domingo, 9 de outubro de 2016

Vamos ajustar as contas públicas e reduzir a taxa de juros? - MARCOS LISBOA, FSP


ESTADÃO - 09/10

A taxa de juros no Brasil é elevada em comparação com a de outros países, ainda que bem menos do que alguns argumentam quando são considerados os impostos e a inflação.

Em tempos de crise fiscal, a pergunta é inevitável: o governo não deveria reduzir os juros para gastar menos?

A alta taxa de juros é o sintoma da doença, não a sua causa, e decorre de um problema ainda mais grave: o desequilíbrio das contas públicas.

O governo possui diversos mecanismos para financiar os seus gastos. Alguns transparentes, como impostos e dívida. Outros, mais sutis, como a inflação, que cobra um duplo sacrifício da população: bens e serviços mais caros e juros altos para financiar as contas públicas.

Caso as contas públicas estejam equilibradas, o governo retira da sociedade o equivalente em bens e serviços para arcar com as suas obrigações.

Se a despesa é maior do que a receita, o setor público pode se endividar, desde que a sociedade acredite que haverá recursos para pagar as obrigações no futuro.

Existe, ainda, outra opção. O deficit pode ser financiado com o aumento da inflação, que aumenta rapidamente a arrecadação, enquanto a despesa aumenta apenas posteriormente, melhorando as contas públicas à custa do bem-estar social.

A política monetária tem por objetivo controlar a inflação por meio da taxa de juros, que afeta a atividade econômica e a pressão inflacionária.

A política fiscal, em conjunto com outros fatores, determina a taxa neutra de juros, aquela que garante a inflação no centro da meta de inflação.

Nos países desenvolvidos, a taxa neutra é baixa, o que significa baixa inflação, mesmo com juros perto de zero. No Brasil, por outro lado, temos uma alta taxa neutra de juros, resultado de um longo histórico de desequilíbrios fiscais e intervenções heterodoxas.

Na década de 2000, a melhora das contas públicas permitiu a progressiva queda sustentável da taxa de juros.

Desde 2010, porém, assistimos à deterioração fiscal. Em 2011, o governo reduziu os juros (sem que a taxa neutra tivesse caído) e tentou controlar a inflação por meio dos preços administrados.

Como nos anos 1980, não deu certo. O desequilíbrio das contas públicas resultou no aumento da inflação, e a taxa de juros teve que ser aumentada.

A severidade da recessão reduz a inflação e vai permitir uma queda da taxa de juros. Sem o ajuste estrutural das contas públicas, porém, a taxa neutra permanecerá elevada, e continuaremos com o dilema entre juros mais altos do que nos demais países ou inflação.

A PEC 241, que limita o aumento dos gastos públicos, é o primeiro passo para superar esse dilema.

Universidades e sociedade, OESP Leandro Karnal (pauta)


