terça-feira, 27 de setembro de 2011



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Brasil bate Argentina na produção de soja, mas ganha muito menos dinheiro

Enquanto o Brasil tem impostos que privilegiam a exportação do grão, a Argentina incentiva o processamento industrial do produto

11 de setembro de 2011 | 0h 00
Raquel Landim / SÃO PAULO e Ariel Palacios / BUENOS AIRES - O Estado de S.Paulo
O Brasil produz mais soja, mas a Argentina ganha mais dinheiro com a exportação do grão e seus derivados. Apesar dos desmandos do governo Kirchner, que vive em pé de guerra com os agricultores, o país vizinho consegue mais dólares com a soja que vende ao exterior.
No campo de soja. Colheitadeira em operação; na soja, argentinos derrotam brasileiros - Dida Sampaio/AE-27/2/2009
Dida Sampaio/AE-27/2/2009
No campo de soja. Colheitadeira em operação; na soja, argentinos derrotam brasileiros
As exportações brasileiras de soja em grão, farelo e óleo somaram US$ 18 bilhões em 2010, enquanto, na Argentina, o complexo soja rendeu US$ 27 bilhões em divisas. O levantamento é da consultoria Abeceb.com, de Buenos Aires.
Na safra 2010/11, a produção brasileira de soja chegou a 75 milhões de toneladas, bem acima dos 49 milhões da Argentina. Segundo Carolina Schuff, analista da Abeceb.com, duas razões explicam a liderança da Argentina na receita, apesar da safra menor: perfis de consumo diferentes e maior agregação de valor.
Os argentinos destinam ao seu mercado interno cerca de 10% da soja que produzem. No Brasil, esse total chega a 35%. Não só o tamanho das populações é distinto - são 39,5 milhões de argentinos contra 190 milhões de brasileiros. Mas os hábitos de alimentação entre os dois países também mudam.
Na Argentina, as famílias cozinham com óleo de girassol, um produto caro no Brasil. Por aqui, a preferência é pelo óleo de soja. No Brasil, a indústria de carnes de frango e suína é bem desenvolvida, consumindo grande quantidade de farelo de soja. Na Argentina, predomina a carne bovina.
Mas é a segunda razão que preocupa. A Argentina esmaga 78% da soja, transformando o grão em farelo e óleo - produtos de maior valor agregado. No Brasil, a taxa de esmagamento é de 48% e boa parte dos derivados obtidos no processo atende a demanda local.
Guerra fiscal. A guerra fiscal entre os Estados brasileiros provocou uma mudança estrutural na indústria de esmagamento no Brasil. Há 15 anos, o País era o maior fornecedor mundial de derivados de soja - posto ocupado pelos argentinos. Entre 1996 e 2010, a fatia dos brasileiros no mercado de farelo e óleo de soja caiu, respectivamente de 47% e 44% para 28% e 20%.
Com a Lei Kandir, editada em 1996, o Brasil desonerou as exportações do agronegócio - o contrário do que faz a Argentina, onde os embarques são pesadamente taxados.
O problema é que, embora a soja em grão no Brasil siga para o porto sem pagar impostos, a indústria sai penalizada. Se o grão sai do Mato Grosso e para numa esmagadora no Paraná, por exemplo, paga 12% de ICMS. A esmagadora "mica" com um crédito que não consegue receber do governo.
Para fugir da tributação perversa, as esmagadoras diminuíram de tamanho e passaram a processar só a soja produzida no Estado e a vender os derivados no mercado interno.
Em 2010, o Mato Grosso ultrapassou o Paraná como maior esmagador de soja do País, mas as fábricas mato-grossenses têm capacidade de produção de cerca de 3 mil toneladas por dia, contra 6 mil das paranaenses. "As fábricas hoje trabalham engessadas", diz Fábio Trigueirinho, secretário executivo da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove).
Na Argentina, o perfil da indústria é diferente. Situadas na província de Santa Fé, próximas dos portos, as fábricas processam 16 mil toneladas de soja ao dia.
Segundo Javier Burján, presidente da Câmara Arbitral da Bolsa de Cereais da Argentina, o custo do frete é baixo no país vizinho. Isso porque as áreas produtoras estão a 400 quilômetros do porto - pelo menos a metade da distância entre portos e regiões produtoras no Brasil. "A Argentina tem boa rentabilidade, apesar dos altos impostos de exportação. Nenhum outro país do mundo aplica tal volume de tributos sobre a soja", diz Burján.O governo Kirchner cobra 35% de imposto de exportação para o grão e 32% para farelo e óleo. As taxas são pesadas, mas a diferença favorece a industrialização.
O Brasil, porém, pode estar melhor posicionado hoje para atender o maior cliente global, a China. Os chineses criaram uma indústria de esmagamento e quase não importam farelo de soja. Preferem o grão e chegam a cobrar impostos de importação mais baixos.

