terça-feira, 28 de agosto de 2018

Alckmin frustra produtores e empresários ao falar de violência em Caxias do Sul, FSP

Thais Bilenky
CAXIAS DO SUL (RS)
O candidato a presidente Geraldo Alckmin (PSDB) frustrou produtores rurais e empresários ao responder sobre o combate à violência nesta terça-feira (28).
Mesmo entre uma plateia amigável em palestra na Câmara de Indústria e Comércio de Caxias do Sul (RS), a meta de redução do índice de homicídios do tucano causou burburinho.
Citando critério da OMS (Organização Mundial de Saúde), segundo o qual mais de 10 assassinatos por 100 mil habitantes é epidemiologia, ele calculou o limite aceitável para a cidade.
O candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, cumpre agenda de campanha no Rio Grande do Sul
O candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, cumpre agenda de campanha no Rio Grande do Sul - Ciete Silvério - 28.ago.2018/Divulgação
“Caxias arredondando tem 500 mil habitantes [são 435 mil, segundo o IBGE]. Não pode ter mais de 50 homicídios por ano. Se passar disso...”, afirmou Alckmin do palco.
Os empresários e produtores rurais se agitaram nas cadeiras.
Segundo o último Atlas da Violência, Caxias teve 35,5 assassinatos por 100 mil habitantes —o que corresponde a quase 155 homicídios no ano.
“No Brasil, foram assassinadas 63 mil pessoas”, observou o tucano, que então mudou o tom.
“Mas eu quero trazer para vocês uma mensagem de esperança e confiança. O copo é meio vazio, está cheio de problemas, mas também está meio cheio”, afirmou.
Para Daniel Bampi, 42, presidente da Câmara de Indústria e Comércio de Farroupilha, também na Serra Gaúcha, a exposição de Alckmin sobre o tema foi tímida.
“Se não mudar a lei, tu sabes que não tem cura”, afirmou defendendo o porte de arma pela população civil. “É preciso, porque o bandido está armado.”
Ele disse que a mudança poderia provocar aumento de crimes banais, “só que, com o índice de criminalidade que a gente, tem isso vai ser pouco representativo”.
Bampi disse concordar com Jair Bolsonaro (PSL) na área de segurança. “É um discurso bastante enfático, porém realista. É difícil falar com alguém cujo principal medo não seja a segurança”, resumiu.
O produtor ponderou, entretanto, que o capitão não teria força no Congresso para emplacar mudanças e por isso tende a votar em Alckmin.
Com discurso linha-dura, o capitão reformado ganhou amplo apoio no Sul. Segundo o Datafolha, tem 28% da intenção de voto; Alckmin, 5%.
Em sua palestra, o ex-governador paulista mencionou a redução da taxa de homicídio sob sua gestão e defendeu a propriedade privada.
“São Paulo tinha 13 mil homicídios por ano em 2001. No ano passado, foram 3.503 homicídios”, ressaltou.
Contra o “problemão da insegurança jurídica”, o tucano disse que, “em SP, invadiu, desinvadiu. É automático. Não há hipótese de decisão judicial não ser cumprida ou nós não queremos viver em democracia”.
Alckmin reeditou frase em geral atribuída a Pedro Malan, associando-a a outro ex-ministro. “Delfim Netto diz que o Brasil é o único lugar do mundo onde o passado é imprevisível”, disse.
Listando medidas para a segurança no campo e nas cidades, o candidato criticou o governo Michel Temer (MDB).
“O país tem 17 mil quilômetros de fronteira seca. Tráfico de droga, tráfico de arma, contrabando, descaminho, as fronteiras estão abertas. Só com tecnologia [controla]”, declarou.
Aproximou o discurso à audiência.
“Nós sabemos por onde anda o cigarro contrabandeado. Por que não age? Todo mundo sabe que é sobre o rio Paraná, que vem do Paraguai, que produz oito vezes mais do que consome e não exporta. Onde está o governo, que não toma providências?”
Prometeu criar uma guarda nacional, “e o Rio Grande vai ser muito beneficiado porque é um estado de fronteira”.
Para Luiz Raimundo Tomazzoni, diretor do Grupo GPS, de segurança privada, Alckmin “ainda não atingiu os objetivos, o povo brasileiro espera muito mais”.
“Precisa criar um movimento que ataque a criminalidade, prendendo as pessoas e os presídios, que façam seu papel de recuperá-las, não adianta serem faculdades do crime”, defendeu.
Tomazzoni, porém, apoiou o tucano. “É um momento de dificuldade, logo ali na frente ele consegue fazer alguma coisa, sim”, afirmou.
Para o empresário, a retórica bolsonarista não surtirá efeito prático.
“Não concordo com Bolsonaro. O que diz é o que as pessoas gostariam de ouvir, mas no fundo não tem o resultado que o povo espera.” 

