sábado, 8 de setembro de 2018

Das Diretas-Já a Tancredo Neves, a longa transição para a democracia, FSP

Ricardo Kotscho
SÃO PAULO
Este é o quarto texto da série "Minha Eleição", que todo sábado trará relatos de repórteres sobre a cobertura de eleições presidenciais brasileiras do passado.

Em abril de 1984, poucos dias após a derrota da Emenda Dante de Oliveira, que restabelecia no país as eleições diretas para presidente da República, atendo o telefone em casa, já tarde da noite.
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Era Ulysses Guimarães, o “Sr. Diretas”, inconformado com o que acontecera. Faltaram apenas 22 votos para a aprovação da emenda.
“Sabe o que descobri, Kotscho? Enquanto nós estávamos viajando pelo Brasil defendendo as eleições diretas, o Tancredo já estava se acertando com os dissidentes do PDS e mesmo com companheiros meus do PMDB para montar sua campanha no Colégio Eleitoral. Gastei meu verbo à toa.”
Ao ouvir o desabafo de Ulysses, que todos tratavam de doutor, me lembrei de um detalhe de três meses antes. No grande lançamento da Campanha das Diretas-Já, com 300 mil pessoas na praça da Sé, em São Paulo, no dia do aniversário da cidade, 25 de janeiro, tinha faltado só um convidado ilustre: Tancredo Neves.
Estavam no palanque todos os grandes líderes da oposição, de Fernando Henrique a Lula, ao lado dos governadores Franco Montoro, que organizou o comício, e Leonel Brizola, do Rio —menos ele, o governador de Minas Gerais.
Nunca se saberia ao certo por que Tancredo não foi, mas ao ligar os dois fatos me dei conta de que a reconquista da democracia se deu em dois atos, já nos estertores da ditadura, numa longa e tumultuada travessia.
Primeiro, sob o comando do dr. Ulysses, o país assistiu às maiores manifestações contra o regime militar e em defesa das liberdades democráticas, inundando de gente, muita música e alegria as ruas e praças, de ponta a ponta do país, durante três meses frenéticos.
O segundo ato foi a campanha de Tancredo Neves nas eleições indiretas do Colégio Eleitoral, deflagrada logo após a derrota das Diretas na madrugada de 22 de abril de 1984, mas gestada bem antes, como Ulysses descobriria depois.

Meses mais tarde, já quase no fim do ano, depois de seguir Tancredo pelas mesmas praças por onde tinha passado a Campanha das Diretas-Já, encontro o governador mineiro sozinho, meio largado num sofá, vendo televisão no saguão do hotel.
Já se queixando de dores abdominais nessa época, Tancredo tinha seguido galhardamente até o fim a procissão do Círio de Nazaré, tradicional festa religiosa de Belém do Pará, um desafio para a resistência de qualquer cristão, ainda mais para quem já tem 75 anos.
Sem assessores nem seguranças por perto, arrisquei puxar uma conversa com o futuro presidente que morreria antes de tomar posse. Como é que ele suportava essa maratona de viagens e comícios, sem hora para dormir nem comer? Queria saber qual era seu segredo.
“Dr. Tancredo, eu, que sou um pouco mais jovem, estou no bagaço. Como é que o senhor aguenta esta batida?”
Com a mão na barriga sob o paletó, um cacoete antigo, mas que agora tinha motivo, saberíamos depois, olhar desconfiado e um sorriso maroto, ele resolveu matar minha curiosidade:
“Eu sou movido a vitamina ‘P’, meu filho”.
Era “P” de política e poder, segredou-me o lendário político mineiro.
Mas essa vitamina não bastou para levar Tancredo ao poder, na passagem da ditadura para a democracia, ao fim de uma jornada que começara em janeiro de 1983, na abertura do ano legislativo, com a apresentação da emenda das eleições diretas por Dante de Oliveira, um desconhecido deputado federal do PMDB de Mato Grosso, em primeiro mandato.