Imposto caro
JAVIER BURJÁN,
BOLSA DE CEREAIS DA ARGENTINA
"A Argentina tem boa rentabilidade, apesar dos altos impostos de exportação. Nenhum outro país do mundo aplica tal volume de impostos sobre a soja" 


A doença dos custos altos chega ao agronegócio

18 de setembro de 2011 | 0h 00
José Roberto Mendonça de Barros - O Estado de S.Paulo
Tenho mencionado neste espaço que a produção industrial brasileira está sofrendo uma dupla pressão: de um lado, o real valorizado, e, de outro, uma perda sistemática de competitividade, decorrente de inúmeros fatores, como tributos, má regulação, perda de eficiência do setor público (Correios, Infraero, forte elevação do custo de obras e outros gastos devido à generalização da corrupção e de outras práticas pouco republicanas), péssima infraestrutura, elevado custo da energia elétrica, alto custo do capital e da escassez de mão de obra, que tem resultado em elevações da remuneração do trabalho bem acima dos ganhos de produtividade.
Também como já discuti muitas vezes, a saída para a indústria na direção de redução de custos acabou sendo centrada em duas atividades: melhorar a eficiência microeconômica dentro das plantas (caminho que tem limitações evidentes quando a planta se aproxima das chamadas "melhores práticas") e elevar as importações de tudo que possa baratear a produção, como partes, peças, conjuntos, matérias-primas e até produtos acabados. A terceira válvula de escape, que seria a introdução de inovações que resultassem em elevações de margens, tem sido pouco relevante na experiência brasileira, como mostram todas as pesquisas.
A elevação das importações como forma de defesa já é visível nos dados mais gerais e se traduz no fato de que a demanda interna anda muito adiante da produção industrial. De fato, os dados do IBGE para o comércio ampliado cresceram, nos doze meses até julho, 10,5%, enquanto que a produção industrial do mesmo período cresceu apenas 2,9%.
A elevação de custos e o câmbio estão mesmo espremendo a produção nacional. Isso tem levado inúmeras empresas a investir no exterior para suprir o próprio mercado nacional, simplesmente porque o custo de implantação e da produção corrente, em vários países latino-americanos, e até nos Estados Unidos, é bem menor que no Brasil. O número de companhias que está hoje considerando colocar parte da produção no exterior é muito grande. Reafirmo que a cotação do dólar é apenas um dos elementos, não necessariamente o mais importante, a prejudicar a produção nacional.
O mesmo acontece com os juros: o crédito subsidiado do BNDES e de outras fontes torna o custo de implantação de indústrias muito menor do que aquele implícito na taxa Selic, embora seja evidente que um número enorme de empresas não são beneficiadas por isso. Não quero dizer, evidentemente, que a queda dos juros e alguma desvalorização do real não sejam importantes. Apenas chamo a atenção que a produção brasileira vai seguir muito cara e que sua competitividade vai continuar a depender de importações de partes, matérias-primas e conjuntos.
O que gostaria de colocar hoje é que a doença dos custos altos está afetando mesmo o pedaço mais competitivo da produção nacional, a agroindústria. Pretendo fazê-lo analisando as dificuldades que a cadeia produtiva da cana atravessa atualmente. A análise que se segue se beneficiou de muitas conversas e trabalhos com três craques do setor: Caio Carvalho, da Canaplan, Arnaldo Correa, da Archer Consulting, e Antônio de Pádua Rodrigues, da Unica, além de pesquisa própria da MB e da MBAgro.
É irônico observar que a crise atual ocorre no exato momento em que o projeto do etanol está no seu auge, em muitos aspectos. De fato, houve recentemente a aceitação do etanol como biocombustível avançado tanto nos Estados Unidos como na Europa, através de certificações oficiais. Ademais, o protecionismo americano ao etanol de milho tem desta vez reais chances de cair. Finalmente, a demanda por etanol para fins carburantes e pela alcoolquímica, agora e futura, é enorme. Como consequência, a produção de cana, que foi pouco maior que 600 milhões de toneladas em 2010, deveria atingir mais de 800 milhões em 2015 e um bilhão de toneladas em 2020, para atender a demanda projetada.
Todo este sucesso decorreu do desenvolvimento de um pacote tecnológico vencedor e de grande capacidade empreendedora, que resultou numa elevada competitividade prevalecente até recentemente. Entretanto, do lado da oferta, muitas coisas se alteraram de modo a ameaçar o necessário crescimento da produção do setor.
Crédito menor. Em primeiro lugar, a crise global de 2008 afetou duramente o segmento. A brusca redução do crédito levou a um forte aperto de caixa para a maioria das empresas, o que implicou numa redução dos tratos culturais, prejudicando a produtividade, afetada ademais por vários eventos de clima diverso. Além disso, a mesma limitação no caixa das empresas acabou por reduzir a natural renovação do canavial, envelhecendo-o.
Menores tratos culturais e baixa renovação implicaram naturalmente numa perda de produtividade, especialmente significativas na atual safra. De fato, a produção por hectare, que andava na faixa de 88 toneladas, está prevista, pela Canaplan, ser agora de apenas 68 toneladas. Da mesma forma, o ATR (Açúcar Total Recuperável) caiu de números superiores a 141 kg por tonelada para uma estimativa de 132 neste ano, implicando numa forte quebra da produção de açúcar e de álcool. Os preços do etanol, que se elevaram de forma expressiva recentemente, refletem a queda da produção.
Além da quebra de produtividade, o setor enfrenta uma elevação extraordinária de custos de produção. Entre 2005 e este ano, a Canaplan estima uma elevação superior a 70% nos custos em reais por tonelada de cana, um valor muito superior à inflação acumulada no período, de 34%. No caso do açúcar, a estimativa da Archer é que o custo em dólares por libra peso passou de pouco mais de 9 cents para algo como 21 cents hoje, uma elevação de 130%!!!
O Brasil não é mais o produtor de menor custo do mundo.
A doença dos custos altos atingiu em cheio também o setor canavieiro, pois lá todas as causas gerais explicitadas no início deste artigo se aplicam, como transporte, mão de obra, tributos, etc. Além disso, alguns eventos específicos ao setor também têm seu papel.
Dois exemplos: a proibição de aquisição de terras por empresas estrangeiras impediu que várias companhias iniciassem novos projetos; ao mesmo tempo, o Ministério Público do Trabalho vem impedindo a terceirização do corte mecanizado da cana (iniciativa que economiza capital para muitas empresas com limitação de recursos), por entender que o corte da cana é uma atividade "core" e, portanto, não pode ser terceirizada.
O terceiro problema do lado da oferta também decorre da crise de 2008, uma vez que a instalação de novas plantas se tornou excessivamente dispendiosa frente à disponibilidade de recursos. Com isso, as empresas expandem a capacidade de plantas já existentes ("brownfields"), mas não têm apetite para os chamados "greenfields", o que prejudica o crescimento da produção.
Os resultados deste processo são muito preocupantes. No melhor cenário, o desequilíbrio do canavial vai até 2015. O preço do etanol, especialmente o hidratado, tende a subir de forma recorrente como resultado da escassez de cana. O próprio projeto do carro flex começa a correr riscos, uma vez que a utilização de gasolina tem crescido sistematicamente. Finalmente, muitas oportunidades novas na alcoolquímica poderão ser perdidas pela elevação do custo da matéria-prima.
O que está matando a produção brasileira não é apenas o câmbio, mas a redução na nossa competitividade sistêmica. Esta, lamentavelmente, não será recuperada apenas com elevações do IOF, do IPI e grandes discursos.
ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS 

