terça-feira, 2 de julho de 2024

No dólar, o reflexo das indefinições de Lula, Rolf Kuntz - OESP

 Ricaços, banqueiros e especuladores continuam lucrando com o falatório e com os tropeços do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto ele se declara obrigado a prestar contas somente ao “povo pobre e trabalhador deste país”. O dólar bateu na segunda-feira em R$ 5,65, maior valor nominal desde janeiro de 2022, depois de mais um desastrado pronunciamento presidencial. Câmbio instável e sujeito e grandes oscilações atrapalha os negócios, dificulta o crescimento e pode turbinar a inflação, prejudicando principalmente as famílias mais pobres, aquelas merecedoras, segundo o presidente, de sua maior atenção.

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Já valorizado pelo rendimento dos papéis do Tesouro americano, o dólar vem sendo turbinado, também, pela incerteza em relação às contas do governo brasileiro. Os ministros da Fazenda e do Planejamento têm procurado dar segurança e previsibilidade às finanças da União, mas seu esforço vem sendo prejudicado, repetidamente, por palavras e atitudes do presidente da República.

Lula pode mencionar, a seu favor, iniciativas importantes, como o financiamento a estudantes para evitar a evasão do ensino médio, ou novos investimentos em infraestura no interior do Nordeste. Mas prejudica seu trabalho, quando minimiza a relevância do equilíbrio das contas públicas e insiste em criticar a política monetária voltada para o controle da inflação.

Lula se opõe às ações de prevenção permanente do risco inflacionário, como se fossem benéficas somente a bilionários e a especuladores
Lula se opõe às ações de prevenção permanente do risco inflacionário, como se fossem benéficas somente a bilionários e a especuladores Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Fiel aos piores padrões petistas, o presidente se opõe às ações de prevenção permanente do risco inflacionário, como se fossem benéficas somente a alguns bilionários e a especuladores do mercado financeiro. Como se nunca tivesse ido além das ideias mais simples de uma esquerda juvenil, o presidente se refere ao mercado, com frequência, como se fosse um antro de conspiradores contra o povo trabalhador e o Estado nacional. A mesma rejeição se manifesta em relação à ideia de austeridade monetária e, portanto, à imagem de qualquer Banco Central empenhado na realização séria de seu trabalho.

Neste momento, essa imagem negativa é materializada na figura do presidente do BC, Roberto Campos Neto. Desde o início de seu terceiro mandato, Lula tem sido incapaz de manter por mais que algumas semanas uma relação pacífica, respeitosa e civilizada com esse suposto adversário. Talvez Lula o rejeite por ter sido indicado pelo presidente Jair Bolsonaro. Mas os mandatos de presidentes do BC normalmente se iniciam e terminam, pelas normas atuais, no meio de mandatos dos chefes de governo.

A rejeição manifestada por Lula vai além, no entanto, da pessoa de Campos Neto. Lembrando sua condição de governante eleito, o presidente da República deixa clara sua oposição à ideia de um BC autônomo e dirigido por funcionários independentes do chefe de governo. Trata-se, portanto, de oposição a uma lei resultante de um projeto aprovado depois de longa tramitação no Congresso. Graças a essa lei, o BC brasileiro ganhou status comparável ao de instituições desse tipo existentes nos países mais desenvolvidos. Nesses países, chefes de governo raramente se permitem comentar – ou criticar – as políticas monetárias conduzidas pelos banqueiros centrais.

Os modelos democráticos e administrativos encontrados no mundo mais desenvolvido parecem pouco atraentes ao presidente Lula e muito menos inspiradores que as velhas bandeiras petistas, dificilmente comparáveis, hoje, com os ideários dos movimentos de esquerda afinados com a modernidade. Ao criticar o mercado, uma entidade mal definida e quase irreconhecível em seu discurso, o presidente defende uma atenção maior à realidade brasileira. Mas essa realidade é muito mais variada e complexa do que parecem sugerir as falas presidenciais. A produção eficiente, abundante, acessível e de alta qualidade de bens e serviços para todos os brasileiros depende, embora Lula pareça rejeitar esse fato, de mercados também eficientes e com boas condições de funcionamento.

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Quando ocorrem essas condições, o setor público pode mais facilmente atuar nas áreas onde é preciso oferecer mais do que os mercados podem garantir. Em alguns casos, a associação entre os setores público e privado pode ser uma boa resposta. Em outros, cabe ao governo carregar toda a responsabilidade. Mas, para oferecer o necessário, cabe ao governo, como tarefa preliminar, definir com clareza seus objetivos, planejar de forma competente e seguir um rumo bem traçado. Nada disso, ou quase nada, tem sido feito na administração do presidente Lula, marcada por muito falatório, intenções elogiáveis e desperdício de oportunidades. Em um ano e meio, a economia se moveu, é preciso reconhecer, mas sem um rumo bem desenhado e sem uma clara preocupação com a sustentabilidade.

