sexta-feira, 3 de maio de 2013

conferências resíduos sólidos

 
Um movimento que deve ir de Norte a Sul do país
 
No dia 28 de fevereiro, em sua primeira reunião, a Comissão Organizadora Nacional da 4a Conferência Nacional do Meio Ambiente (CNMA) aprovou o cronograma das ações que deverão se desenvolver em todo o país ao longo de 2013. Trata-se de um desafio para todos os estados e municípios brasileiros no sentido de estimular um amplo diálogo em prol da efetivação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Este é o tema da 4a Conferência que deverá mobilizar as comunidades na busca de soluções para evitar o desperdício, reduzir a produção de lixo e incrementar a reciclagem. Para falar sobre esse desafio, o Cempre Informa entrevistou Geraldo Vitor de Abreu, diretor do Departamento de Cidadania e Responsabilidade Socioambiental, da Secretaria de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, e coordenador da 4a CNMA.
Qual o cronograma das ações da 4a CNMA?

As conferências municipais/regionais devem acontecer de 1o de abril até 30 dias antes da data de realização da Conferência Estadual correspondente. As Conferências Estaduais e a Conferência Distrital, por sua vez, ocorrerão de 1o de julho a 15 de setembro.

Cabe aos estados e ao Distrito Federal definir, com base nas datas previstas no regimento interno, a organização e o calendário de suas conferências municipais e/ ou regionais e a data da conferência estadual.
Estão previstas ações diferenciadas para os diversos públicos durante as Conferências?

Não há ações diferenciadas ou direcionadas durante a realização das Conferências. O que há sim, durante o processo da Conferência Nacional do Meio Ambiente, é a decisão colegiada, por meio da Comissão Organizadora Nacional (CON), das Comissões Organizadoras Estaduais (COE), das Comissões Organizadoras Municipais (COMU) e das Comissões Organizadoras Regionais (CORE).

A CON - responsável por coordenar e organizar a 4a CNMA - é integrada por 34 membros divididos entre 18 representantes do poder público, indicados pelos titulares das pastas, e 16 integrantes da sociedade civil, escolhidos por meio de processo seletivo (esse detalhamento está na Portaria no 455 na página oficial da 4a CNMA).

A diversidade da composição da CON garante que todos os setores da sociedade sejam representados, podendo defender seus pontos de vista. É sugerido que as demais Comissões sigam a mesma proporção para que haja representatividade na condução do processo das Conferências. Da mesma forma, na eleição dos delegados estaduais e nacionais, a composição também se dá por segmento - sociedade civil, setor empresarial e poder público -, sendo que as vagas destinadas a um segmento não poderão ser ocupadas por outro.

A proporção deverá ser: 50% de representantes da sociedade civil, assegurando que no mínimo um quinto seja de povos e comunidades tradicionais e povos indígenas; 30% de representantesdo setor empresarial; e 20% de representantes do poder público, assegurando que no mínimo metade seja de governos municipais. Dessa forma, as decisões e ações oriundas da 4a CNMA deverão contemplar a população, os catadores, as empresas, a academia etc.
Na PNRS, a responsabilidade compartilhada é um conceito essencial e representa uma grande evolução ao dar voz e envolver os vários atores desse processo. Como o senhor avalia esse avanço?

O avanço da reciclagem está diretamente relacionado ao conceito inovador e revolucionário da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, ao abranger desde o fabricante, o importador e o distribuidor até o comerciante, os consumidores, os catadores e os titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos.

Segundo aponta o artigo 9o da Política Nacional de Resíduos Sólidos, primeiro é preciso evitar a geração do resíduo e também reduzir sua produção. Uma vez que as duas primeiras opções não sejam viáveis, é feita então a reutilização, se possível.

Quando a reutilização já não é possível, daí sim a reciclagem. A responsabilidade compartilhada reforça, no âmbito da reciclagem, a função vital que cada parte envolvida no processo tem para que haja sucesso e bons resultados, desde o cidadão que separa seu lixo em casa, na rua ou em seu local de trabalho, passando pelo trabalho essencial do catador e a responsabilidade do setor público pela viabilização de todo o processo.
Carrinho elétrico aprimora operação
A Facilidade no manuseio, aumento na auto-estima, maior atratividade junto à população são algumas das vantagens da mais nova conquista da Acrepom.
Criada em 1996, a Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais Recicláveis de Araçatuba (Acrepom), no interior de São Paulo, surgiu para integrar e oferecer melhores condições de vida aos moradores de rua do município que sobreviviam da coleta de papéis e recicláveis, em situação de total precariedade. “A Associação tem hoje 25 cooperados que recebem suporte para suas atividades, além de assistência social, alfabetização e ações que visam o resgate de sua cidadania”, detalha Sílvia Helena de Souza, voluntária há cerca de quinze anos na cooperativa e sua atual presidente. Cedido a título de empréstimo por tempo indeterminado pela Prefeitura, o galpão onde está instalada a Acrepom dispõe de refeitório, prensas, balanças e trituradores de vidro e papel.

Em setembro de 2012, com apoio da Nestlé, o Cempre iniciou um trabalho junto à Acrepom que envolveu a formação e capacitação dos catadores por meio do novo kit “Cooperar Reciclando Reciclar Cooperando” e a doação de equipamentos de segurança, uniformes e camisetas com o logotipo da entidade e o maior destaque: um carrinho elétrico. O veículo tem capacidade para transportar até meia tonelada de material sem necessidade de esforço do condutor, mantendo carga na bateria por até quatro dias.

