Fernando Reinach
A grande maioria dos seres vivos morre assim que termina a fase reprodutiva. Insetos machos devorados pelas fêmeas ainda durante o coito e fêmeas que morrem logo após botar os ovos são casos extremos, mas do ponto de vista evolutivo fazem todo o sentido. Os seres vivos são selecionados por sua capacidade de transmitir seus genes aos descendentes e os que falharam já estão extintos.
Se isso é verdade, como explicar que em algumas espécies, como nos humanos e nas baleias, a vida de um indivíduo se estende por longos anos após o término de seu ciclo reprodutivo? Em 1964, W. D. Hamilton demonstrou que os seres vivos podem aumentar as chances de seus genes serem transmitidos às gerações futuras se cuidarem de seus filhos. Ao garantir que os filhos sobrevivam até a idade reprodutiva, os pais asseguram indiretamente a sobrevivência de seus genes.
Isso explicaria por que surgiram comportamentos como o de alimentar e cuidar da prole. Para Hamilton, a avó que vive o suficiente para ajudar a filha a criar os netos aumenta as chances de seus genes chegarem aos bisnetos. É uma noção pouco romântica, mas explica por que as mulheres sobrevivem tantos anos após a menopausa. As mulheres ancestrais que possuíam genes que conferiam anos extras de vida deixaram mais descendentes, que dominam o planeta.
Sabe-se há muitos anos que as orcas, também chamadas de baleias assassinas (Orcinus orca), vivem mais de 90 anos, apesar de seu período reprodutivo terminar aos 30 ou 40 anos. Agora foi demonstrado que essas baleias ajudam sua prole até que os filhos terminem sua idade reprodutiva.
Estudo de 36 anos. Essa descoberta foi feita estudando um grupo de 589 baleias que vivem livremente no Oceano Pacífico, na costa oeste dos EUA. O estudo foi iniciado em 1974 e terminou em 2010. Durante esses 36 anos, a vida de cada baleia foi monitorada, e nascimentos e mortes foram registrados. Esse acompanhamento foi possível porque a nadadeira dorsal de cada baleia possui marcas e cicatrizes únicas que permitem que cada indivíduo seja identificado nas fotos tiradas pelos biólogos. O trabalho foi facilitado pelo fato de essas baleias viverem em grupo e os filhos e netos continuarem a viver com os pais e avós. Assim, quando um grupo surge na superfície, ele pode ser fotografado, o que permite a identificação de cada indivíduo.
Para analisar o que acontecia com cada indivíduo, as baleias jovens foram divididas em três grupos. No primeiro estavam os animais que, aos 40 anos, tinham perdido as mães aos 15 (ou seja, somente tiveram a mãe até o inicio da idade reprodutiva). No segundo grupo estavam as baleias que, aos 40 anos, tinham perdido a mãe aos 35 (tiveram a mãe até a metade de sua idade reprodutiva). No terceiro, os animais que, aos 40 anos, ainda tinham a mãe viva, que agora era vovó (tiveram a presença da mãe até o final de sua idade reprodutiva).
Os cientistas analisaram a probabilidade de os animais de cada grupo viverem até os 40 anos. Foi observado que os animais que tiveram a mãe presente durante toda sua vida tinham 50% de chance de chegarem vivos aos 40 anos. Os que perderam a mãe aos 35 também tinham 50% de chance de chegar aos 40, mas essa probabilidade caía rapidamente logo após a morte da mãe, indicando uma grande dependência da presença materna. Os que perderam a mãe mais cedo, aos 15, tiveram sua chance de sobrevivência reduzida durante toda sua vida e sua probabilidade de chegar aos 40 anos é de 30%.
Os cientistas também observaram que esse efeito é mais acentuado para fêmeas que para machos. Esses resultados demonstram que a presença da mãe no grupo social aumenta as chances de sobrevivência dos filhos e, quanto mais tempo a mãe está presente, melhores as chances de sobrevivência de sua prole. O interessante é que esse efeito se estende por um período muito maior que o necessário para a mãe amamentar seu filhote e o ensinar a caçar. Os cientistas não sabem a causa dessa maior chance de sobrevivência dos animais que ainda têm sua mãe viva, mas uma hipótese é que a mãe ajude os filhos a caçar e talvez auxilie na criação dos netos.
Do ponto evolutivo, isso confirma a vantagem evolutiva de uma vida longa. Mesmo que na chamada "melhor idade" as baleias não sejam capazes de reproduzir, elas ajudam os filhos a sobreviver. Tudo indica que o que chamamos de amor materno é uma estratégia evolutiva para garantir a sobrevivência de nossos genes.
* BIÓLOGO
MAIS INFORMAÇÕES: ADAPTIVE PROLONGED POSTREPRODUCTIVE LIFE SPAN IN KILLER WHALES. SCIENCE, VOL. 337, PÁG. 1.313, 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário