tópicos do mesmo gênero do mencionado no início ocuparam o noticiário nestes dias, aumentando as dúvidas dos cidadãos quanto a que país é este. Um deles, apontado também pelo MP, é relativo a fraude na Prefeitura de São Paulo, envolvendo quatro fiscais municipais que atenuavam tributos de grandes empresas em troca de dinheiro grosso, causando feios prejuízos ao lindamente chamado erário público. Muita grana deixando de entrar nos cofres da Prefeitura para entrar nos bolsos de servidores públicos de interesses privados.
Sempre associamos esses casos a um figurão do poder, de que os peixinhos, como os mencionados no noticiário dos dois casos, seriam meros asseclas e cupinchas na arrecadação de benefícios fora dos bons costumes. No entanto, o caso Alstom é outra coisa, é caso de formação de cartel, isto é, de um acordo entre empresas para impor preços para obter ganhos extraordinários. Claro que o tesouro público é sugado em mais do que seria se pagasse preços concorrenciais pelos produtos que consome e os serviços que utiliza. É, no fundo, fazer o povo pagar mais do que vale por aquilo que recebe. Na consciência coletiva isso é roubo porque, no fim das contas, lesa a maioria silenciosa dos contribuintes impotentes. A não ser os especialistas, ninguém está interessado em filigranas jurídicas. Roubo é roubo, diz o vulgo.
É inútil, portanto, tentar tirar vantagens eleitorais de anomalias que de fato podem não ter nada a ver com governadores e prefeitos, provavelmente também eles vítimas da função que personificam. O fato relativo aos fiscais da Prefeitura de São Paulo diz respeito a funcionários concursados e não a funcionários apadrinhados. Gente, portanto, que, sem mandato, descobriu a enorme fração de poder de sua função num setor vital da administração pública e, aparentemente, resolveu utilizá-la em benefício próprio. Provavelmente, o serviço público brasileiro ainda está minado por milhares de focos de pequena corrupção, que se avantaja quando a clientela é poderosa e desonesta o suficiente para propor negociatas e tentadoras vantagens pessoais a servidores com dificuldade para resistir à tentação. A principal importância do Ministério Público é, pois, mais moral que judicial. Lembrete permanente de que há um olho invisível que tudo vê, mesmo que demore. Dadas as enormes e crescentes facilidades de corrupção que há na estrutura do Estado brasileiro, o MP não pode comportar falhas de Sancho Pança nem exageros de Dom Quixote.

