GAZETA DO POVO - PR - 02/01
Estudo de pesquisadora norte-americana contraria o modelo educacional coreano e defende as benesses da escola criativa, que desenvolve poucas e boas tarefas, e se esmera na formação de professores. Esse lugar existe. Fica na Finlândia
A jornalista norte-americana Amanda Ripley inventou um exercício simples e, por causa dele, está fazendo a bola do mundo girar. Estudiosa de educação, debruçou-se sobre uma tabela com dados sobre avanço escolar em nações ricas. Não gostou do que viu – seu país, os Estados Unidos, progrediu muito pouco em meio século, apesar de toda a tecnologia disponível em sala de aula e do dinheiro em cascata investido no setor.
Em vez de lamentar, pôs-se em campo, fazendo estágios em três países onde crianças e adolescentes americanos fazem intercâmbio – Polônia, Finlândia e Coreia do Sul. Não por acaso, são lugares bem avaliados no Pisa, teste que desde o início do século mede o desempenho de 65 países, incluindo o Brasil.
Para começo de conversa, Ripley bate palmas para o exame internacional, um medidor que incentiva o pensamento crítico, passando uma carraspana na decoreba. Não por menos, o diferencial encontrado pela pesquisadora na Polônia e na Finlândia, em particular, foi a criticidade. É palavra perigosa em terras brasileiras, pois por aqui se entende criticidade, não raro, como uma receita pronta e monótona. São seus ingredientes as teorias da conspiração envolvendo os meios de comunicação, o ódio aos Estados Unidos e ao mercado liberal, e a afirmação do paternalismo do Estado.
Não é o caso. Ripley relaciona ser crítico a ser criativo. A depender de sua análise, o livro As crianças mais inteligentes do mundo, que lança no Brasil em 2014, pode se tornar a nova Bíblia dos educadores – ou pelo menos dos educadores ocupados em fazer reviravoltas. Nesse trabalho, a autora defende que melhor que pencas de lição de casa é a lição estimulante, que represente a resolução de um problema. E que, mais do que parafernália eletrônica em sala de aula, conta ter bons professores, quesito básico que faz a educação dar saltos triplos, cravados.
Em comparação com a Coreia do Sul – pródiga em tarefas estafantes e em número de horas passadas entre os muros da escola –, os outros dois países, com suas particularidades, se destacam por gerar expectativas nos alunos, e por fazê-los “donos” do conhecimento com o qual estão tendo contato. Ponha-se na conta a Holanda, também alvo da análise da pesquisadora, país conhecido por abraçar uma educação que caminha na contramão dos massacres coreanos.
O pesquisador polonês-americano Martin Carnoy, ao estudar o mistério da educação cubana, tinha chegado a conclusão semelhante. O que faz as escolas da ilha de Fidel proeminentes, mesmo que estejam prestes a desabar, seria a política das avaliações criativas, feitas por um grupo de professores notáveis, que passa de instituição em instituição estimulando os professores a fazer exercícios diferentes e marcantes. A depender de Martin e de Amanda, a afirmação da escola penitente está com os dias contados.
Sabe-se que não é assim tão fácil. Ainda mais no Brasil, onde as práticas pedagógicas não são um mar de rosas. Houve melhoras no ensino, inclusive entre os mais velhos. Pressionados pela competição no mercado de trabalho, o número de brasileiros entre 30 e 64 anos que voltaram à escola saltou de 1,5% em 1992 para 3,4% em 2012, de acordo com os dados do IBGE. Nas demais faixas, igualmente, os avanços são sensíveis. O que não se consegue mudar é a relação entre aumento de escolaridade e níveis de desenvolvimento, o que é paçoca nas nações ricas.
Os motivos dessa “trava” merecem investigação, mas bem se pode adiantar que o problema passa pela qualidade de ensino. Amanda Ripley facilmente identificaria que o nosso nó está no despreparo de uma grande massa de professores para a tarefa de ensinar. Não é que não queiram. Ensinar bem exige vigilância constante, treino, debates, estratégias, o que não se consegue sem trabalho pesado e boas políticas públicas.
Quando o economista Gustavo Ioschpe fala no desperdício de dinheiro – e de talentos – na educação brasileira, a outra coisa não se refere senão ao que já se tornou um culto ao despreparo. A escola se defende com pedras na mão. Mas não se pode aceitar passivamente que cinco anos de aprendizagem numa escola brasileira sejam tão inferiores aos mesmos cinco anos passados num colégio finlandês – como bem alerta o analista Samuel Pessôa.
Com perdão ao clichê desta época do ano, eis um bom ponto para 2014.
