quinta-feira, 6 de setembro de 2012

A pesada herança FHC-lulista


FHC conseguiu reaproximar Dilma e Lula ao chamar de "herança pesada" o legado do petista no momento de fraqueza máxima do PT desde que se tornou o partido mais forte do país.
Podia parecer injusto ou até coisa para Freud a obsessão de Lula em difamar FHC. Mas era antes de tudo política nua e crua. Diminuir FHC e PSDB era aumentar Lula e PT.
Agora FHC tomou para si o mesmo personagem que Lula adotou de acusador, mas certamente mais fleumático, mais "cool".
FHC sentiu o momento oportuno de atacar, mesmo atraindo fogo e abalando o namoro com Dilma (sintomaticamente, iniciado por ela).
A fraqueza do PT aparece ao menos em três frentes importantes:
1 - O julgamento do mensalão já sangra o partido com a desmontagem da tese do caixa 2 e as condenações de João Paulo Cunha. E mais sangue deve jorrar.
2 - A doença de Lula o impediu de fazer política com a intensidade que gosta e de ter a visibilidade que precisa para manter sua mágica com o público. Quanto mais ele fica longe do Planalto, mais seu poder diminui. E o PT até aqui sempre foi do tamanho de Lula.
3 - Dilma, naturalmente, está cada vez mais forte, e essa força só cresce em detrimento da força de Lula e do PT. A cadeira de presidente no Brasil é poderosa demais para ser tutelada. Ainda mais com a personalidade de Dilma. O único político capaz de desafiá-la hoje no Brasil é Lula, o que já basta para colocá-los em lados opostos.
E temos ainda o quadro eleitoral, que pode aprofundar a crise do partido e do lulismo. Ou não. Sem querer ser paulistanocêntrico, vai depender de São Paulo. Se Fernando Haddad ganhar, tonificará Lula e será o melhor contrapeso à sangria no STF.
Mas se Haddad fracassar, e o PT perder nas capitais, passando a concentrar votos mais nas pequenas e médias cidades do que nos grandes centros dinâmicos, a crise vai aumentar.
A sorte de Dilma, Lula e PT é que a oposição não quer briga, é mole. No máximo ela disputa votos, mas não visão de país, liderança.
Lula não só fechou o consenso no Brasil em torno do capitalismo, como, à chinesa, conseguiu trazer para a esquerda os ganhos do capitalismo.
Tudo teria sido melhor e mais rápido se o consenso democrático-capitalista tivesse sido mais organizado, como a concertação chilena pós-Pinochet, que colocou centro e centro-esquerda do mesmo lado revezando-se no poder e garantindo estabilidade e previsibilidade cruciais.
Aqui tivemos aquele processo torto de saída da ditadura. A morte de Tancredo Neves antes da posse abriu caminho para Sarney e Collor, que desmoralizaram de vez uma direita já debilitada pela burrice e truculência da ditadura.
Imagine se PT e PSDB tivessem entrado em acordo pós-Collor em apoio à estabilidade e aos fundamentos da economia de mercado.
Como ninguém no PSDB parece estar muito confiante para enfrentar Dilma ou/e Lula em 2014, os tucanos bem que podiam buscar a presidenta para uma concertação brasileira.
Ao contrário do antecessor, Dilma já reconheceu os méritos do tucanato. Disse ela na mensagem que enviou à FHC por seus 80 anos, em junho passado:
"Em seus 80 anos há muitas características do Senhor Presidente Fernando Henrique a homenagear. O acadêmico inovador, o político habilidoso, o ministro-arquiteto de um plano duradouro de saída da hiperinflação e o presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica.
Mas quero aqui destacar também o democrata. O espírito do jovem que lutou pelos seus ideais, que perduram até os dias de hoje. Esse espírito, no homem público, traduziu-se na crença do diálogo como força motriz da política e foi essencial para a consolidação da democracia brasileira em seus oito anos de mandato...
Não escondo que nos últimos anos tivemos e mantemos opiniões diferentes, mas, justamente por isso, maior é minha admiração por sua abertura ao confronto franco e respeitoso de ideias. Querido Presidente, meus parabéns e um afetuoso abraço!"
O afeto de Dilma foi histórico, um sinal de distensão importante rumo à concertação brasileira. Mesmo a nota da presidenta em apoio a Lula após os ataques de FHC não foi muito dura, apesar da pressão do PT.
O Brasil perdeu anos sem foco, desorganizado, bruto e brutal. Por décadas, uma parte imensa da população esteve abaixo da cidadania, subsistindo apenas. A estabilidade econômica e política a partir do Plano Real levou, com a ênfase distributiva de Lula, dezenas de milhões de brasileiros a se tornarem cidadãos plenos. Por isso, a história do Brasil, a que inclui todos os seus habitantes, começou para valer só agora.
FHC, Lula e Dilma são como os pais-fundadores desse novo Brasil democrático e capitalista. Se suas forças políticas pudessem se unir, estaríamos mais prósperos e menos vulneráveis a políticas e políticos temerários que vicejam no presidencialismo de coligação, essa pesada herança FHC-lulista.
Sérgio Malbergier
Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos "Dinheiro" (2004-2010) e "Mundo" (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve às quintas no site da Folha.

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