A turma mais antiga do Congresso não botava muita fé na proposta, mas conversando com políticos e líderes da nascente sociedade civil, notei que a ideia começava a ganhar corpo.
A primeira manifestação pública em favor das Diretas-Já aconteceria já quase no fim daquele ano, no dia 27 de novembro, em frente ao estádio do Pacaembu, em São Paulo.
Em 27 de março, a Folha já havia publicado um editorial favorável ao pleito direto em todos os níveis, abrindo cada vez mais espaço para a cobertura das primeiras mobilizações populares na periferia de São Paulo, antes de chegarem aos grandes partidos, com o apoio da Igreja Católica e dos movimentos populares.
“Diretas em todos os níveis, quer D. Paulo” foi a manchete do jornal no dia 3 de abril de 1983, com a entrevista exclusiva concedida por dom Paulo Evaristo Arns a mim e ao repórter Carlos de Oliveira. Nessa entrevista, o cardeal arcebispo de São Paulo defendeu a democratização do país, com eleições gerais, da Presidência da República às administrações regionais da Prefeitura de São Paulo.
Além de ter servido como um marco na campanha pública pelas eleições diretas, a festa-comício do Pacaembu revelou também as dificuldades para que os partidos e a sociedade civil pudessem subir nos palanques sob a mesma bandeira.
A partir do grande comício da praça da Sé em janeiro, porém, organizado pelo PMDB de Franco Montoro, as manifestações foram num crescendo a cada semana, em todas capitais, uma batendo o recorde da outra.
De São Paulo, a caravana das diretas, comandada por Ulysses Guimarães seguiu rumo às regiões Nordeste e Norte, e foi-se embora, não parou mais até a votação da emenda pela Câmara dos Deputados.
Nos pequenos aviões fretados para a caravana, não havia espaço para disputas partidárias. Ulysses e Lula, as duas principais estrelas do palanque, tinham uma relação de pai para filho. No voo de Teresina para São Luís, o presidente do PMDB chegou a brincar com o então jovem líder do PT:
“Lula, você acha que está certo isso? O PMDB monta o palanque, paga tudo, e você é sempre o mais aplaudido?”
A militância do PT era mesmo a mais presente e aguerrida em todos os comícios, levando suas bandeiras e gritos de guerra com o entusiasmo de um partido que estava ainda sendo organizado nacionalmente naquele momento. 
No palanque em São Luís do Maranhão, os ataques de todos os líderes nacionais e estaduais miraram José Sarney, na época presidente do PDS, que sucedeu a Arena como braço partidário da ditadura militar.
O locutor oficial do comício, Cid Carvalho, do PMDB, mandou ver logo na abertura, dando o tom dos discursos: “José Sarney é o maior câncer que o Brasil já conheceu”.
Mal podiam saber eles, na sucessão de tragédias da política brasileira, que apenas um ano depois Sarney, já no PMDB, seria o vice que assumiria a Presidência da República com a morte de Tancredo Neves, em 21 de abril de 1985.
Como a Folha era o único veículo que mandava repórteres da sede em São Paulo para todos os comícios e dava destaque para a cobertura, passei a fazer parte da trupe, dar palpites nos discursos, sugerir caminhos para as etapas seguintes.
De São Luís, fomos para Rio Branco, depois para Macapá, Belém, e chegamos a Manaus. Em Belém, a atriz Dina Sfat leu um manifesto em nome do Sindicato dos Jornalistas do Pará:
“Como profissionais de imprensa, aproveitamos para repudiar o silêncio deliberado de certos meios de comunicação. Estes procuram ignorar fatos e a aspiração por eleições livres e diretas de mais de 90% da população brasileira.”
Além do silêncio de grande parte da imprensa para esconder a grandiosidade da campanha, Ulysses começou a ficar preocupado também com o fato de outras lideranças, que não o acompanhavam nas viagens, terem deixado de falar das Diretas.
Temia que estivessem tramando algum acerto de gabinete, pressentimento que acabaria se confirmando, como o “Sr. Diretas” descobriria tarde demais.