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Análise por Rolf Kuntz

Jornalista

O fracasso de Biden no debate não é fatal, Deirdre Nansen McCloskey, FSP

  

O presidente dos Estados Unidos e eu temos 81 anos. Nós dois gaguejamos. Nós dois somos, eu garanto, pessoas muito legais.

Joe Biden tem sido uma pessoa de ação, um senador, um vice-presidente e um presidente bem-sucedido. Eu seria uma escolha particularmente ruim para presidente de qualquer coisa que envolvesse ação. Teorias, sim; ações, não.

Biden e Trump no debate da CNN - Christian Monterrosa/AFP

É verdade que, em setembro, em Nova Déli (Índia), tornei-me presidente da Mont Pelerin Society, um grupo de acadêmicos liberais. Mas o papel é principalmente teórico e cerimonial, não executivo. Graças a Deus.
Biden desempenha bem a função executiva —embora não execute como deveria minhas maravilhosas teorias do liberalismo. Mas ele também desempenha bem a função cerimonial.

Ao contrário de Donald Trump, um sociopata certificado, sem nenhuma simpatia humana, Biden chora pelos outros —por outros gagos, por exemplo, com quem ele é surpreendentemente gentil, ou por seu filho morto, por seu filho viciado, por sua filha e primeira esposa mortas, por seus compatriotas caindo em guerras ou desastres naturais e pela terrível ameaça que Trump representa para a democracia mundial.


Mas, em 27 de junho, Biden teve um desempenho muito ruim num debate com Trump. Ele tropeçou, gaguejou e não conseguiu contradizer as afirmações malucas de Trump. O desempenho de Trump foi o de sempre, cheio de mentiras surpreendentes, como a de que ele de fato ganhou a última eleição presidencial.

Mas os cidadãos americanos já esperam mentiras dele. Eles dizem, conscientemente, mas incorretamente: "Todos os políticos mentem". Mas é uma questão de porcentagens. Trump mentiria se você perguntasse se estava chovendo lá fora. E ele aprendeu com o "Mein Kampf", de Hitler, a teoria da Grande Mentira. Ele a pratica toda vez que abre a boca.

Infelizmente, funcionou para Hitler —por exemplo, a mentira de que os 2% da população alemã que eram judeus eram a fonte dos problemas da Alemanha. A meia dúzia de Grandes Mentiras que Trump ensaia em cada discurso parece estar funcionando com muitos eleitores. Vamos orar.

No entanto, Biden se recuperará de seu desempenho desastroso no debate e vencerá em novembro. Trump, tolamente e contra o seu próprio interesse em continuar fora da prisão, não atraiu novos eleitores.

Nenhum, quero dizer, além daqueles que votaram nele em 2020 e agora engolem suas Grandes Mentiras sobre eleições, imigrantes e a beleza dos tiranos.

Que vença o melhor.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

Rebelião há 200 anos no Nordeste impulsionou debate sobre República e fez oposição a dom Pedro, FSP

 

RECIFE

O autoritarismo do Império brasileiro levou um grupo de revoltosos a proclamar uma República em 2 de julho de 1824, durante o reinado de dom Pedro 1º, em uma parte do Brasil. O episódio foi a Confederação do Equador, que questionava os superpoderes e intervenções do imperador. A República proclamada envolvia as províncias de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.

O nome Confederação do Equador se deu por causa da proximidade das províncias com a Linha do Equador. O movimento aconteceu sete anos depois da Revolução Pernambucana de 1817, na qual foi inspirado, segundo historiadores, e dois anos depois da Independência do Brasil.

Exército Imperial do Brasil ataca as forças confederadas no Recife - Leandro Martins/Wikimedia

A declaração de Independência trouxe autonomia para o Brasil, mas não deixou a monarquia para trás. Por isso, a Confederação do Equador trouxe a ideia de República, que se efetivou apenas 75 anos depois, mas que já havia sido implantada em partes da América do Sul.

"Falar de República naquele momento era quase que uma blasfêmia, era quase que atentar os desígnios divinos, porque a ideia de monarquia de antigo regime, monarquia de direitos divinos, ainda estava muito viva", afirma o professor de história George Cabral, da Universidade Federal de Pernambuco.

Em 1824, dom Pedro desfez a Assembleia Constituinte que estava em andamento, composta por deputados eleitos nas províncias, e promulgou uma nova Constituição do Brasil que incluía um Poder Moderador chefiado por ele.

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Naquela época, o imperador não falava em mudar a escravidão e tinha mantido a concentração de terras com os ricos.

A dissolução da Constituinte foi um dos motivos para a explosão da tensão em Pernambuco.

Os líderes da Confederação do Equador também questionaram a troca, em 1823, do presidente da província local, uma espécie de governador. Manoel de Carvalho Paes de Andrade foi eleito pelo voto popular —predominantemente homens ricos votavam—, mas foi retirado do cargo pelo imperador, que colocou na função o antigo incumbente, Francisco Paes Barreto.

A medida foi com base em uma lei de 1823 que determinou a indicação dos presidentes de províncias pelo imperador, em vez de serem escolhidos pelas próprias províncias.

