AMIR KHAIR - MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV, CONSULTOR - O Estado de S.Paulo
O que caracterizou a política econômica durante o segundo mandato do governo FHC (1999/2002) foi o denominado tripé: meta de inflação, superávit primário e câmbio flutuante. O que foi saudado, equivocadamente, por algumas análises, como acerto na política econômica do governo Lula (2003/2010) foi a manutenção deste tripé. O que vem sendo tratado em várias análises nestes 22 meses de governo Dilma é se essa política do tripé foi abandonada.
Parece-me claro que foi dado adeus ao tripé original e, desde o início deste ano, passou-se a ter um novo tripé: meta de crescimento, resultado fiscal e câmbio administrado.
As análises que defendem o tripé original argumentam que ele assegura a inflação sob controle e finanças públicas e contas externas em equilíbrio. O crescimento, ora o crescimento, é consequência.
Vamos analisar esses argumentos, quanto aos objetivos pretendidos.
Inflação. Meta de inflação é necessária, mas não suficiente. Necessária, pois dá um balizamento aos agentes econômicos quanto ao comportamento previsto para a evolução dos preços. Insuficiente, pois os agentes, se puderem, costumam fazer a correção dos preços olhando pelo retrovisor, ou seja, a inflação passada e, mais insuficiente ainda, pois os condicionantes da inflação pouco dependem da política econômica. Esses condicionantes são os preços internacionais, preços dos serviços e preços monitorados pelo governo (federal, estadual e municipal).
Estatisticamente, pelos dados dos últimos 17 anos, cerca de 60% da inflação depende dos preços dos produtos comercializáveis, que são os que sofrem a concorrência externa, com destaque para as commodities. O preço dos serviços condicionam cerca de 25% da inflação, e os preços monitorados, 15%.
Neste ano, a influência na inflação mundial se deu pela seca nos Estados Unidos, que encareceu os alimentos. Até setembro, a inflação atingiu 3,77% e a dos alimentos, 6,44%. Cerca da metade da inflação neste ano, segundo algumas análises, virá dos alimentos. Nem a meta nem o governo podem alterar isso.
Os serviços ficaram abaixo da inflação de 1999 a 2004 e, a partir de 2005, ficaram acima, provavelmente pela demanda maior que a oferta. Para conter a inflação de serviços, só com maior arrocho na economia para gerar desemprego, o que não constitui objetivo deste governo, que luta para conseguir retomar o ritmo de crescimento que vigorou de 2004 a 2008 (4,8% ao ano). Vale notar que algumas análises argumentam que a inflação virá, pois os salários estão sendo corrigidos acima da inflação em razão do baixo nível de desemprego. Será que pregam ampliar o desemprego para conter o mal da inflação? Não creio.
Os preços monitorados (energia elétrica, telefone, combustíveis, água e esgoto, passagens de ônibus, etc), de 1995 até 2006, foram corrigidos acima da inflação e, após 2006, têm contribuído para reduzir a inflação. Exemplo disso é o não reajuste dos combustíveis da Petrobrás por nove anos - um erro, pois está enfraquecendo a principal empresa do País, quando o governo deveria fazer o contrário.
Assim, pode-se fixar meta de inflação, mas a ação do governo federal é apenas sobre parte dos 15% que influenciam os preços monitorados e, assim mesmo, em larga escala, dependerá das agências reguladoras, sujeitas a poderosos lobbies das concessionárias de serviços públicos.
Vale sempre repetir: quanto mais baixa a Selic, maior o estímulo ao investimento privado; portanto, na ampliação futura da oferta, melhor antídoto contra a inflação. Por isso, parar em 7,25% atenta contra os objetivos do governo de estímulo ao investimento, de crescimento, de combate à inflação e na saúde das contas públicas.
Finanças públicas. O uso do superávit primário (diferença entre as receitas e despesas, exclusive financeiras) para a saúde das finanças públicas é inadequado, pois olha só um lado da moeda. O outro, as despesas com juros, não é considerado neste conceito, que é tanto mais inadequado quanto maior o peso dos juros nas contas públicas. Por exemplo: em 2003, o superávit primário foi de 3,3% do PIB e o déficit, de 5,2% do PIB. Em 2009, o superávit primário foi 2% do PIB e o déficit, 3,3% do PIB. O que marcou isso foi a despesa com juros, que foi de 8,5% do PIB em 2003 e de 5,3% em 2009.
Felizmente, o descarte do resultado primário começou a ser feito pelo governo e por número crescente de análises sobre contas públicas.
Câmbio flutuante. É das pernas do tripé a que foi rifada há vários anos. O enterro definitivo ocorreu em todos os países após a crise de 2008, quando o Fed (banco central americano), o Banco Central Europeu e os bancos centrais da Inglaterra e Japão injetaram na economia algo equivalente a US$ 10 trilhões. Isso ocorreu e continua para salvar os sistemas bancários desses países e permitir a desvalorização de suas moedas para estimular as exportações.
Em resposta a essa avalanche de liquidez, há de desvalorizar o real para devolver às empresas a competitividade que lhes foi subtraída com a valorização do real. O Brasil tornou-se um país caro até na comparação com os países desenvolvidos. Não é que o preço externo tenha baixado tanto que ficou mais barato comprar fora. É que o preço do nosso produto ficou mais caro com a valorização da moeda. Tenho repetido em artigos que o câmbio que permite o equilíbrio das contas externas é pouco acima de R$ 3. Assim, é necessário desvalorizar o real injetando liquidez na economia e, para isso, só via câmbio administrado.
Meta de crescimento. Se pouco pode fazer o governo para alterar a inflação, que não depende mais da Selic, muito tem a ser feito em favor do crescimento econômico. O mais importante é retirar as travas do crescimento: juros bancários elevados e carga tributária alta sobre o consumo.
É necessário continuar a pressão sobre os bancos privados para reduzir o pouco que fizeram para reduzir os juros. O caminho é continuar a redução da Selic até 5% (média dos países emergentes) e tabelar, reduzindo as tarifas bancárias. Com isso reduz-se duas importantes fontes de lucro bancário, induzindo-os à concorrência nos empréstimos.
Para diminuir a carga tributária sobre o consumo, não é simplificando o ICMS estadual, mas sim reduzindo suas elevadas alíquotas. Com isso, os preços caem, favorecendo o combate à inflação, a melhor distribuição do ônus tributário que pesa sobre as pessoas e a maior competitividade para as empresas. O crescimento econômico gerado compensa os Estados da aparente perda com a redução de alíquotas.
O velho tripé garantiu polpudos e fáceis lucros aos bancos. Que o novo, em conjunto com outras políticas, especialmente as voltadas para uma melhor distribuição de renda, ajude a impulsionar o desenvolvimento econômico. Vale acompanhar.
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