Estudo de pesquisadora norte-americana contraria o modelo educacional coreano e defende as benesses da escola criativa, que desenvolve poucas e boas tarefas, e se esmera na formação de professores. Esse lugar existe. Fica na Finlândia
A jornalista norte-americana Amanda Ripley inventou um exercício simples e, por causa dele, está fazendo a bola do mundo girar. Estudiosa de educação, debruçou-se sobre uma tabela com dados sobre avanço escolar em nações ricas. Não gostou do que viu – seu país, os Estados Unidos, progrediu muito pouco em meio século, apesar de toda a tecnologia disponível em sala de aula e do dinheiro em cascata investido no setor.
Em vez de lamentar, pôs-se em campo, fazendo estágios em três países onde crianças e adolescentes americanos fazem intercâmbio – Polônia, Finlândia e Coreia do Sul. Não por acaso, são lugares bem avaliados no Pisa, teste que desde o início do século mede o desempenho de 65 países, incluindo o Brasil.
Para começo de conversa, Ripley bate palmas para o exame internacional, um medidor que incentiva o pensamento crítico, passando uma carraspana na decoreba. Não por menos, o diferencial encontrado pela pesquisadora na Polônia e na Finlândia, em particular, foi a criticidade. É palavra perigosa em terras brasileiras, pois por aqui se entende criticidade, não raro, como uma receita pronta e monótona. São seus ingredientes as teorias da conspiração envolvendo os meios de comunicação, o ódio aos Estados Unidos e ao mercado liberal, e a afirmação do paternalismo do Estado.
Não é o caso. Ripley relaciona ser crítico a ser criativo. A depender de sua análise, o livro As crianças mais inteligentes do mundo, que lança no Brasil em 2014, pode se tornar a nova Bíblia dos educadores – ou pelo menos dos educadores ocupados em fazer reviravoltas. Nesse trabalho, a autora defende que melhor que pencas de lição de casa é a lição estimulante, que represente a resolução de um problema. E que, mais do que parafernália eletrônica em sala de aula, conta ter bons professores, quesito básico que faz a educação dar saltos triplos, cravados.
Em comparação com a Coreia do Sul – pródiga em tarefas estafantes e em número de horas passadas entre os muros da escola –, os outros dois países, com suas particularidades, se destacam por gerar expectativas nos alunos, e por fazê-los “donos” do conhecimento com o qual estão tendo contato. Ponha-se na conta a Holanda, também alvo da análise da pesquisadora, país conhecido por abraçar uma educação que caminha na contramão dos massacres coreanos.
O pesquisador polonês-americano Martin Carnoy, ao estudar o mistério da educação cubana, tinha chegado a conclusão semelhante. O que faz as escolas da ilha de Fidel proeminentes, mesmo que estejam prestes a desabar, seria a política das avaliações criativas, feitas por um grupo de professores notáveis, que passa de instituição em instituição estimulando os professores a fazer exercícios diferentes e marcantes. A depender de Martin e de Amanda, a afirmação da escola penitente está com os dias contados.
Sabe-se que não é assim tão fácil. Ainda mais no Brasil, onde as práticas pedagógicas não são um mar de rosas. Houve melhoras no ensino, inclusive entre os mais velhos. Pressionados pela competição no mercado de trabalho, o número de brasileiros entre 30 e 64 anos que voltaram à escola saltou de 1,5% em 1992 para 3,4% em 2012, de acordo com os dados do IBGE. Nas demais faixas, igualmente, os avanços são sensíveis. O que não se consegue mudar é a relação entre aumento de escolaridade e níveis de desenvolvimento, o que é paçoca nas nações ricas.
Os motivos dessa “trava” merecem investigação, mas bem se pode adiantar que o problema passa pela qualidade de ensino. Amanda Ripley facilmente identificaria que o nosso nó está no despreparo de uma grande massa de professores para a tarefa de ensinar. Não é que não queiram. Ensinar bem exige vigilância constante, treino, debates, estratégias, o que não se consegue sem trabalho pesado e boas políticas públicas.
Quando o economista Gustavo Ioschpe fala no desperdício de dinheiro – e de talentos – na educação brasileira, a outra coisa não se refere senão ao que já se tornou um culto ao despreparo. A escola se defende com pedras na mão. Mas não se pode aceitar passivamente que cinco anos de aprendizagem numa escola brasileira sejam tão inferiores aos mesmos cinco anos passados num colégio finlandês – como bem alerta o analista Samuel Pessôa.
Com perdão ao clichê desta época do ano, eis um bom ponto para 2014.
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