Cinco de outubro de 1966: há 50 anos foi lançada a pedra fundamental do câmpus da Universidade Estadual de Campinas. Foi concebida por dois médicos: o governador Ademar de Barros e, em especial, Zeferino Vaz. A Unicamp tornou-se a terceira filha universitária do Estado de São Paulo. Tendo galgado de forma rápida o posto de uma das mais importantes instituições de ensino superior do Brasil, ela chega ao cinquentenário com desafios enormes e conquistas impressionantes.
Leandro Karnal
09 Outubro 2016 | 02h00
O conceito de universidade completou mil anos no Ocidente cristão. Bolonha (Itália), no século 11, foi a primeira instituição europeia de ensino superior. Havia similares mais antigas no mundo islâmico e oriental.
Universidades sempre foram parte (nunca o todo) da produção e transmissão do conhecimento. William Shakespeare nunca sentou no banco de uma. Espinosa viveu entre lentes no seu sótão batavo. Oswald de Andrade não conseguiu ser aprovado em concurso para o quadro docente universitário. O mercado, as empresas, os gênios isolados, os artistas autônomos, as instituições religiosas e obscuros bares acolhem, com generosidade, outras cotas da incansável inventividade humana.
Vou atenuar a iconoclastia do parágrafo anterior: nomes fundamentais do pensamento, como Tomás de Aquino e Einstein, engendraram parte das suas ideias dentro de grandes instituições de ensino superior. Se houve muitos gênios extramuros, também devemos ressaltar que o grosso da transmissão da técnica que possibilita a existência de engenheiros, médicos, químicos e historiadores é, hoje, quase exclusivamente universitária.
Sou filho da universidade e inserido num mundo específico, o das Humanas. Somos uma tribo exótica, que desperta certo interesse e alguma rejeição. Exemplifico: estive em determinado concurso para professores numa instituição federal de São Paulo. Por uma série de fatores, o presidente da banca era um médico. Os outros colegas julgadores eram historiadores. Diante da nossa prolongada discussão sobre um conceito na prova de uma candidata, o presidente exclamou, impaciente: - Se eu demorasse tanto tempo para decidir algo, meus pacientes já teriam morrido! Expliquei ao renomado doutor: - A nossa felicidade é que somos historiadores, todos os nossos pacientes já estão mortos. Ele riu. Éramos estranhos, mas bem-humorados...
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Saiamos do meu igarapé de devaneio e voltemos ao rio principal. Existe, hoje, como parte de um momento muito específico, um anti-intelectualismo crescente. Ele sempre existiu em ditaduras como o nazismo ou na Revolução Cultural Chinesa: uma desconfiança do caráter perigoso e pouco prático do pensamento especulativo. O anti-intelectualismo é uma mistura de irracionalidade e autoritarismo. Não se trata apenas de reconhecer o que já afirmei (a universidade não é a única a produzir conhecimento), mas de uma negativa de que ela seja útil ou focada no conhecimento.
O símbolo do ódio à reflexão é a queima pública de livros. As fogueiras ocorreram tanto na China imperial como na socialista. A mais famosa cena foi a 10 de maio de 1933, quando os nazistas queimaram milhares de livros ditos “semitas” como os de Freud ou Thomas Mann. Começava, então, a cumprir-se a profecia de Heinrich Heine: onde se queimam livros, ainda se queimarão pessoas. Coisa de ditaduras? Nem sempre: no país das melhores universidades do mundo, os discursos de Donald Trump são a encarnação do anti-intelectualismo.
Por vezes, trata-se unicamente de ressentimento. Combate-se o que não se possui ou o que não se entende. Ataca-se por, no fundo, desejar ardentemente. Há muitas raposas a declarar as uvas distantes e inaptas ao consumo.
Identifico algo além de raposas ressentidas. Há uma onda de repulsa em relação aos questionamentos de paradigmas tradicionais. Existe uma vontade de associar o debate a uma guerra a valores pretensamente imutáveis e sagrados.
O anti-intelectualismo não é uma nova razão ou um combate aos argumentos racionais. Ele é uma forma de estar no mundo e recusa à ciência como o “estado atual dos nossos erros”, na acepção do universitário Einstein. Opõe a opinião à pesquisa, o saber desencarnado e individual ao árduo processo de verificar hipóteses e aprofundar temas. Formar um médico ou um filósofo implica anos de leituras, reflexões, práticas, debates. O universo da cada saber é vasto e ainda demanda o conhecimento de línguas e um esforço titânico para captar, compreender, associar, relacionar e aplicar os conceitos essenciais.
Como eu disse desde o começo, há saberes igualmente sólidos que não dependem da universidade, mas esses e aqueles dependem de esforço sistemático e longo. Não estou opondo o saber universitário ao conhecimento autônomo ou um erudito a um popular; mas o saber ao não-saber; a reflexão crítica e sistemática a uma espécie de “achismo” nascido de egos densos no ressentimento e rasos na reflexão.
Um dia, numa formatura na Unicamp, dividi com o professor Octavio Ianni o posto de paraninfo. Lá ouvi o cientista social dizer que a liberdade era a condição fundamental para pensar e que a universidade pública era um espaço privilegiado para isso. Por sugestão minha, a biblioteca do IFCH tem o nome do professor Ianni. Que os próximos 50 anos da Unicamp encontrem muitos professores como ele. Um bom domingo a todos vocês!