Após denúncia, Alckmin diz que aliança com PTB é institucional

Aplaudido por empresários ao criticar o número de sindicatos no país (17 mil), o candidato Geraldo Alckmin se esquivou se comentar a denúncia da cúpula do PTB, seu aliado.
“Você faz alianças com partidos, não faz com pessoas”, afirmou nesta terça-feira (28), em Caxias do Sul (RS). “Tem boas pessoas em vários partidos.”
“O que eu quero deixar claro é que o sistema está errado. É tão estranho ter 11 mil sindicatos de trabalhadores como ter 5.700 patronais também”, disse. “O cartório vale para os dois lados.”
Já em Porto Alegre,  o tucano também não quis comentar a análise pelo Supremo sobre tornar Jair Bolsonaro (PSL) réu pela terceira vez, agora por racismo.
A cúpula do PTB, incluindo o presidente Roberto Jefferson e sua filha Cristiane Brasil, foi denunciada por organização criminosa na Operação Registro Espúrio na segunda (27).
A suspeita é que eles vendiam registros sindicais.
O PTB foi um dos primeiros partidos a anunciar apoio a Alckmin. Em julho, ele elogiou Jefferson.
"O Roberto, desde a primeira vez que eu liguei pra ele para agradecer sua declaração nos jornais de que eu era o melhor candidato, há meses, até hoje não pediu nada, absolutamente nada. Nosso compromisso é com o Brasil", afirmou à época.

Arma no campo
Em almoço com grandes ruralistas, nesta terça (28), o candidato Geraldo Alckmin (PSDB) subiu o tom na questão da segurança no campo.
Na feira​ de agronegócio Expointer, em Esteio (RS), o tucano afirmou que destrinchou as razões pelas quais o porte de arma deve ser facilitado no campo.
Aplaudido diversas vezes, o tucano foi chamado de presidente do Brasil por Gedeão Pereira, presidente da Farsul (Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul).
“Porte de arma na propriedade não tem nenhum problema. Conflitos agrários nós temos que trabalhar segurança jurídica. A questão fundiária a gente resolve fazendo regulamentação”, afirmou.
A receptividade foi diferente daquela em Caxias do Sul mais cedo, quando a fala mais ponderada do tucano frustrou empresários presentes em sua palestra.
O adversário Jair Bolsonaro (PSL) conquistou apoio do setor com retórica contra bandidos e pelo armamento.
“É diferente quem vive no campo de quem vive na cidade. Na cidade você disca 190 e, em questão de minutos, a polícia está na porta. Na área rural você está distante, dezenas de quilômetros”, comparou Alckmin.
Ele não explicou como funcionaria a legislação.
O ex-governador paulista afirmou que domou o problema fundiário em seu estado. “O Pontal do Paranapanema era um barril de pólvora e quase desapareceu o conflito”, bradou.

As silenciosas mortes de brasileiros soterrados em armazéns de grãos, FSP

João Fellet
SÃO PAULO
Os ajudantes Edgar Jardel Fragoso Fernandes, 30, e João de Oliveira Rosa, 38, iniciavam o expediente na Cooperativa C. Vale, em São Luiz Gonzaga (RS), quando foram acionados para desentupir um canal de um armazém carregado de soja.
Era abril de 2017, quando a colheita da oleaginosa confirmava as previsões de que o Brasil atingiria a maior safra de sua história. Enquanto tentavam desobstruir o duto caminhando sobre os grãos, os dois afundaram nas partículas. Morreram asfixiados em poucos segundos, encobertos por várias toneladas de soja.
Acidentes como esse em armazéns agrícolas têm se tornado frequentes conforme o agronegócio brasileiro bate sucessivos recordes —expondo um efeito colateral pouco conhecido da modernização do campo.
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Um levantamento inédito feito pela BBC News Brasil revela que, desde 2009, ao menos 106 pessoas morreram em silos de grãos no país, a grande maioria por soterramento.
 
