domingo, 2 de julho de 2017

A política do cada um por si, OESP

Editorial
02 Julho 2017 | 03h00
A grave crise política que o País vive deixa em aberto uma ampla gama de questões fundamentais, inclusive no que diz respeito ao mandato do presidente Michel Temer, mas uma coisa é certa: até o final da atual legislatura, os parlamentares medirão exclusiva e cuidadosamente com a régua de seus próprios interesses políticos cada voto dado nas comissões e nos plenários do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. Isso significa, na prática, que o governo terá de redobrar esforços para aprovar as reformas tão necessárias para a retomada do crescimento. Na verdade, a única reforma em que senadores e deputados estão interessados é a política. Mas não aquela necessária à completa reforma do falido sistema político-partidário, mas remendos pontuais como a criação de um generoso Fundo Eleitoral que em alguma medida seja capaz de substituir as doações de empresas, proibidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2015.
Os problemas e vícios do sistema político-partidário foram analisados pelo deputado petista Vicente Cândido (SP), relator do projeto dessa reforma. Em debate promovido na segunda-feira passada na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Cândido foi categórico: “Hoje é muito difícil construir maioria. Nós temos um monte de general sem tropa. Os presidentes e líderes não têm mais os domínios e comandos de suas bancadas”.
A democracia abre espaço para o dissenso, inclusive dentro de partidos políticos. Mas nestes deve predominar a expectativa de um mínimo de coesão e coerência programática. O “cada um por si” vira regra quando as legendas partidárias renunciam à responsabilidade de desempenhar o papel de mediadoras políticas que lhes cabe numa democracia e passam a servir apenas aos interesses pessoais de seus membros. Essa é uma das razões principais que levaram o País à profunda crise que está vivendo em prejuízo daqueles que os parlamentares deveriam representar: os cidadãos.
Essa análise se sustenta na observação do comportamento atual dos três maiores partidos. O PMDB, o maior deles, coerente com sua insopitável vocação governista e com a condição de atual detentor do poder central, esforça-se, quase sempre sem sucesso, para manter suas várias correntes unidas em torno do presidente da República. Trata-se de tirar o maior proveito possível de uma condição excepcional – governar – que sabe que dificilmente se repetirá em futuro previsível. Mas o “PMDB da Câmara”, geralmente alinhado com Temer, não consegue se entender com o “PMDB do Senado”, liderado por Romero Jucá, que preside a legenda, e isso ajuda a tumultuar o ambiente político e prejudicar a agenda de reformas em boa hora adotada pelo presidente Temer. Não é lisonjeiro para o PMDB o fato de terem sido escolhidos profissionais reconhecidamente competentes para a equipe econômica, nenhum deles notoriamente ligado ao partido.
O PSDB, que hoje desempenha em relação ao Planalto o mesmo papel de aliado mais importante que o PMDB tinha nos governos do PT, mantém-se politicamente dividido em torno de caciques cujos interesses parecem ultimamente cada vez mais inconciliáveis. O partido mal consegue manter o compromisso de apoiar a agenda de reformas que foi a justificativa apresentada, um ano atrás, para aceitar o comando de Ministérios importantes.
O PT, agora na oposição, coisa que sabe fazer muito melhor do que governar, tem o caradurismo de se apresentar como “o novo” em política. Finge lutar por “Diretas Já”, mas o que deseja é que Michel Temer continue sangrando politicamente até o ano que vem, empenhado na tentativa de cumprir a agenda de reformas, de modo a garantir o discurso populista de Lula, se ele conseguir se livrar da cadeia.
A triste conclusão é que o Brasil, como qualquer país democrático, precisa dos políticos. Mas não pode contar com os que tem.

A paixão política costuma cobrar caro, FSP


Eduardo Anizelli/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 25-05-2017, 09h40: O Presidente Michel Temer, durante reuniao com o Presidente da CBIC- Camara Brasileira da Industria da Construcao e grupo de empresarios, no Palacio do Planalto, em Brasilia. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, PODER)
O presidente Michel Temer
A sociedade brasileira está em estado de choque. Apoiou fortemente o afastamento de Dilma, pelo "péssimo estado geral da sua obra", reconhecido, aliás, por ela mesma quando, depois de sua reeleição, adotou o programa econômico do candidato vencido! O seu impedimento está longe de ter sido um "golpe". Fez-se dentro da Constituição (que acabou violada em seu benefício) e sob o "controle" do STF.
A posse de Temer, em maio de 2016, mudou a perspectiva. Ele conseguiu aprovar no Congresso em um ano o que não se fez nos cinco do governo anterior. O problema é que os efeitos levam tempo para se materializar e não apagam o desastre fiscal em que fomos metidos no processo eleitoral. Em maio de 2017, a situação era ainda muito complicada, mas já apareciam tênues sinais de uma recuperação modesta do crescimento econômico, único remédio para nossas angústias.
Tragicamente, uma "delação premiada", derivada de uma "armadilha" bem urdida somada à falta de desconfiômetro de Temer, produziu o tumulto que o país vive. Tal confusão é hoje o mais poderoso instrumento da oposição às "reformas", que se localiza na alta burocracia federal, uma "elite extrativista" que se apropriou do poder em Brasília graças à covardia dos governos e ao descuidado conformismo escandaloso dos trabalhadores e dos sindicatos que a sustentam!
Na semana passada, tivemos outro "show midiático", do mesmo "capoclasse" da organização criminosa que —com a conivência dos últimos poderes incumbentes– assaltou o patrimônio nacional e escafedeu-se brilhantemente. Aumentou a tensão, mas restaram terríveis contradições entre as suas narrativas, que certamente vão dar trabalho à Justiça.
Estamos numa crise real enorme, apimentada por notícias transmitidas por imaginários informantes em "off", que alimentam, em tempo contínuo, a "intriga criadora". Parte da imprensa autopromoveu-se: de "técnicos de futebol" que sempre foram a "competentes jurisconsultos" que —sem dúvida nenhuma—"julgam" e "escracham" votos de ministros do TSE, STJ e STF, sem o menor respeito pelos seus conhecimentos e pela naturalidade do contraditório...
Como nos ensinou Max Weber (e lembrou o ilustre professor Kujawski), estamos diante do dilema: usar a ética da "convicção" ("faça-se justiça e pereça a sociedade) ou a ética da "responsabilidade" (avaliar cuidadosamente as prováveis consequências de cada solução e escolher a "menos pior" para a sociedade a curto e longo prazo).
É essa escolha que está sob os ombros do STF, sacralizado como Poder moderador na Constituição de 1988. Que a razão e a precaução o iluminem. A paixão política costuma cobrar caro a sua imprevidência. 