Os ideias liberais eram o norte dos revoltosos, liderados por nomes como Paes de Andrade —articulador político—, Frei Caneca —tido como a voz intelectual do movimento— e Cipriano Barata, um médico baiano que foi morar em Pernambuco após retornar de um período em Portugal. Ele não voltou para a Bahia em razão das tensões políticas no estado, que só aderiu à Independência do país um ano depois. Já Frei Caneca era filho de um homem que fabricava canecas e serviu à Igreja Católica no Convento do Carmo, no Recife.

Os objetivos da Confederação do Equador eram garantir uma ordem constitucional, de preferência com o regime republicano federativo, ou seja, com as autonomias das províncias. Assim, o movimento pretendia se diferenciar do imperador, que era centralizador e tinha amplos poderes com a instituição do Poder Moderador, uma espécie de árbitro das divergências entre poderes.

Outra intenção era instituir o federalismo no país, a fim de garantir maiores autonomias às províncias. "Isso era um problema, porque o imperador não se sentia bem com essa história das províncias estarem com muita independência. Não é uma independência [no modelo] separação, é uma independência no tipo de um autogoverno. Porque o que ele queria na realidade era um governo dele, unitário", diz Flávio Cabral, professor de história da Universidade Católica de Pernambuco e especializado na Confederação do Equador.

"Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte estariam unidos, mas formando um todo. Porém, num Estado não centralizado, como foi aquele que ficou visível após a Independência, e sim num Estado descentralizado", acrescenta Cabral.

Uma discussão central na Confederação do Equador também era o fim da escravidão. Entre os participantes, havia muitos homens negros livres e muitos mestiços livres.

"E a Confederação do Equador foi até um passo adiante, se a gente comparar com a Revolução de 1817. Porque um dos principais, um dos primeiros atos do governo, foi a proibição do tráfico negreiro. Então, a gente pode dizer que a Confederação até avançou em relação à Revolução Pernambucana nesse sentido", diz George.

As elites pernambucanas aderiram ao Império para preservar seus lucros e mão de obra advinda da escravidão.

A Confederação do Equador tem muitas semelhanças com a Revolução Pernambucana de 1817, movimento separatista e republicano ainda no período colonial. Diversos participantes da mobilização de 1824 tinham participado dos atos de sete anos antes.

Alguns participantes de 1817 foram presos, como Frei Caneca, que ficou quatro anos detido e foi solto apenas após a Revolução Liberal do Porto de 1820, quando dom João 6º decretou a soltura de todos os presos políticos, o que contemplou o futuro líder da Confederação do Equador.

Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará eram ligados a Pernambuco social e economicamente, com a produção açucareira e do algodão. Por isso, tinham confluências com o estado mentor do movimento, além de ligações religiosas, com o mesmo bispado na Igreja Católica.

A repressão foi forte. Dom Pedro determinou o fechamento do Porto do Recife, sufocando o abastecimento da província ainda em abril de 1824, antes da eclosão da Confederação do Equador. O fechamento continuou durante todo o movimento, que acabou em novembro.

Como punição, Pedro 1º determinou a retirada da Comarca de São Francisco, atualmente no oeste da Bahia, do território pernambucano. Sete anos antes, o território de Pernambuco já tinha sido reduzido com a retirada de Alagoas, após a Revolução Pernambucana de 1817.

No campo militar, Pernambuco não tinha preparo para enfrentar a tropa do Império. As tropas imperiais ficaram na divisa com Alagoas, impedindo a comunicação com outras localidades. Depois, a tomada do Recife se deu por mar e por terra.

Acuado pelas tropas, Frei Caneca foi rumo ao Ceará, na esperança de organizar e encontrar uma resistência, o que não aconteceu. Foi preso e condenado à morte. Os aliados do Império se recusaram a enforcá-lo. A morte foi por fuzilamento. Já Cipriano foi preso em 1825.

Ilustração da morte de Frei Caneca

A difusão de informações do movimento era feita nos jornais Thyphis Pernambucano, de Frei Caneca, e Sentinela pela Liberdade, de Cipriano Barata. Como parte expressiva da população não sabia ler, Frei Caneca, por exemplo, costumava ler as publicações em praça pública para disseminar as suas ideias.

"Os jornais eram comprados por quem tinha dinheiro. A partir do momento que eles ouviam as discussões, as pessoas, mulheres, pobres ou ricas, escravizados de ambos os sexos, estavam nas esquinas comentando daquilo que está se passando no Rio de Janeiro e em outras partes do mundo", diz Flávio Cabral.

A constituição de um país republicano a partir de Pernambuco não deu certo, mas a Confederação do Equador ajudou a disseminar os ideais de República e liberdade. Duzentos anos depois, os debates sobre superposição dos poderes e sobre autoritarismos ainda estão em vigor no Brasil.

Em Pernambuco, o governo estadual prepara uma série de atividades, a partir da terça-feira (2), para celebrar o bicentenário da Confederação do Equador, incluindo o lançamento de livros especiais e acervos de publicações do período da eclosão do movimento.