Cada vez mais comuns nas paisagens rurais do país, silos são grandes estruturas metálicas usadas para armazenar grãos, evitando que estraguem e permitindo que vendedores ganhem tempo para negociá-los.
A BBC News Brasil contabilizou apenas casos noticiados pela imprensa —o que, segundo especialistas, indica que as ocorrências sejam ainda mais numerosas, pois nem todas as mortes são divulgadas.
O ano com mais acidentes fatais foi 2017, quando houve 24 mortes, alta de 140% em relação ao ano anterior. Em 2018, houve 13 ocorrências até julho —sinal de que as mortes devem se manter no mesmo patamar de 2017, considerando-se o histórico de distribuição das ocorrências ao longo do ano.
Os Estados que tiveram mais casos são os mesmos que lideram o ranking de produção de grãos: Mato Grosso (28), Paraná (20), Rio Grande do Sul (16) e Goiás (9). Houve mortes em 13 Estados distintos, em todas as regiões do país.
Sorriso (MT), o município brasileiro com maior valor de produção agrícola —R$ 3,2 bilhões em 2016, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)— foi também o que registrou mais mortes em silos, empatado com a também mato-grossense Canarana, com sete casos cada.

TRABALHOS MAIS PERIGOSOS NO BRASIL

"Os dados são estarrecedores", diz à BBC News Brasil Idelberto Muniz de Almeida, professor de Medicina do Trabalho da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu.
Segundo ele, o levantamento indica que o trabalho em silos está entre as atividades com mais acidentes fatais no país, depois das profissões sujeitas a mortes no trânsito.
Não há estatísticas oficiais precisas sobre mortes em armazéns de grãos no Brasil. Quando trabalhadores sofrem acidentes, cabe ao empregador informar a ocorrência ao Ministério da Previdência Social. No formulário de notificações, porém, não há um código para armazéns agrícolas, englobados pela categoria mais abrangente de "depósitos fixos".
Segundo o ministério, o setor de armazenagem —que inclui o trabalho em silos de grãos, mas também em vários outros tipos de armazéns— teve 11,13 mortes a cada 100 mil trabalhadores em 2016, último ano com dados disponíveis. O índice deixa o setor entre os 25% campos econômicos mais mortíferos para trabalhadores no Brasil.
Em outro sistema de contagem, o Ministério Público do Trabalho —braço do Ministério Público da União— registrou 14 mortes de trabalhadores por asfixia, estrangulamento ou afogamento causados por cereais e derivados entre 2012 e 2017.
O levantamento da BBC News Brasil considera todas as mortes por acidente de trabalho em armazéns de alimentos a granel (não empacotados) que foram noticiadas por veículos jornalísticos. Os casos foram pesquisados por meio de sites de busca, em mídias sociais e no YouTube.

MORTES EVITÁVEIS

O professor Idelberto Almeida afirma que a maioria dos acidentes em silos ocorre quando medidas de prevenção não são adotadas ou não funcionam de forma adequada. "As estratégias para evitar esses acidentes são amplamente conhecidas há pelo menos 15 anos", diz.
Segundo o professor, a ocorrência de vários casos em um mesmo Estado ou município indica que "o poder público tem se mostrado impotente" diante do fenômeno.
Em geral, soterramentos em silos matam em instantes. O trabalhador é asfixiado ao afundar nos grãos e não consegue subir à superfície, como se fosse sugado por uma areia movediça.
Na maioria dos casos, ele é engolido ao caminhar sobre os grãos sem cordas de segurança enquanto tenta movimentar as partículas para desobstruir dutos. Os grãos costumam se aglutinar quando há excesso de umidade, travando o funcionamento do silo.
Em outros casos, menos numerosos, o trabalhador é encoberto por uma avalanche de grãos quando paredes do armazém colapsam —pondo em risco até quem está fora da construção— ou quando há grandes deslocamento de partículas dentro da estrutura.
Silos podem ainda explodir se tiverem grande quantidade de pó de cereais —material que se transforma em combustível quando em contato com superfícies muito aquecidas ou faíscas.