Polícia de lei


03 de novembro de 2013 | 2h 17

OSCAR VILHENA VIEIRA, OSCAR VILHENA VIEIRA É JURISTA, PROFESSOR DA DIREITO GV, AUTOR DE ESTADO DE DIREITO, O DESAFIO DO DESENVOLVIMENTO (SARAIVA) - O Estado de S.Paulo
Na segunda-feira, protestos contra a morte do estudante Douglas Rodrigues, de 17 anos, bloquearam com ônibus e caminhões incendiados a Rodovia Fernão Dias. O jovem foi morto por um PM durante uma abordagem no domingo. O acusado diz que o disparo foi acidental.
A segurança pública é certamente o campo de ação estatal mais negligenciado pelas diversas forças políticas que ocuparam o poder nestas últimas duas décadas de democracia. Estabilizou-se a economia, modernizou-se o Estado, políticas sociais mais consistentes de redução da pobreza foram criadas. Mesmo o Judiciário sofreu uma importante reforma. No entanto, a mais direta e cotidiana relação do cidadão com o Estado - que se dá por intermédio dos órgãos de segurança pública - não sofreu grande alteração.
Os dados da violência no Brasil nestas duas décadas são alarmantes. Oficialmente, mais de 900 mil pessoas foram vítimas de homicídio doloso entre 1990 e 2011. Se somarmos as cerca de 130 mil mortes não contabilizadas, conforme detectado por pesquisa do Ipea, mais de 1 milhão de pessoas foram vítimas de homicídio nessa nossa guerra cotidiana. Número, aliás, muito superior às baixas americanas na Guerra do Vietnã, ou mesmo as mortes provocadas na Guerra do Golfo, ou no conflito Israel/Palestina, que já dura mais de seis décadas.
As deficiências de nossas instituições de aplicação da lei se explicitam não só pela incapacidade de combater a violência e o crime, como pelo próprio envolvimento de muitos de seus agentes com a prática criminal. Casos como o desaparecimento de Amarildo no Rio de Janeiro e a morte do jovem Douglas em São Paulo demonstram que as agências de segurança não se conformaram a sua função precípua de assegurar os direitos fundamentais dos cidadãos, em especial o direito à segurança das populações vulneráveis, tal como plasmado no caput do artigo 5º da Constituição. Os dados são alarmantes. Na cidade de São Paulo a letalidade policial é responsável por cerca de 20% das mortes. Destaque-se que nem sequer há números sobre as mortes em confronto com a polícia para a maior parte do País. Por outro lado, o número de policiais mortos, dentro e especialmente fora de serviço, é dramático. A agressão vil a um coronel da PM no dia 25 demonstra quanto a autoridade da polícia se encontra esgarçada.
A ambiguidade com que as forças de segurança têm enfrentado as múltiplas rebeliões originadas em junho, agindo ora de forma truculenta, ora de maneira surpreendentemente passiva, demonstra a falta de preparação técnica, e mesmo de liderança política, para lidar com situações de tensão que são inerentes à democracia. A confiança nas polícias, conforme mensurado periodicamente pelo ICJ/Direito GV, sofreu um fortíssimo abalo a partir de junho. Isso apenas amplia o temor de que não estaremos preparados para os grandes eventos que se aproximam, assim como não estamos preparados para garantir segurança dos cidadãos brasileiros no seu dia a dia.
Não se deve negligenciar melhorias incrementais importantes. São Paulo foi capaz de reduzir os homicídios de forma acentuada (cerca de 70%) ao longo da década passada. A simples mudança do secretário de Segurança Pública, no final de 2011, provocou uma redução de 64% no índice de letalidade. O mesmo ocorreu logo após o massacre do Carandiru, quando, à época, a polícia matava quatro pessoas por dia. Novas formas de policiamento comunitário têm sido implementadas com sucesso. Para não ficar restrito a São Paulo, no Estado do Rio de Janeiro o número de mortes provocadas pela ação policial caiu de 1.330 em 2007 para 415 em 2012, fruto da implementação de uma política mínima de segurança. É importantíssimo destacar, nesse sentido, que São Paulo e Rio foram capazes de, ao mesmo tempo, reduzir a violência policial e os homicídios. Deixando claro que a eficiência da polícia está diretamente ligada ao respeito que esta tenha pela população. Esses importantes avanços, no entanto, não foram capazes de gerar um círculo virtuoso, que impulsionasse a mudança do modelo das instituições de segurança pública.
A adoção de um modelo de polícia bipartida, no qual a corporação militar cumpre o policiamento ostensivo e preventivo e à polícia civil compete a apuração dos delitos, é um obstáculo de ordem estrutural. Interesses e conflitos corporativistas impedem que as duas polícias cooperem. A que está presente na rua não contribui para que a polícia investigue. Por outro lado, as informações coletadas pela polícia civil nem sempre são disponibilizadas para que se realize uma boa prevenção. Além desse problema estrutural, o poder público não se preocupou em qualificar profissionalmente as polícias. A formação de delegados e oficiais é profundamente bacharelesca. Os cargos de comando são concentrados nas mãos de pessoas letradas em direito, mas que não têm profundo conhecimento técnico nas áreas de sociologia e psicologia criminal. Isso para não mencionar questões triviais como recursos humanos, tecnologia da informação, gestão, etc.
A presidente Dilma manifestou sua "tristeza" com a "morte do jovem Douglas Rodrigues, de apenas 17 anos, na zona norte de São Paulo. Nessa hora de dor, presto minha solidariedade a sua família e amigos". Isso é política e simbolicamente muito importante. Esperamos que essa indignação sirva para impulsionar inúmeras propostas hoje pendentes no Congresso, como a construção de uma polícia de ciclo único, submetida a um maior controle social, composta por uma gama mais diversificada de profissionais - mais bem treinados e remunerados -, que tenha por missão clara a defesa dos direitos dos cidadãos. Também seria muito positivo que não mais ocorresse contingenciamento de recursos do Pronasci, de forma a incentivar boas práticas policiais nos Estados. Por último, a presidente poderia incentivar que seu governo liderasse uma discussão mais progressista sobre as drogas que, como sabemos, têm um papel devastador sobre a população jovem deste país.