sexta-feira, 30 de junho de 2017

A meta real é a modernidade, OESP


A economia brasileira tem hoje um rumo, de fato, e nele permanecerá enquanto o governo e sua equipe econômica mantiverem a rota fixada no ano passado

O Estado de S.Paulo
30 Junho 2017 | 03h00
O Brasil tem rumo e seu roteiro o conduz aos padrões internacionais de política econômica. Ao reduzir a meta de inflação para 4,25% em 2019 e 4% em 2020, os chefes da equipe econômica enviaram essa dupla mensagem à opinião pública, ao mercado e às principais figuras da Praça dos Três Poderes. No meio de uma crise centrada no ataque da Procuradoria-Geral à Presidência da República, essa mensagem pode parecer irrealista e pretensiosa. Afinal, desse choque podem resultar, na pior hipótese, a destruição do programa de ajustes e reformas, o afrouxamento da política monetária, a recaída na recessão, a desordem dos preços e um retardamento maior da retomada do emprego, uma terrível notícia para os 14 milhões de pessoas em busca de ocupação e, provavelmente, para um número adicional de desempregados. Irrealismo é negar esse risco.
A economia brasileira tem hoje um rumo, de fato, e nele permanecerá enquanto o governo e sua equipe econômica mantiverem a rota fixada no ano passado e sustentada com enorme esforço até hoje. As decisões formalizadas ontem pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) foram baseadas nesse pressuposto: a administração federal continuará comprometida com a recuperação das finanças públicas, a estabilização da moeda e a modernização das instituições econômicas, até por falta de alternativa racional. A reforma das leis trabalhistas e a do sistema previdenciário são componentes dessa agenda, assim como, talvez pouco mais tarde, as mudanças do sistema tributário e das normas orçamentárias.
A atual meta de inflação, de 4,5%, foi fixada em 2005 e ainda valerá em 2018, completando 14 anos de vigência. É muito elevada, tanto pelos padrões internacionais como por qualquer critério de segurança e de estabilidade. A isso se acrescentou, no período da presidente Dilma Rousseff, uma escandalosa tolerância à alta de preços. Os números finais foram normalmente muito superiores ao chamado centro da meta, como se o alvo de 4,5% fosse decorativo.
A decisão de reduzir a meta é mais que oportuna, portanto, até por seu valor simbólico. A inflação já caiu para 3,6% nos 12 meses terminados em maio e deverá ficar entre 4% e 4,5% nos próximos dois anos, segundo as projeções correntes. As expectativas, portanto, já são compatíveis com um objetivo mais ambicioso. A única surpresa foi a determinação da meta para 2020. Com isso, a antecedência foi alongada de dois para três anos. A ideia, como explicaram os membros do CMN, é oferecer a indivíduos e empresas um horizonte mais distante, para facilitar previsões e decisões de mais longo prazo, em ambiente mais favorável, portanto, ao crescimento econômico.
A aproximação dos padrões internacionais, no entanto, será gradual, como indicou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, presidente do CMN. De fato, a maioria dos países emergentes opera há anos com metas abaixo dos 4,25% escolhidos para 2019 no Brasil. Mas o importante, neste momento, é iniciar a caminhada e manter o esforço para a convergência.
As expectativas estão bem ancoradas e haverá condições de enfrentar choques inesperados por meio da política monetária, comentou o presidente do BC, Ilan Goldfajn, também membro do conselho. Com expectativas bem ancoradas, acrescentou, será mais fácil baixar os juros de longo prazo, também relevantes para o crescimento econômico. O ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, terceiro membro do CMN, também ressaltou o esforço do governo para adotar métodos e padrões internacionais em todos os campos da política econômica. É uma das formas, poderia ter acrescentado, de instalar o País, com segurança, no século 21.
A autonomia efetiva do BC seria um componente importante dessa modernização – mais precisamente, da atualização do sistema de poder. Mas o esforço para chegar a um presente já alcançado por muitas outras nações será em boa parte perdido, enquanto os costumes políticos continuarem no passado. Mais concretamente: enquanto houver tantos postos públicos negociáveis e for preciso pagar pela aprovação de projetos importantes.