SOBREVIVENTE DE ACIDENTE EM SILO

Quando é envolto pelos grãos, o trabalhador raramente sobrevive.
Por isso, quando Anderson Rodrigo Reis começou a afundar em um monte de soja em um silo em Paranapanema (SP), pensou que não escaparia.
"Gritei: 'pelo amor de Deus, me segura que estou indo para baixo e vou morrer, não estou achando o chão, estou afundando, afundando!'", ele conta à BBC News Brasil.
Hoje com 40 anos, Reis trabalhava desde 2014 na Cooperativa Agro Industrial Holambra como ajudante geral.
Naquele dia, em julho de 2017, entrou no silo para ajudar a carregar um caminhão. Foi quando um colega, diz, prendeu a perna na pilha de grãos ao empurrar a soja para o canal que abastecia o veículo.
"Puxei ele, mas senti que a soja estava fofa e era melhor sair. Ajudei ele a tirar a botina e, quando estávamos saindo, afundei de vez."
Em alguns segundos, diz o ajudante, os grãos chegaram à cintura. O colega tentava puxá-lo pelos ombros, mas a pressão da soja sobre o corpo impedia que fosse içado.
Quando estava só com o pescoço para fora, seu pé tocou a borda de uma estrutura metálica. Foi naquele ponto que o ajudante geral se apoiou por quase cinco horas, até ser resgatado por uma equipe de bombeiros.
Ele diz que a pressão da soja o obrigava a respirar "bem devagarinho". "Vai apertando como lata de sardinha; você não sente dor numa parte, sente em tudo."
Reis conta que, apesar da gravidade do acidente, a empresa relutou em esvaziar o silo para facilitar o resgate, pois não queria perder dinheiro com o descarte. Mas relata que os bombeiros insistiram e abriram uma fenda na lateral da construção, permitindo que o nível de soja baixasse e ele fosse puxado.
O ex-ajudante diz que conhecia os riscos do trabalho em silos e havia sido treinado para a atividade. Ele sabia que, ao caminhar sobre a massa de grãos, trabalhadores deveriam estar presos por cordas a um sistema de ancoragem.
Mas afirma que, quando não havia técnicos de segurança no silo, como naquele dia, os supervisores afrouxavam as regras para acelerar os trabalhos. Ele não vestia cinto de segurança quando sofreu o acidente.
Desde aquele episódio, Reis nunca mais conseguiu entrar em silos. Ele diz que pediu à empresa para ser transferido a outros setores, mas que, nove meses depois do acidente, foi demitido sem justificativas.
Procurada pela BBC News Brasil, a Cooperativa Agro Industrial Holambra não quis comentar o caso.

GASES TÓXICOS EM SILOS

Bombeiro em Sorriso (MT), um dos dois municípios que registraram mais mortes em silos (7), o tenente Gustavo Souza já atendeu quatro casos de soterramentos em armazéns. Em todos eles, não houve sobreviventes.
Ele diz que, em alguns casos, o trabalhador cai nos grãos e é soterrado após passar mal com gases tóxicos produzidos por sua fermentação.
Há ainda casos em que as mortes são causadas unicamente pela inalação desses gases – como em ocorrências registradas em Poços de Caldas (MG), Cachoeira do Sul (RS) e Tangará da Serra (MT).
No acidente em Tangará, em 2011, a vítima foi justamente um bombeiro que tentava resgatar dois trabalhadores que haviam passado mal com gases tóxicos em um silo com soja. O soldado Valmir Bezerra de Jesus desmaiou durante a operação e passou 17 dias internado antes de morrer. Os dois trabalhadores sobreviveram.
As normas de segurança em silos incluem o uso de sistemas de ventilação e de detecção de gases tóxicos. Em situações extremas, trabalhadores só devem entrar nas instalações com máscaras de oxigênio.
Souza diz que resgatar trabalhadores nessas condições é uma das atividades mais temidas entre seus colegas. "Se a gente não toma cuidado com nossa própria segurança, também vira vítima."