Com o comício de Minas, já chegara a 1,2 milhão o número de pessoas que haviam se manifestado pelas Diretas-Já em praça pública, mas as maiores manifestações ainda estavam por acontecer.
Na véspera do comício do Rio, na Candelária, conversei longamente com o historiador Hélio Silva, que estava completando 80 anos.
“Jamais, em toda a história do Brasil, houve um movimento em que houvesse tão grande participação do povo. Desta vez, não são apenas os líderes políticos, os intelectuais, a mocidade, a massa trabalhadora, isolados ou agrupados. Mas é o povo, o povão, nivelando tudo, avolumando a manifestação, porque este período de 20 anos de privação dos direitos políticos foi o cimento que solidificou nossa democracia.”
Era tanta gente chegando para o comício da Candelária, que Tancredo Neves ficou assustado:
“E agora, Ulysses? Como nós vamos fazer para administrar esse povo todo?”
Não ouvi a resposta do “Sr. Diretas”, mas é certo que já não havia mais como conter aquele povo dentro dos currais da velha política urdida nos gabinetes dos caciques. Assim pensava Ulysses, mas não Tancredo.
“O país grande reencontra a nação”, foi o título dado à minha matéria sobre o comício, que começava assim:
“Uma faixa feita à mão por algum brasileiro anônimo no meio da multidão, segurando a sua entre milhares de outras, talvez resuma melhor do que o repórter, já um pouco cansado das emoções desses últimos meses, o que aquele povo queria dizer: ‘Se alguns pediram 64, agora todos pedem diretas’”.
Para fazer a cobertura do grande dia da votação da emenda no Congresso Nacional, a Folha enviou a Brasília um batalhão de repórteres e comentaristas. Havia até um convidado especial, o jornalista, ex-guerrilheiro e futuro parlamentar Fernando Gabeira.
Do lado de fora do Congresso, quem comandava a tropa era o general Newton Cruz, montado num cavalo branco que ganhou do presidente João Figueiredo, sabre na mão, espantando os manifestantes.
Na mesma hora, Ulysses estava preparando o pronunciamento que faria pela aprovação da emenda Dante de Oliveira, “em nome da maioria do povo brasileiro”.
Ao sair do plenário, entre abraços e cumprimentos, esse senhor calvo, ereto aos 67 anos, se emocionou ao me dizer: “Esta é a recompensa máxima da minha vida pública”. Tinha sido uma consagração, todos em pé, de mãos dadas, braços erguidos, cantando o Hino Nacional, depois de Ulysses ter proclamado: “A pátria é o povo e o povo vencerá!”.
A caminho das galerias do plenário, onde foi agradecer pelo apoio dos anônimos, Ulysses lembrou e me contou o que ouviu de um matuto após um comício no Crato (CE), em 1976:
“O senhor me desculpe, mas, com o perdão da palavra, vai falar bem assim na puta que o pariu!”.
Em seu gabinete, à espera da votação, Ulysses lembrou do dia em que a cantora Fafá de Belém ia soltar uma pomba guardada no meio dos seios. Com problemas intestinais, a pomba sujou o vestido de Fafá, que não teve dúvidas: jogou o bichinho em cima do dr. Ulysses.
Teve o dia também, em Teresina, no Piauí, que ele gostava de lembrar nessas horas. Foi quando telefonou da portaria do hotel para Tancredo (ainda não havia celular) para saber como andavam as coisas em Brasília. 
Tancredo devolveu com outra pergunta, querendo saber se Ulysses tinha levado calção para tomar um banho de mar. 
Só se esqueceu que o mar mais próximo de Teresina ficava a uns 200 km. Mineiro de almanaque, Tancredo evitava assuntos políticos porque tinha certeza que seu telefone estava grampeado.
A emenda das Diretas acabaria derrotada, já na madrugada de 26 de abril, pelos 112 deputados que se abstiveram da votação para não dar o quórum de dois terços necessário à sua aprovação. Foram 298 votos a favor e 65 contra, e três deputados se abstiveram. Faltou muito pouco para o Brasil poder comemorar a volta à democracia: apenas 22 votos.
Só conseguimos mandar a última matéria para a Redação às três e meia da madrugada, um absurdo para os padrões da Folha, que se orgulhava de ser sempre o primeiro jornal a chegar às bancas. Mas valeu a pena, o jornal esgotou logo cedo. Nosso principal concorrente, o Estadão, fechara no horário normal com a manchete que virou folclore: “Faltam votos para a aprovação das Diretas”.

