domingo, 21 de outubro de 2012

Onda de blecautes coloca segurança do sistema nacional de transmissão em xeque


RENÉE PEREIRA - O Estado de S.Paulo
A sequência de blecautes que atingiu o Brasil nas últimas semanas levantou suspeitas sobre a segurança do sistema nacional de transmissão. Neste ano, já foram 63 cortes. Só entre os dias 15 de setembro e 15 de outubro, foram 14 desligamentos em várias regiões - na média, significa quase um corte a cada dois dias. Em 2011, no mesmo período, foram nove apagões e todos bem menores. Em termos de volume de energia desligada, os blecautes dos últimos 30 dias foram 153% maiores que os de 2011.
As informações, retiradas de relatórios diários do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), coincidem com a evolução dos desligamentos nos últimos anos. No ano passado, foram 97 ocorrências com cortes de eletricidade acima de 100 MW - número 29% superior ao de 2007.
Embora o governo garanta que o sistema nacional tenha alta confiabilidade, especialistas temem que os apagões sejam uma sinalização de falta de manutenção da rede. "Uma parte do sistema é cinquentão e deveria ter passado por um processo de manutenção e substituição. A indicação mais óbvia de que isso não ocorreu são os apagões", diz o professor da Universidade de São Paulo Ildo Sauer.
O diretor-geral do ONS, Hermes Chipp, discorda das suspeitas. "Não existe falta de investimento a ponto de caracterizar o problema (de blecaute). De 2001 para cá, os investimentos foram enormes." Ele explica que, no caso do sistema existente, os investimentos em manutenção e reforço precisam ser feitos de forma gradual, para não impactar a tarifa.
"Você não faz tudo ao mesmo tempo. Primeiro, você investe na rede básica, nas linhas de mais alta tensão, nas interligações inter-regionais, responsáveis pela transferência de energia entre as regiões, e nas linhas de escoamento das bacias das grandes usinas."
As explicações de Chipp, no entanto, não convencem totalmente os especialistas. Como engenheiro, que começou fazendo manutenções no sistema, Carlos Faria, hoje presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), sabe que um transformador não queima da noite para o dia - como ocorreu em alguns cortes recentes. "Você tem de fazer um acompanhamento. O equipamento dá sinais de que precisa ser trocado. Para mim está claro: estamos com problemas em manutenção", afirma.
Na avaliação do diretor executivo da Associação Brasileira das Grandes Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate), Cesar de Barros Pinto, o sistema nacional pode ser considerado bom, mas tem problemas. Ele explica que muitos cortes ocorrem porque a proteção (os chamados relés) não consegue isolar a linha. "Em muitos casos tem havido desligamento em cascata. Pode ser problema no equipamento ou um ajuste inadequado", destacou o executivo.

Mudança no setor torna operação mais complexa

Usinas movidas a biomassa, painéis solares, parques eólicos e hidrelétricas distantes dos grandes centros de consumo elevam o número de ocorrências

21 de outubro de 2012 | 3h 08

RENÉE PEREIRA - O Estado de S.Paulo
As mudanças no perfil do setor elétrico, com a inserção de novas fontes de eletricidade, tornaram a operação do sistema de transmissão mais complexa. Estudo feito pelo Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP) mostra que a entrada de usinas a biomassa, painéis solares, parques eólicos e hidrelétricas distantes dos grandes centros de consumo ajuda a aumentar o número de ocorrências no sistema de transmissão.
No caso das fontes alternativas, a explicação está na quantidade de pequenas unidades que entram e saem do sistema com maior frequência, exigem mais manobras na operação e deixam o sistema mais exposto a falhas.
"No passado, tínhamos grandes hidrelétricas, grandes termoelétricas e grandes linhas de transmissão. Era mais fácil operar o sistema. De tempos pra cá isso mudou", avalia o professor da USP, Ildo Sauer, que acaba de criar na universidade o Centro de Inovação em Qualidade, Confiabilidade e Controlabilidade do Sistema de Energia Elétrica.
Ele conta que a construção das hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, no Norte do País, também vai exigir mais atenção do Operador Nacional do Sistema (ONS). A energia produzida por essas usinas terá de percorrer 2.500 quilômetros (km)de distância até chegar ao Sudeste. Se não houver controle rígido, os desligamentos na linha poderão provocar efeito cascata em todo o sistema, a exemplo do linhão de Itaipu. O diretor-geral do ONS, Hermes Chipp, destaca que, quando essas linhas começarem a funcionar, será necessário fazer "esquemas e dimensionar medidas de proteção, de forma que a perda não se propague".
De acordo com o trabalho da USP, outro fator que tem contribuído para mexer com o sistema elétrico é a mudança na natureza da carga. Equipamentos elétricos com novas tecnologias, e até mesmo as lâmpadas fluorescentes, produzem distorções na corrente e tensão elétrica. "Há uma mudança de paradigma no sistema que exigirá uma organização maior e uma atuação preventiva. Sem isso, os apagões vão continuar ou até mesmo aumentar", avalia o professor.

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