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sábado, 8 de outubro de 2016

O não-voto é preocupante, editorial OESP

O não-voto é preocupante

Cerca de 25 milhões de cidadãos brasileiros aptos a irem às urnas deixaram de votar nos candidatos a prefeito e vereador no primeiro turno das eleições municipais
08 Outubro 2016 | 03h06
Os números são preocupantes. Cerca de 25 milhões de cidadãos brasileiros aptos a irem às urnas deixaram de votar nos candidatos a prefeito e vereador no primeiro turno das eleições municipais, seja por não terem comparecido às secções eleitorais, apesar da obrigatoriedade do voto – o que configura abstenção –, seja por terem votado em branco ou, principalmente, anulado o voto. Em São Paulo, por exemplo, a abstenção de 1,94 milhão dos 8,8 milhões de eleitores registrados, somada aos 367,5 mil votos em branco e 788 mil nulos, resultou em quase 3,1 milhões de não-votos, praticamente o mesmo número de sufrágios que elegeu João Doria.
Em cinco das capitais, onde de modo geral a ausência dos eleitores foi mais expressiva, a soma aos votos brancos e nulos ultrapassou os 21%. O índice mais alto foi registrado no Rio de Janeiro, 24,28%, seguido por Porto Alegre, 22,51%; São Paulo, 21,84%; Belo Horizonte, 21,66%; e Salvador, 21,25%. A capital paulista, porém, encabeça a lista dos não-votos em números absolutos.
O fenômeno da abstenção somado aos votos brancos e nulos é um indício claro da insatisfação e da falta de confiança dos brasileiros nos governantes e na chamada classe política. Há dois fatores aparentemente predominantes na criação desse estado de espírito: o desencanto e a desilusão com um partido cujo grande líder, Lula, chegou a ter um índice de aprovação popular superior a 80% no momento em que deixou a Presidência da República e a indignação e o desalento diante da revelação da corrupção generalizada na gestão da coisa pública, cujas investigações não têm poupado figuras relevantes de praticamente nenhuma legenda partidária.
A decepção com o desastre econômico provocado pela soberba, pelo sectarismo ideológico e pela incompetência política e administrativa do governo Dilma Rousseff foi claramente manifestada pelos brasileiros com a fragorosa derrota imposta ao PT. Durante os dois mandatos de Lula, uma conjuntura econômica internacional favorável havia abastecido os cofres públicos com recursos suficientes para financiar uma gastança populista que se tornou insustentável quando a “nova matriz econômica” sentiu-se, irresponsavelmente, capaz de moldar à sua feição o mercado interno e desdenhar do externo. Foi o começo do fim da ilusão do paraíso lulopetista, que Dilma Rousseff se encarregou de acelerar com sua inacreditável inabilidade política e incapacidade gerencial.
O descrédito em relação à política e aos políticos, portanto, pode ser debitado ao vexame da aventura populista do lulopetismo, mas também à descoberta, propiciada pela Operação Lava Jato e congêneres, de que os autoproclamados pais da Pátria chefiavam uma quadrilha que se locupletava com dinheiro público.
O PT havia se tornado eleitoralmente competitivo com a insistente promessa, repetida ao longo de seus primeiros 20 anos de existência, de passar o País a limpo e livrá-lo de tudo de errado que faziam “eles”, os não petistas. No momento em que as investigações policiais demonstraram que o rei estava nu, que até os “paladinos das causas populares” metiam a mão no dinheiro do povo exatamente como as velhas raposas às quais se haviam aliado, é natural que muitas pessoas de boa-fé, desiludidas, tenham optado por esquecer que os políticos existem, preferindo cuidar apenas da própria vida, como se fosse possível haver vida em comunidade sem política. Esse é mais um desserviço prestado ao País pelos petistas, que no fundo só valorizam o exercício de liberdades democráticas – como votar e se manifestar nas ruas – por parte de cidadãos “confiáveis”, aqueles que a nomenklatura partidária consegue manter sob controle por meio de entidades e organizações sociais dependentes do Estado.
A alarmante incidência do não-voto neste primeiro turno do pleito municipal deve ser interpretada como uma advertência aos políticos brasileiros, como declarou o presidente Michel Temer: “A abstenção foi muito significativa. Portanto, é um recado que se dá à classe política brasileira para que reformule eventuais costumes inadequados”. Com longa experiência na política, Temer sabe do que está falando. Como chefe do governo, cabe-lhe a responsabilidade de um papel importante na identificação e correção de “costumes inadequados”.