terça-feira, 25 de setembro de 2012

TRANSPORTE PÚBLICO EM SÃO PAULO


Do BLOG DO RALPH GIESBRECHT

Bondes em São Paulo - Folha da Manhã - 8/8/1947

Nos jornais de hoje (no caso, O Estado de S. Paulo), a manchete no caderno Metrópole: "Velocidade média do metrô é 4 vezes maior do que a dos carros em São Paulo". Surpreso? Não devia estar, basta ver o movimento de automóveis à sua volta.

Embora um automóvel possa andar mais rápido do que qualquer metrô ou trem da CPTM, que trafegam no máximo a 90 km/hora, a média de velocidade dos primeiros em São Paulo é logicamente muito menor, já que não há mais espaço para todos eles nas ruas. Essa comparação foi feita durante os horários de pico de trânsito: 32,4 km/hora do metrô contra 7,6 km/hora dos carros. Lembre-se que o metrô anda e para em estações distantes umas das outras a aproximadamente um quilômetro... o que baixa, claro, sua velocidade média (e vá se saber se, nesta reportagem, os repórteres consideraram somente linhas de metrô ou se somaram também as linhas de trens da CPTM - o eterno erro a que me referia numa postagem que publiquei há alguns dias somente).

E por que, então, os nossos habitantes não usam mais o transporte sobre trilhos? O artigo também tenta explicar isso, afirmando que as pessoas se acostumaram aos carros e preferem realmente usá-los, em vez de tomar trens. Porém, não é somente esse o problema. Mesmo gente que quer usar o trem não o faz, na maioria das vezes porque a estação está longe e o percurso até ela tem de ser feito por outro transporte: ônibus ou o próprio carro, que muitas vezes ou não tem local para estacionar ou o preço para isto é muito caro e não compensa. De ônibus, como acontece comigo, este leva, da minha casa até a estação, um tempo absurdo, onde, em vez de fazer um trajeto o mais curto possível, faz, na verdade, um trajeto cheio de vais e vens somente para "catar passageiros".

Mesmo assim, eu uso trens e metrôs em muitas ocasiões: quando vou ao centro de São Paulo ou quando vou a qualquer bairro que possua corredores de ônibus, trens ou metrôs. Agora, por exemplo: para ir de Pinheiros - onde tenho escritório - a Moema, vou de carro mesmo. É muito longe para ir a pé, não há trajetos decentes de ônibus (para enfrentar a Faria Lima inteira, de carro ou de ônibus, a demora é a mesma) e linhas férreas, nem pensar.

Porém, uma coisa a reportagem de "O Estado" não fala: se o número de usuários de automóveis deixarem de usar seus carros hoje for igual ao número hoje de pessoas que já usam o trem e, por consequência, tenham de usá-los, não haverá condições. As linhas "explodem". Portanto, para se fazer uma campanha para mais uso de trens, há de se fazê-la à medida que se expandirem as linhas e quando uma dessas entrar em operação. Colocar mais ônibus nas ruas vai melhorar muito pouco a situação, pois - lógico - eles também ocupam espaço, e um deles ocupa o lugar de pelo menos dois automóveis, embora possa carregar mais usuários.

O problema do transporte público na cidade de São Paulo vem de anos e anos. Em 1872, implantou-se a primeira linha de bondes - a burro. Em 1900, entraram os bondes elétricos da Light, mas foram-se os bondes a burro, que trafegaram cada vez menos até 1905. Antes disso, o transporte alternativo era de troleis ou carroças - que mal transportavam duas pessoas além do seu condutor. Claro, com a chegada dos automóveis, foram aparecendo os "carros de praça", ou táxis.Em 1911, a cidade possuía cerca de 200 automóveis, que rodavam ainda com carroças, troleis e bondes ao lado em ruas que, em sua maioria, não eram pavimentadas, com exceção das do centro velho e uma ou outra.

Porém, já havia bairros mais afastados. A cidade ainda não tinha a ela anexado o então município de Santo Amaro, cuja fronteira dava-se na região da Cidade Jardim e do km 2 da estrada de Itapecerica, hoje avenida Francisco Morato, e, do lado de cá do Pinheiros, o córrego da Traição. Em volta dessas divisas, terras virgens de cada lado. Em 1913, os limites da área mais populosa seguiam mais ou menos pela alameda Iguape (rua Oscar Freire), avenida Municipal (Doutor Arnaldo), a rua Cardoso de Almeira, a Barra Funda, o Canindé, o Pari, o Belenzinho, o Hipodromo (na época, junto à rua Taquari), a estação da Mooca (na época, da SPR, hoje CPTM), o Cambuci e o que viria a ser a região do Parque Ibirapuera.

Fora desse anel, bairros como o Ipiranga, Santana, Penha, Pinheiros e Lapa estavam mais afastados. Já existiam antes do transporte público, mas num grande isolamento que diminuiria à medida que estes fossem implantados. O Ipiranga, a Penha e a Lapa desenvolveram-se com a chega daa ferrovias: São Paulo Railway e Central do Brasil, ainda no século XIX. Pinheiros era ligada ao centro com a estrada de Sorocaba (hoje, eixo rua da Consolação-av. Rebouças-rua de Pinheiros), a Estrada da Boiada (que vinha da estação da Lapa) e barcos que saíam do Tietê entrando pelo Pinheiros, raros. Enfim, "quebrava-se o galho".