ACIDENTES EM TRADERS DE GRÃOS

O levantamento mostra ainda que acidentes fatais ocorreram tanto em armazéns de cooperativas (normalmente geridas por grupos de produtores rurais) e de fazendas individuais quanto em silos de multinacionais que comercializam grãos, conhecidas no setor como traders.
Foram registradas mortes em armazéns das gigantes Cargill (4), Bunge (2) e Amaggi (1).
Em nota à BBC News Brasil, a Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), que representa as três multinacionais, diz que os silos de todas as propriedades e empresas ligadas à associação estão sujeitos a um rígido controle de segurança, que inclui a identificação de riscos, medidas preventivas e capacitação profissional.
Silos que armazenavam milho e soja predominam entre os locais de acidentes fatais, mas também houve mortes em armazéns de arroz, café, açúcar, ração animal e feijão.
Em seis casos, os mortos não eram trabalhadores, e sim parentes que os acompanhavam e jamais poderiam ter entrado nos silos.
Em 2017, uma mulher morreu soterrada em Alta Floresta (MT) enquanto levava um prato de comida ao marido, que trabalhava ali. Dois anos antes, um menino de 8 anos foi soterrado quando brincava em um silo na fazenda dos avós, em Três Lagoas (MS).
Desde 2015, outros dois meninos de 7 anos morreram soterrados em armazéns em Tangará da Serra (MT) e Marechal Cândido Rondon (PR), e uma menina de 9 anos morreu encoberta pela soja em Cerrito (RS).
Os acidentes ocorrem em um momento em que o país amplia a quantidade de armazéns agrícolas para acompanhar o aumento na produção.
Entre 2000 e 2016, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), a capacidade de armazenagem de grãos no país cresceu 80%, favorecida em grande medida por linhas de crédito públicas.
Apesar do aumento, a companhia diz que a capacidade de armazenamento do Brasil precisaria crescer mais 48% para cobrir toda a produção atual.

NORMAS DE SEGURANÇA EM SILOS

As recorrentes mortes em silos no Paraná, segundo Estado com mais registros (20), mobilizaram o Ministério Público do Trabalho (MPT) local.
No segundo semestre de 2017, o escritório do MPT em Londrina, que atua em 70 municípios, pediu a todas as empresas com silos informações sobre o cumprimento da norma 33 do Ministério do Trabalho, que rege as atividades em ambientes confinados – categoria que inclui o trabalho em armazéns de grãos.
A norma contém quase uma centena de orientações para prevenir acidentes nesses espaços, entre as quais proibir o acesso de pessoas não treinadas, testar com frequência os equipamentos de segurança e realizar simulações de salvamento.
O procurador do Trabalho Marcelo Adriano da Silva diz à BBC News Brasil que, a partir das informações levantadas, o órgão pedirá às empresas que se adequem à norma ou entrará com uma ação civil pública para cobrá-las na Justiça a seguir as regras.
Douglas Nunes Vasconcelos, procurador do Trabalho em Mato Grosso, Estado que lidera o ranking de ocorrências (28), atribui as mortes a falhas na fiscalização por parte do Ministério do Trabalho e Emprego.
Ele afirma que os auditores do ministério responsáveis por fiscalizar os silos são insuficientes – e que a carência se agravou com os cortes orçamentários dos últimos anos.
Segundo o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais, o número de profissionais na ativa é o menor dos últimos 20 anos: há hoje 2.305 auditores-fiscais em todo o país, e 1.339 cargos estão vagos.