No verão de 1985, tive que interromper minhas férias para cobrir o último capítulo desta história, a eleição de Tancredo Neves, que passou como um trator no Colégio Eleitoral pelo candidato do antigo regime, Paulo Maluf, ex-prefeito de São Paulo. 
Por 480 votos a 180, Tancredo seria eleito o primeiro presidente civil após o golpe de 1964.
A posse foi marcada para o dia 15 de março de 1985. Na véspera, fui para Brasília e estava jantando no restaurante Piantella, como a maioria dos repórteres e políticos, quando entrou esbaforido o correspondente do Le Monde, Charles Vanhecke, para avisar que Tancredo tinha sido internado no Hospital de Base de Brasília.
Corri para lá e fiquei sabendo que o presidente eleito fora diagnosticado com diverticulite, palavra de que eu nunca tinha ouvido falar. 
O único orelhão perto do hospital era disputado a tapa pelos repórteres, o tempo corria rápido, com o jornal já fechando a edição do dia.
Do Hospital de Base, Tancredo seria levado para o Incor em São Paulo, onde cobri seus primeiros dias de agonia, até ser chamado por “seu” Frias, o dono do jornal, para viajar a São João del-Rei, em Minas Gerais, onde Tancredo nascera e vivia sua família.
“O quadro dele é irreversível”, disse-me ele, e lá fui eu, na certeza de que o desenlace se daria em poucas horas.
Os dias foram passando, eu já entrevistara todos os amigos de infância e parentes de Tancredo, já não tinha mais o que escrever; e nada.
Só na noite de 21 de abril, na hora do Fantástico, quando o porta-voz Antonio Brito leu a nota oficial comunicando a morte do presidente eleito, os sinos começaram a repicar em São João del-Rei.
A cerimônia do enterro no dia seguinte só acabaria às onze da noite, tamanho o capricho do pedreiro encarregado de fechar a cova. Minha última matéria da cobertura começava assim:
“O toque de silêncio. Uma salva de 21 tiros de canhão. Apenas 200 pessoas no cemitério. A cidade recolhida, calada. Foi o ato final destes 40 dias que abalaram o Brasil. Tancredo de Almeida Neves, o primeiro presidente civil depois de 21 anos de regime militar, que morreu antes de tomar posse, foi enterrado às 22h54 de ontem, na sepultura número 84 do pequeno cemitério da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis, em São João del Rey, Minas Gerais”. 
Começava desta forma trágica a transição da ditadura para a democracia, um processo que ainda não terminou.

A ELEIÇÃO DE 1985

Data
15 de janeiro de 1985
Candidatos a presidente (indireta)
Tancredo Neves (PMDB) - 72%
Paulo Maluf (PDS) - 27%
Candidatos a vice-presidente
José Sarney (PMDB)
Flávio Marcílio (PDS)
Slogan do vencedor
“Tancredo já”
População à época
136 milhões
PIB
alta de 7,8%
Inflação
223,90%
Urbanização
67,7%
Expectativa de vida
62,5 anos
Músicas
“Olhar 43” (RPM)
“Um Dia de Domingo” (Gal Costa e Tim Maia)
Escola vencedora do Carnaval do Rio
Mocidade Independente de Padre Miguel
Fontes: IBGE, TSE, FGV, Banco Mundial
Ricardo Kotscho é jornalista e cobriu as Diretas e a campanha de Tancredo pela Folha 

A propaganda na TV ainda será determinante para esta eleição presidencial? FSP

SIM

A campanha na primeira tela

Propaganda eleitoral do candidato à Presidência Geraldo Alckmin
Propaganda eleitoral do candidato à Presidência Geraldo Alckmin - Reprodução
A emergência da internet e das redes sociais tem colocado em xeque nos últimos tempos o poderio da TV para determinar os resultados eleitorais.

