Justiça antecipa fim de queima da cana em SP
Decisões judiciais impõem mecanização da colheita e provocam prejuízos a produtores
21 de outubro de 2012 | 3h 07
RENÉE PEREIRA - O Estado de S.Paulo
Em meio a uma das piores crises da história, a indústria de açúcar e álcool sofre novo revés. Uma série de ações judiciais movidas pelo Ministério Público Federal tem antecipado o fim da queima da cana-de-açúcar prevista para 2014 e 2017 em algumas regiões de São Paulo. A decisão afeta milhares de pequenos agricultores que argumentam ter mais cinco anos para se adequar ao protocolo de intenções firmado com o governo do Estado.
A medida, embora positiva do ponto de vista ambiental, tem várias implicações na safra atual, que está 11% menor no Estado. Uma das preocupações é perder o momento da colheita, já que o corte da cana crua é mais demorado. Com a proximidade do período chuvoso, produtores têm até novembro para concluir a colheita. Em alguns casos, só metade do canavial foi cortado. Nesta época, era para estar em 80%.
"Vai sobrar cana em pé. O pior é que os produtores ficarão sem renda para a plantação da próxima safra", lamenta o presidente da União da Indústria da Cana-de-açúcar (Unica), Antonio de Pádua Rodrigues. Segundo ele, o Ministério Público não questiona a queima da cana em si. O que os procuradores querem é que as autorizações - hoje concedidas pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) de São Paulo - sejam feitas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama).
Além disso, exigem que os agricultores apresentem o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) para obter a licença. "É uma ingerência na decisão do Estado", diz Pádua. O procurador da República, Thiago Lacerda Nobre, que pediu a suspensão da queima de cana em Jales, diz que os estudos de impacto ambiental deveriam ser feitos a cada ciclo da cana, de cinco a seis anos.
Hoje, 30% da cana plantada em São Paulo pertence a pequenos produtores, com áreas inferiores a 150 hectares. Para eles, o prazo para eliminar a queima de cana é 2017, segundo protocolo assinado com o governo paulista. Acima desse porcentual, em canaviais próprios das usinas e com declividade inferior a 12%, a queima terá de acabar em 2014.
"Ninguém é a favor da queima. O que não pode é haver uma proibição de forma tão abrupta, especialmente num momento de carência de matéria-prima e perda de produtividade", diz a secretária da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Mônika Bergamaschi. Na avaliação dela, neste momento as ações comprometem o desenvolvimento de regiões inteiras. "O protocolo entre governo paulista e o setor foi pensado do ponto de vista ambiental, social e econômico." A secretária argumenta que o prazo para o fim da queima tem o objetivo de preparar a região e o trabalhador para outras atividades econômicas.
Queda na colheita. As ações judiciais atingem duas importantes regiões produtoras: Piracicaba e Araraquara. Mas há outros pedidos na Justiça Federal, como é o caso de Jales. Na região de Piracicaba, responsável por cerca de 20% da produção do Estado, 17 municípios estão proibidos de cortar cana queimada. A decisão afeta 2.167 fornecedores, 73% deles com áreas inferiores a 25 hectares.
"Esses produtores não estão preparados para fazer o corte da cana mecanizada neste momento. Se colocar máquinas nesses terrenos agora, haverá uma queda de 25% a 30% na colheita", destaca o presidente da Organização dos Plantadores de Cana da Região Centro-sul do Brasil (Orplana), Ismael Perina. Segundo ele, no momento, muitos produtores não têm condições de comprar uma máquina, que custa cerca de R$ 2 milhões.
Outro ponto crítico é a alta dos custos - cujo crescimento já é expressivo nos últimos anos - provocado por esse despreparo. Com as decisões judiciais, o custo do corte da cana subiu de R$ 12 para R$ 18 a tonelada, lamenta o presidente da Associação dos Fornecedores de Cana de Piracicaba (Afocapi), José Coral.
Na região de Araraquara, o processo é antigo. A primeira liminar exigindo o EIA-Rima é de 2008. No ano passado, a decisão foi suspensa pelo desembargador federal Roberto Haddad. Mas, neste ano, o novo presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3.ª Região, Newton De Lucca, recusou o pedido.
"Dezenove municípios estão proibidos de queimar a palha da cana", diz Francisco Malta, da Associação dos Fornecedores de Cana de Araraquara (Canasol). Ele calcula que na região cerca de 10% da cana não será colhida este ano. Seus advogados tentam suspender a decisão, mas até agora não tiveram sucesso.
Os produtores da região de Jaú e Jales também estão sob ameaça. No primeiro caso, uma liminar proíbe a queima. Mas os agricultores conseguiram, temporariamente, autorização para determinados horários do dia, diz o presidente da Associação dos Produtores de Cana (Associcana) da região de Jaú, Eduardo Romão. Segundo ele, a mecanização é um caminho sem volta. "Em dois ou três anos vamos acabar com a queimada. Mas precisamos de tempo."
Falta rigor nas autorizações, diz procurador
O Estado de S.Paulo
Um dos argumentos usados pelo Ministério Público para pedir a suspensão da queima da cana no interior paulista é a suposta falta de rigor das autorizações dadas anualmente aos produtores pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).
O procurador da República em Jales, Thiago Lacerda Nobre, diz que as licenças ambientais não seguem critérios rígidos para serem liberadas. "Se o proprietário faz o pedido e a Cetesb não responde em 15 dias, ele tem a autorização", critica.
Por isso, Nobre e outros procuradores que tratam do assunto reivindicam a participação do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) na liberação das licenças ambientais. A proposta, diz Nobre, é que Cetesb e Ibama atuem de forma conjunta num primeiro momento até que novos critérios sejam estabelecidos. "Não sou contra a queima da cana, desde que seja autorizada de forma criteriosa, respeitando a saúde da população e a fauna local."
Em nota, a Cetesb afirma que segue a norma legal vigente quando analisa os pedidos de autorização. Além disso, destaca que, "conforme Protocolo de Cooperação firmado entre o governo do Estado e a União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica), os produtores e indústrias signatárias deverão, entre outras iniciativas, antecipar o prazo final para a eliminação das queimadas da palha de cana, de 2021 para 2014, e nos terrenos com declividade acima de 12%, de 2031 para 2017".
O procurador da República diz que, em termos de equipamentos, muitos produtores estão atrasados. Ele acusa alguns deles de não querer mecanizar a colheita da cana para não elevar os custos. "A população não pode ser colocada em segundo plano em detrimento de quem só visa ao lucro. Se não fizermos nada agora, a queimada nunca vai acabar."
A secretária da Agricultura, Mônika Bergamaschi, não concorda. Para ela, tudo precisa ser amplamente discutido para não provocar mais prejuízos ao setor. Ela explica que, com o protocolo, muitas áreas ficarão impedidas de plantar cana por não permitirem a entrada de máquinas. São terrenos com grande declividade. "Por isso, estamos estudando alternativas para essas áreas, como o cultivo de frutas, seringueiras e a horticultura. E isso exige tempo." / R.P.
Nenhum comentário:
Postar um comentário