terça-feira, 27 de setembro de 2011


A doença dos custos altos chega ao agronegócio

18 de setembro de 2011 | 0h 00
José Roberto Mendonça de Barros - O Estado de S.Paulo
Tenho mencionado neste espaço que a produção industrial brasileira está sofrendo uma dupla pressão: de um lado, o real valorizado, e, de outro, uma perda sistemática de competitividade, decorrente de inúmeros fatores, como tributos, má regulação, perda de eficiência do setor público (Correios, Infraero, forte elevação do custo de obras e outros gastos devido à generalização da corrupção e de outras práticas pouco republicanas), péssima infraestrutura, elevado custo da energia elétrica, alto custo do capital e da escassez de mão de obra, que tem resultado em elevações da remuneração do trabalho bem acima dos ganhos de produtividade.
Também como já discuti muitas vezes, a saída para a indústria na direção de redução de custos acabou sendo centrada em duas atividades: melhorar a eficiência microeconômica dentro das plantas (caminho que tem limitações evidentes quando a planta se aproxima das chamadas "melhores práticas") e elevar as importações de tudo que possa baratear a produção, como partes, peças, conjuntos, matérias-primas e até produtos acabados. A terceira válvula de escape, que seria a introdução de inovações que resultassem em elevações de margens, tem sido pouco relevante na experiência brasileira, como mostram todas as pesquisas.
A elevação das importações como forma de defesa já é visível nos dados mais gerais e se traduz no fato de que a demanda interna anda muito adiante da produção industrial. De fato, os dados do IBGE para o comércio ampliado cresceram, nos doze meses até julho, 10,5%, enquanto que a produção industrial do mesmo período cresceu apenas 2,9%.
A elevação de custos e o câmbio estão mesmo espremendo a produção nacional. Isso tem levado inúmeras empresas a investir no exterior para suprir o próprio mercado nacional, simplesmente porque o custo de implantação e da produção corrente, em vários países latino-americanos, e até nos Estados Unidos, é bem menor que no Brasil. O número de companhias que está hoje considerando colocar parte da produção no exterior é muito grande. Reafirmo que a cotação do dólar é apenas um dos elementos, não necessariamente o mais importante, a prejudicar a produção nacional.
O mesmo acontece com os juros: o crédito subsidiado do BNDES e de outras fontes torna o custo de implantação de indústrias muito menor do que aquele implícito na taxa Selic, embora seja evidente que um número enorme de empresas não são beneficiadas por isso. Não quero dizer, evidentemente, que a queda dos juros e alguma desvalorização do real não sejam importantes. Apenas chamo a atenção que a produção brasileira vai seguir muito cara e que sua competitividade vai continuar a depender de importações de partes, matérias-primas e conjuntos.
O que gostaria de colocar hoje é que a doença dos custos altos está afetando mesmo o pedaço mais competitivo da produção nacional, a agroindústria. Pretendo fazê-lo analisando as dificuldades que a cadeia produtiva da cana atravessa atualmente. A análise que se segue se beneficiou de muitas conversas e trabalhos com três craques do setor: Caio Carvalho, da Canaplan, Arnaldo Correa, da Archer Consulting, e Antônio de Pádua Rodrigues, da Unica, além de pesquisa própria da MB e da MBAgro.
É irônico observar que a crise atual ocorre no exato momento em que o projeto do etanol está no seu auge, em muitos aspectos. De fato, houve recentemente a aceitação do etanol como biocombustível avançado tanto nos Estados Unidos como na Europa, através de certificações oficiais. Ademais, o protecionismo americano ao etanol de milho tem desta vez reais chances de cair. Finalmente, a demanda por etanol para fins carburantes e pela alcoolquímica, agora e futura, é enorme. Como consequência, a produção de cana, que foi pouco maior que 600 milhões de toneladas em 2010, deveria atingir mais de 800 milhões em 2015 e um bilhão de toneladas em 2020, para atender a demanda projetada.
Todo este sucesso decorreu do desenvolvimento de um pacote tecnológico vencedor e de grande capacidade empreendedora, que resultou numa elevada competitividade prevalecente até recentemente. Entretanto, do lado da oferta, muitas coisas se alteraram de modo a ameaçar o necessário crescimento da produção do setor.
Crédito menor. Em primeiro lugar, a crise global de 2008 afetou duramente o segmento. A brusca redução do crédito levou a um forte aperto de caixa para a maioria das empresas, o que implicou numa redução dos tratos culturais, prejudicando a produtividade, afetada ademais por vários eventos de clima diverso. Além disso, a mesma limitação no caixa das empresas acabou por reduzir a natural renovação do canavial, envelhecendo-o.
Menores tratos culturais e baixa renovação implicaram naturalmente numa perda de produtividade, especialmente significativas na atual safra. De fato, a produção por hectare, que andava na faixa de 88 toneladas, está prevista, pela Canaplan, ser agora de apenas 68 toneladas. Da mesma forma, o ATR (Açúcar Total Recuperável) caiu de números superiores a 141 kg por tonelada para uma estimativa de 132 neste ano, implicando numa forte quebra da produção de açúcar e de álcool. Os preços do etanol, que se elevaram de forma expressiva recentemente, refletem a queda da produção.
Além da quebra de produtividade, o setor enfrenta uma elevação extraordinária de custos de produção. Entre 2005 e este ano, a Canaplan estima uma elevação superior a 70% nos custos em reais por tonelada de cana, um valor muito superior à inflação acumulada no período, de 34%. No caso do açúcar, a estimativa da Archer é que o custo em dólares por libra peso passou de pouco mais de 9 cents para algo como 21 cents hoje, uma elevação de 130%!!!
O Brasil não é mais o produtor de menor custo do mundo.
A doença dos custos altos atingiu em cheio também o setor canavieiro, pois lá todas as causas gerais explicitadas no início deste artigo se aplicam, como transporte, mão de obra, tributos, etc. Além disso, alguns eventos específicos ao setor também têm seu papel.
Dois exemplos: a proibição de aquisição de terras por empresas estrangeiras impediu que várias companhias iniciassem novos projetos; ao mesmo tempo, o Ministério Público do Trabalho vem impedindo a terceirização do corte mecanizado da cana (iniciativa que economiza capital para muitas empresas com limitação de recursos), por entender que o corte da cana é uma atividade "core" e, portanto, não pode ser terceirizada.
O terceiro problema do lado da oferta também decorre da crise de 2008, uma vez que a instalação de novas plantas se tornou excessivamente dispendiosa frente à disponibilidade de recursos. Com isso, as empresas expandem a capacidade de plantas já existentes ("brownfields"), mas não têm apetite para os chamados "greenfields", o que prejudica o crescimento da produção.
Os resultados deste processo são muito preocupantes. No melhor cenário, o desequilíbrio do canavial vai até 2015. O preço do etanol, especialmente o hidratado, tende a subir de forma recorrente como resultado da escassez de cana. O próprio projeto do carro flex começa a correr riscos, uma vez que a utilização de gasolina tem crescido sistematicamente. Finalmente, muitas oportunidades novas na alcoolquímica poderão ser perdidas pela elevação do custo da matéria-prima.
O que está matando a produção brasileira não é apenas o câmbio, mas a redução na nossa competitividade sistêmica. Esta, lamentavelmente, não será recuperada apenas com elevações do IOF, do IPI e grandes discursos.
ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS 

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