MORTES EM SILOS EM OUTROS PAÍSES

Nos Estados Unidos, país com capacidade de armazenamento de grãos quase quatro vezes superior à brasileira, houve 23 mortes por soterramento em silos em 2017, segundo um estudo da Purdue University.
Até os anos 1970 e 1980, a maioria de mortes em silos nos EUA ocorria quando as unidades explodiam. Normas federais de segurança adotadas a partir de 1988 reduziram drasticamente essas ocorrências, mas as mortes anuais por soterramento continuaram na casa dos dois dígitos.
Naquele país, silos construídos em fazendas, que concentram boa parte dos acidentes, não são obrigados a seguir as normas federais de segurança – regalia atribuída à influência do lobby agrícola na política americana.
Na Argentina, outro país com grande produção de grãos, mortes em armazéns também são frequentes. Em 1985, a explosão de um silo na cidade portuária de Bahía Blanca matou 22 pessoas e gerou comoção nacional.
Na China, um dos acidentes mais recentes em silos, ocorrido em 2017 na província de Shandong, causou seis mortes – lá, uma avalanche de grãos encobriu os trabalhadores.

TRABALHADORES RESPONSABILIZADOS PELOS ACIDENTES

Irmão de Edgar Jardel Fragoso Fernandes, um dos trabalhadores soterrados no silo da C. Vale em São Luiz Gonzaga (RS), em 2017, o comerciante João Teófilo Fragoso Fernandes diz que o cumprimento de normas de segurança teria evitado as mortes.
Um laudo de auditores do trabalho após a ocorrência constatou o descumprimento de 27 regras de segurança na ocasião.
Entre as falhas citadas estavam a falta de capacitação dos profissionais, jornadas excessivamente longas e a inadequação dos equipamentos de segurança. Segundo o laudo, o silo não tinha qualquer sistema de ancoragem por cordas que impedisse o afundamento dos trabalhadores na massa de soja – item indispensável para a realização da atividade.
O documento diz que a cooperativa "culpou apenas os trabalhadores acidentados pela ocorrência, afirmando que eles não usavam cintos de segurança e não seguiram os procedimentos".
Os auditores afirmam, porém, "que não teria como haver a utilização de cintos de segurança sem pontos de ancoragem adequadamente projetados e instalados".
A cooperativa teve o silo interditado após o acidente.

FILHOS TRAUMATIZADOS PELA MORTE

Quinze anos mais velho que o irmão, Fernandes diz que o tratava como um filho. "Eu criei esse rapaz. Somos de família humilde – nosso pai era pedreiro, passamos por muita luta e desde cedo aprendemos a trabalhar."
Edgar tinha um casal de gêmeos, hoje com 13 anos, e ajudava a criar os outros dois filhos de sua esposa.
O irmão diz que os gêmeos estão traumatizados. "Parece que não caiu a ficha, que ainda não entenderam a realidade de que não têm mais o pai. Chega a correr água dos olhos, parece que o menino está hipnotizado."
Fernandes conta que o ajudante "era um guri cheio de planos", entre os quais fazer faculdade e prestar concurso para policial.
Não foi o primeiro acidente fatal em silos da C. Vale. Em 2011, outro trabalhador morreu soterrado por grãos de soja em uma unidade da cooperativa em Guarapuava (PR).
A C. Vale enviou uma nota à BBC News Brasil dizendo que, nos dois casos, os acidentados eram funcionários terceirizados e haviam passado "pelos devidos treinamentos para trabalho em espaços confinados, com o recebimento de todos os equipamentos de proteção individual necessários ao desempenho das atividades".
A cooperativa não respondeu, no entanto, por que tantas falhas de segurança foram detectadas no laudo do Ministério do Trabalho. Diz ter atendido "prontamente a todas as solicitações do agente ministerial, não tendo sido instaurado contra si qualquer procedimento disciplinar até o presente momento".
A família está processando a C. Vale. Fernandes diz que, mais do que uma indenização, os parentes querem que o episódio seja esclarecido.
O comerciante afirma ter ficado indignado com o argumento da cooperativa de que Edgar foi desleixado no momento do acidente – segundo ele, seu irmão nunca reclamava de trabalhar e estava havia várias semanas sem folga.
"Meu irmão morreu num domingo às três da tarde. Quantas pessoas estão dispostas a trabalhar num domingo? Isso já diz muito sobre ele."
Colaborou Amanda Rossi, da BBC News Brasil em São Paulo.
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