Porém, a população ia aumentando e o transporte deveria acompanhar isto. Bondes foram estendidos até Santana ainda no tempo dos burricos. Isto não aconteceu com Pinheiros, que os viu chegar somente em 1908 com o aterramento da rua Teodoro Sampaio. Penha, Lapa e Ipiranga também receberam seus bondes, mesmo com os trens. Claro, não citei todos os bairros afastados, mas não eram tantos assim que existiam além dos que citei.

A Light, no entanto, à medida que São Paulo crescia - e todos sabemos que isso se deu extremamente rápido, de 200 mil habitantes para 2 milhões em 1960 e para 12 milhões hoje -, passou a interessar-se mais pelo fornecimento de energia elétrica para a cidade do que em tocar bondes, que logo viu que seriam suplantados em número pelos ônibus: era impossível acompanhar o estabelecimento das linhas sobre rodas com a implantação de trilhos. Em 1927, a Light propôs a sua grande cartada: o metrô, que, basicamente, eram bondes elétricos subterrâneos. Ele não foi implantado.

Resultado: a Light se desinteressou de vez pelos bondes, que deveria devolver em 1939, fim da concessão. Para piorar as coisas, entre 1936 e 1944, quando Fabio Prado e Prestes Maia tornaram-se prefeitos, os dois queriam acabar com os bondes o mais rápido possível, pois já consideram-nos prejudiciais ao enorme tráfego da época de veículos sobre rodas. E já havia muitos ônibus, que, na maioria das vezes, trafegavam sobre estradas e ruas não calçadas. O calçamento "em massa", mesmo, começou no final dos anos 1930.

A guerra mundial obrigou os prefeitos o prolongamento da concessão até tempos melhores voltarem. Em 1942, foi decretado o racionamento de gasolina e quem quisesse rodar de carros particulares deveria usar o gasogênio - combustível originado de queima de carvão, que enfeiava e dava mais peso aos carros, além de corroerem o motor. Ônibus e caminhões usavam a pouca gasolina distribuída e bonde usavam eletricidade.

Já nos anos 1930 e depois, nos anos 1940, havia inúmeras linhas de bondes que vivam lotadas de passageiros, pendurados nos estribos dos bondes abertos e na sua traseira. Acabando a guerra, a Prefeitura aceitou os bondes da Light e criou a CMTC, que agora teria tanto ônibus quanto bondes. Havia, também, linhas de ônibus particulares. Embora a CMTC tenha, no início, anunciado que revigoraria o transporte por bondes, poucas modificações foram feitas e aos poucos as linhas foram sendo fechadas. Nos anos 1960, acabaram de forma cada vez mais rápida, até que, em 1968, o último bonde correu entre o centro e Santo Amaro. Era a última linha.

As obras do metrô começaram em seguida e a primeira linha foi inaugurada entre a Sé e o Jabaquara em 1974. No ano seguinte, de Jabaquara a Santana. Novas expansões foram anunciadas, mas, até 1991, poucas foram realmente concluídas. No fim dos anos 1990, saíram mais linhas, mas até hoje, referindo-me somente ao metrô, há pouco mais de 70 km. Jornais gostam de fazer assim. Citam o metrô, mas não as linhas da CPTM.

Esta, por sua vez, é uma sucessora das linhas de subúrbio da Central do Brasil, da Santos a Jundiaí (ex-SPR) e da Sorocabana. Surgiu em 1992, uniu-as e melhorou drasticamente as linhas horrorosas, sujas, sobregarregadas e cheias de pingentes que existiram até a segunda metade dos anos 1990. Hoje, comparam-se às do metrô. Ou seja, o que jornalistas teimam em não ver é que tudo hoje é a mesma coisa: CPTM e Cia. do Metrô são apenas duas empresas distintas que fazem exatamente a mesma coisa: transporte público sobre trilhos.

Lendo-se jornais dos anos 1900, pode-se facilmente verificar que o transporte público em São Paulo foi sempre um caos, embora congestionamentos de veículos nas ruas paulistanas existam desde 1930, pelo menos. Claro que os carros foram aumentando em escala logarítmica.

Nos últimos dez anos, com a melhora do poder aquisitivo da população, a quantidade de novos carros que entram em circulação é absurda, chegando a algumas dezenas por dia dentro do município. As ruas, por sua vez, não têm nem para onde se expandir, seja em comprimento, seja em largura. Por outro lado, o Governo Federal incentiva a indústria automobilística a produzir e vender veículos com incentivos fiscais. Enquanto isso, dificulta a construção de linhas férreas com a sua enorme burocracia e com a imposição de licenças ambientais - sempre demoradas. Ou seja, para ela, carro não polui, mas a construção de linhas sim. E todos sabemos que carros poluem - e muito - e muito mais do que ferrovias metropolitanas, que se movem por eletricidade.

Chega por ora, tirem suas conclusões.

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