Entretanto, e apesar do crescimento dessas fontes alternativas, a TV ainda é "primeira tela" no que concerne às eleições e, provavelmente, ainda exercerá sua influência no pleito deste ano.

Algumas estatísticas oferecem base para tal afirmação: em pesquisa recente do Ibope, 62% dos pesquisados disseram utilizar a televisão para se informar sobre os candidatos, enquanto 48% utilizam a internet --sendo que apenas 5% se informam exclusivamente pela internet, enquanto 20% exclusivamente pela TV.

Com base nisso, é de se esperar que a TV terá papel fundamental para as estratégias dos dois candidatos com maior tempo de propaganda eleitoral. Dessa forma, ela pode ser relevante para Alckmin se contrapor à candidatura de Bolsonaro no espectro anti-lulista —e isso o alçá-lo ao segundo turno.

Em segundo lugar, ela será fundamental para facilitar a estratégia de transferência de votos de Lula para Haddad.

Dessas duas estratégias, a primeira delas é a mais complexa. Alckmin adentra o cenário com o maior tempo de TV, mas com uma baixa intenção de voto.

Para virar o jogo, precisa se contrapor a um candidato que conseguiu navegar bem na onda antipolítica dos últimos anos a partir das redes sociais.

Não há dúvida de que Alckmin pode crescer, mas não se sabe se suficientemente para suplantar Bolsonaro. Para isso teria que atacá-lo, como vinha fazendo de maneira bem-sucedida, como sugerem os dados sobre a rejeição de Bolsonaro.

Porém, tais ataques agora correm o risco de sofrerem um "efeito bumerangue" e se voltarem contra Alckmin, dados o atentado sofrido por Bolsonaro na última quinta-feira (6) e o seu frágil estado clínico decorrente disso.

Não obstante, pode ser uma estratégia necessária, mesmo diante de tal risco, em razão da resiliência do eleitorado bolsonarista e do possível "efeito tragédia" a anabolizar o candidato do PSL.

Por outro lado, a tarefa da campanha petista é relativamente mais simples: com um amplo eleitorado lulista à disposição (cerca de 39%) e com 24% de preferência partidária para o PT, basta a Lula aparecer endossando Haddad para ele começar a subir nas pesquisas.

Mesmo que absorva metade dos votos de Lula, isso será suficiente para levá-lo ao segundo turno em um cenário tão fragmentado.
Além disso, pesquisas indicam que o eleitorado lulista tem menos acesso às redes sociais e à internet, informando-se mais exclusivamente pela TV, o que confere peso especial a essa mídia para a estratégia.

Assim, o potencial do uso de TV para alavancar Haddad para o segundo turno é enorme. Se Alckmin também conseguir suplantar Bolsonaro, não restará dúvida quanto à relevância da TV.

Ademais, se antes Bolsonaro não dispunha de tempo de TV, agora será o nome mais discutido nos próximos dias no noticiário televisivo, podendo atingir também os eleitores que estão fora das redes sociais.

Destarte, "ceteris paribus", a TV ainda será fundamental para a definição dos resultados eleitorais para o pleito presidencial deste ano e, a princípio, parece tender a ser mais para a candidatura petista do que para a tucana. 

