12 de janeiro de 2014 | 2h 07
GUARACY MINGARDI, GUARACY MINGARDI É DOUTOR EM CIÊNCIA , POLÍTICA PELA USP, MEMBRO DO FÓRUM , BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA - O Estado de S.Paulo
Continua o problema no Maranhão. Nessa semana, delegacias de polícia foram alvejadas e morreu a menina Ana Clara, de apenas 6 anos, que havia sido queimada por criminosos que puseram fogo em um ônibus. A ordem para atacar os meios de transporte partiu do sistema prisional, e seria represália à intervenção do Estado nos presídios depois que foram veiculadas na internet cenas de detentos sendo decapitados por rivais. E, como tudo é feito no improviso, a única providência do governo maranhense foi proibir os postos de gasolina de vender combustíveis em vasilhames. Ninguém discutiu o fato de os presos terem acesso a celulares para filmar a execução, além de uma conexão boa o suficiente para transmitir para fora do presídio as horrendas imagens.
Mesmo a decisão de atacar os ônibus e delegacias não foi explicada a contento. Segundo a polícia, a ordem partiu de Jorge Henrique Amorim Martins, vulgo Dragão, que está preso em Pedrinhas há pouco mais de um ano. O problema é explicar como ela chegou a seus cúmplices na rua. Parece que através de um dos milhares de celulares que prestam serviço dentro dos presídios brasileiros. Com certeza não foi por meio de pombos-correio.
Apesar desses problemas de fundo, o discurso dos responsáveis pela segurança pública no Maranhão ficou apenas no óbvio, girando em torno da "retomada do controle" do presídio.
Retomar significa, segundo os dicionários consultados, "tomar de novo ou reaver". O que é estranho, porque ninguém pode reaver algo que nunca teve. O Estado, no Maranhão, em São Paulo, em todo o Brasil, nunca se preocupou em controlar os presídios. A política não declarada sempre foi deixar os presos mandarem dentro das cadeias para evitar problemas. Os órgãos de segurança desde sempre se dedicaram a cercar os presídios, tentando impedir as fugas, deixando aos presos o comando do dia a dia. E assim as falhas do sistema, como violência, corrupção, superlotação e maus-tratos, são contornadas e jogadas para debaixo do tapete. O problema é que essa estratégia não resolve os problemas, apenas adia a eclosão das crises; mais dia menos dia, elas acontecem.
Outra consequência disso é facilitar a vida dos criminosos mais espertos e violentos, que acabam por dominar o sistema. É claro que com a ajuda de alguns guardas de presídio influenciáveis ou corruptos. E, como os tempos são outros, a era dos valentões individuais, que atemorizam os calouros, já passou. Agora mandam no xadrez quadrilhas cada vez mais organizadas. Ou, como em São Paulo e Rio, verdadeiras organizações criminosas. No Maranhão a disputa que originou a série de mortes tem como pano de fundo a existência de duas organizações rivais que tentam assumir o poder.
O Bonde dos 40 e o Primeiro Comando do Maranhão (PCM) são dois grupos que querem a hegemonia no sistema prisional. E, como estão em guerra e o Estado não intervém, as mortes são inevitáveis. Segundo dados oficiais, foram 60 no ano passado. A situação só provocou manchetes quando a imagem dos presos decapitados vazou para fora das muralhas.
Essa guerra, como todas as que ocorrem ou já ocorreram dentro de qualquer prisão do mundo, pode ter eclodido por inúmeros motivos: superlotação, controle da entrada de drogas, briga por espaço, maus-tratos, etc. Ou simplesmente porque as organizações criminosas querem expandir seu poder. E, depois que uma guerra começa, o único jeito de impedir as mortes é separar os presos. São Paulo e Rio de Janeiro já adotaram essa prática, o que diminuiu a violência interna, mas reforçou o controle das quadrilhas sobre seus tutelados. No Rio, o garoto preso vai cumprir pena na cadeia controlada pelo grupo que manda na região onde mora. Se for do Morro X, controlado pelo 3º Comando, vai para o Presídio Y, comandado pela mesma organização. Em São Paulo, a Secretaria de Assuntos Penitenciários tem todo o cuidado de apaziguar o sistema evitando que inimigos do Primeiro Comando da Capital caiam numa cadeia dominada por ele. Como o PCC controla mais de 70% do sistema, está cada vez mais difícil achar uma vaga segura para alguns presos.
Isso nos remete, aliás, a uma questão importante. A disputa só termina de fato quando um dos grupos obtém a hegemonia da carceragem. Em São Paulo isso ocorreu na primeira metade da década passada. Lembrando que, antes de conseguir o poder, o PCC teve de matar todos os concorrentes. E, quando não tinha mais inimigos internos, levou a luta para outra esfera. Passou a confrontar o Estado, por meio de rebeliões e ataques aos órgãos de segurança. O momento culminante foi em 2006, quando obrigou o governo a ceder e ganhou mais espaço nos presídios e prestígio na rua.
A crise no Maranhão precisa ser analisada à luz das lições da história recente. E ela demonstrou que não bastam palavras ou ações midiáticas, como intervir temporariamente no sistema ou proibir a compra de gasolina. É necessário manter os presídios sob controle estatal, impedindo tanto as guerras quanto a hegemonia de grupos criminosos.
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