sexta-feira, 23 de setembro de 2011


Depois do Bolsa Família

18 de setembro de 2011 | 0h 00
Mac Margolis - O Estado de S.Paulo
Das boas notícias que surgiram da América Latina, a melhor é a queda da pobreza. Quase todos os países das Américas caminham para cumprir, bem antes do prazo, as Metas do Milênio - aquele programa da ONU que desafia o mundo a cortar pela metade os índices de pobreza.
Destaque para o Brasil, que atingiu a meta há cinco anos e vem reduzindo à metade o número de pobres a cada meia década. Os vizinhos não ficam atrás. No Chile, a taxa de pobreza caiu de 45% para 15%, desde 1990. No Peru, de 48% para 31% na última década.
Os latinos fazem parte de uma onda global de mobilidade social em que 70 milhões sobem de padrão de vida todo ano. Enquanto o mundo precisou de 25 anos (de 1980 a 2005) para tirar meio bilhão de pessoas da indigência, outros 500 milhões de pobres seguiram ladeira acima nos últimos seis anos. "Nunca antes tantas pessoas foram alçadas da pobreza num período tão curto", dizem Lawrence Chandry e Geoffrey Gertz, em estudo do Brookings Institution.
Os especialistas ainda debatem o motivo desse sismo social. Na América Latina, os fatores são a estabilização econômica e o fim do populismo fiscal, que derrubaram a inflação, e o boom das commodities, que dilatou o PIB e turbinou o emprego. No Brasil, a melhora súbita se deve ao aumento do salário mínimo e ao dinheiro vivo na mão, por meio do Bolsa Família.
Agora, o Brasil e seus vizinhos enfrentam o dilema do sucesso. Por aqui, 22 milhões passaram de pobres a classe média desde 2003. Mas uma pequena parcela, entre 1 milhão e 2 milhões de pessoas, escapou. De fato, nem mesmo aparece nas estatísticas oficiais, seja porque mora em zonas remotas, seja porque não possui documentos legais. São os pobres invisíveis. O desafio é catá-los e cadastrá-los.
O problema maior são aqueles que já estão nos cadastros, mas ficaram para trás. Para atendê-los, o governo tem de se adaptar. "Não adianta fazer a mesma coisa e esperar que eles também saiam da pobreza", diz Ricardo Paes de Barros, assessor do ministério de Assuntos Estratégicos.
Injetar mais dinheiro no Bolsa Família não é a solução. Graças à queda de pobreza recorde, como também ao trabalho de cadastrar os clientes do Bolsa Família, o governo tem o GPS social na mão. Pelo menos os pobres que ficaram para trás têm nome e endereço.
Nos anos 90, sociólogos elaboraram belas teorias para decifrar a pobreza. Ruins eram as políticas sociais. Caras, perdulárias e ineficientes, não enxergavam a miséria. Hoje, o jogo inverteu-se. Enxutas e precisas, as políticas públicas modernas identificaram e atenderam os pobres em números recordes. Mas, para entender os milhões que sobraram, os teóricos precisam se renovar.
O bom é que o problema encolheu. São menos pobres, mais visíveis, que ficam ao alcance das redes de proteção sociais que já existem. Agora, é só entender como fugiram e aprender a pescá-los. "Toda a vez que você está com uma política social boa e a sociedade muda, a política tem de mudar também", diz Paes de Barros. E torcer para que a economia global colabore.
É COLUNISTA DO ''ESTADO'', CORRESPONDENTE DA REVISTA ''NEWSWEEK'' NO BRASIL E EDITA O SITE WWW.BRAZILINFOCUS.COMD