Entretanto nunca é demais dizer que o imponderável sempre ronda nossa eleição presidencial, como lamentavelmente vimos na última quinta-feira.
Jairo Pimentel Jr.
Pesquisador do Cepesp (FGV), doutor em ciência política (USP) e autor do livro "Quem Bate Perde? Os Efeitos Afetivos dos Spots de TV"


NÃO

A complexidade do samba eleitoral

Tela de smartphone com aplicativos de redes sociais
Tela de smartphone com aplicativos de redes sociais - Justin Sullivan - 6.abr.16AFP
Locais do Rio de Janeiro como praça Onze e Cidade Nova se tornaram grandes berços do samba. Com a sua popularidade, compositores, músicos e passistas se reuniam para exibir seus talentos, formando associações que competiam umas contra as outras.

A formação desses grupos levou ao surgimento das escolas de samba, com o primeiro desfile oficial em 1932. Nos primórdios, as escolas eram julgadas por basicamente dois quesitos: bateria e abre alas (comissão de frente). O tempo passou, e o carnaval moderno agregou mais sete quesitos. As campanhas eleitorais também seguiram o mesmo enredo.

Como aumentaram as alegorias relevantes, suas complexidades e o que é decisivo, a propaganda eleitoral na TV perdeu protagonismo para outros adereços.

Acabou a era de estruturas internas segmentadas das campanhas políticas. Antigamente, era comum a divisão: "a campanha de rua", "a campanha de TV/rádio" e "a campanha digital".

Atualmente, existe uma campanha somente que integra todas as partes de maneira eficiente. Um exemplo: o conteúdo produzido pelos(as) candidatos(as) nas ruas com um smartphone passa pela TV, enriquece as redes sociais, acaba no rádio e surge no WhatsApp. Mesmo candidatos com muito tempo de TV precisam desses outros elementos efetivos e integrados para ter êxito.

Abriram-se também as alas para o smartphone. O acesso a esse tipo de tecnologia aumentou no Brasil. Segundo pesquisa da FGV de 2018, o país já supera a marca de 220 milhões celulares ativos nessa categoria. Os brasileiros acessam a internet via smartphone em média 30 vezes por dia, e a maioria absoluta utiliza o celular para dialogar e acompanhar grupos de discussão.

Ou seja, a eleição presidencial vai passar predominantemente nas telas dos telefones e consequentemente nos grupos de WhatsApp. Essa onda já foi relevante nas eleições presidenciais da Colômbia e do México e vai se repetir aqui no Brasil.

Em paralelo, a audiência da propaganda de TV —os programas eleitorais de cerca de dez minutos— apresenta evolução negativa a cada ciclo eleitoral.

Em 2008, a audiência do programa eleitoral em São Paulo e no Rio Janeiro atingiu o ápice de 22 pontos percentuais. Em 2016, esse índice caiu para 6 pontos.

Nesse período, os "spots" comerciais (filmes de 30 segundos durante intervalos comerciais) ganharam força. Todavia, em 2018 o período de exibição desses filmes rápidos na TV diminuiu (pelo simples fato de a campanha eleitoral ter ficado mais curta) e, com isso, o impacto de cada "spot" nos eleitores recuou.

Os especialistas em mídia pregam que frequência é tudo: menos frequência, menor impacto. Além disso, os comerciais de TV disputam a atenção dos eleitores com o telefone celular.
 
Para completar, o pleito brasileiro apresenta uma particularidade adicional. Candidatos com pouquíssimo tempo de propaganda na TV estão bem colocados nas pesquisas. Isso faz com que tenham cobertura diária dos telejornais. Essa presença constante na mídia espontânea anestesia a carência de "spots" comerciais e dilui o efeito da propaganda oficial.

Portanto, a apoteose desta campanha vai exigir muito mais adereços que somente a propaganda na TV. O quesito conjunto (integração) será a porta-bandeira da eleição, e o smartphone o mestre-sala. As fantasias vão desfilar nos grupos de WhatsApp. E somente a bateria da TV não vai garantir a vitória na apuração dos votos.
Mauricio Moura
Doutor em economia e política do setor público; fundador do Ideia Big Data e pesquisador da George Washington University (EUA)