“Essa doação representou a realização de um sonho que gerou ganhos reais para os trabalhadores, trazidos tanto pela facilidade no manuseio quanto pela melhoria na qualidade de vida e o aumento da auto-estima. Junto à comunidade, sentimos maior reconhecimento e valorização da Acrepom, pois por onde passa o carrinho atrai a atenção da população. Já fomos até tema de matéria no jornal local”, conta Sílvia Helena. “Isso tem repercutido no aumento no número de ligações solicitando a retirada de recicláveis e de doações entregues na sede, o que, sem dúvida, deverá se refletir na renda mensal dos cooperados.”
 
Como a 4a Conferência pretende ampliar as discussões e aprofundar as conquistas da PNRS?

O processo em si da Conferência Nacional do Meio Ambiente trará grandes contribuições e aprofundará avanços na implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Espera-se que a 4a Conferência contribua para divulgar e debater a PNRS no âmbito dos quatro eixos propostos para discussão: Produção e Consumo Sustentáveis; Redução de Impactos Ambientais; Geração de Trabalho, Emprego e Renda; e Educação Ambiental.

Espera-se também que a 4a CNMA ajude a estabelecer de fato a responsabilidade compartilhada entre governos, setor privado e sociedade civil, contribuindo para que cada estado e município solucione os entraves e desafios na gestão dos resíduos sólidos. Por fim, o longo e produtivo processo da 4a CNMA trará a público as práticas positivas que podem ajudar em desenhos de políticas públicas locais e regionais que visem solucionar a gestão integrada dos resíduos sólidos.

Qual a importância desse processo de “desdobramento”, começando pelo nível municipal até chegar à Conferência Nacional, em outubro?

Segundo palavras da própria ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, o diálogo em torno da Política Nacional de Resíduos Sólidos, aprovada após 21 anos de discussões no Congresso Nacional, marcou o início de uma forte articulação institucional envolvendo a União, estados e municípios, o setor produtivo e a sociedade civil na busca de soluções para os graves problemas causados pela gestão inadequada dos resíduos que compromete a qualidade de vida dos brasileiros.

A escolha do tema Resíduos Sólidos como o foco da 4a Conferência Nacional do Meio Ambiente é oportuna e necessária para difundir informações, revelar iniciativas exitosas e entraves na gestão dos resíduos nos municípios e estados e, principalmente, para mostrar aos brasileiros que os resíduos podem se tornar um bem econômico e de valor social com nítida conexão com mudanças nos padrões de produção e consumo existentes.

A discussão do tema Resíduos Sólidos na 4a CNMA - que começa em nível municipal, passa pelo âmbito do estado e chega à etapa nacional - é salutar, pois os reais problemas – assim como boa parte das soluções – estão no município que é o território per se. Do debate de uma política já aprovada, esperam-se propostas concretas que orientarão novas iniciativas e arranjos institucionais, propiciando que toda a sociedade veja nos resíduos sólidos uma oportunidade de desenvolvimento econômico, ambiental e social.
 
 
Reciclagem de eletroeletrônicos ganha força junto ao consumidor.
Programa gratuito de reciclagem de equipamentos e acessórios da Dell, voltado a clientes finais,vem crescendo no país. 
 
  
Em 2006, a Dell lançou no Brasil o programa gratuito de reciclagem de equipamentos e acessórios da marca voltado ao consumidor final (pessoa física),como parte do seu compromisso mundial com o meio ambiente. O programa, que segue o padrão global, é conveniente, simples e sem custo para o cliente.

A solicitação do serviço é feita pelo site da Dell (www. dell.com/recycle). O consumidor seleciona o país e preenche alguns dados como nome, endereço para coleta, tipo de equipamento e contatos.
A Dell analisa e confirma as informações fornecidas para encaminhar o pedido à empresa de logística que entrará em contato com o cliente para agendar a retirada do material a ser reciclado.
O equipamento é, então, enviado a um dos sócios ambientais da Dell - empresas terceirizadas que são selecionadas, qualificadas e auditadas pela Dell para a execução de processos relacionados à destinação final dos produtos.

A utilização do programa depende da iniciativa do consumidor de acionar a empresa para solicitar o serviço quando não for mais usar seu equipamento ou acessório. Uma boa notícia é que a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) em agosto de 2010 – estruturada em torno da responsabilidade compartilhada entre governo, empresas e consumidores – vem surtindo um notável efeito prático de acordo com os indicadores que avaliam o uso do programa! “Com a aprovação da Política, observamos um aumento significativo em sua utilização. Tivemos um crescimento de mais de 50%.

Esses dados nos mostram que a Política, cuja implementação operacional será em 2014, já influenciou decisivamente o comportamento do consumidor brasileiro”, comemora Cintia Lederer Gates, gerente de Programas de Reciclagem para América Latina
e Caribe da Dell.

 
De ponta a ponta 
Desenvolvido hoje em 79 países (na América Latina, está no Brasil, Chile, México e Colômbia), o programa oferece a possibilidade de reciclagem para os consumidores de maneira cômoda e sem custos. Desde que foi iniciado, já coletou mais de 391 mil toneladas de equipamentos eletrônicos globalmente e tem como meta chegar à marca de 1 bilhão de libras (mais de 453 mil toneladas) em 2014.

O programa integra a política de ciclo de vida de produtos da Dell que tem a reutilização e a reciclagem como foco desde o início da concepção de cada item. Isso faz com que se evite usar ou combinar materiais que comprometam ou dificultem a reciclagem dos produtos – um exemplo nesse sentido foi a remoção de todos os parafusos e a criação de uma peça plástica homogênea para abrigar as placas-mães dos equipamentos.

Na execução operacional do programa, a Dell conta com a parceria de seus sócios ambientais. “São empresas que vão além da reciclagem e seguem os rígidos padrões da Dell em termos operacionais e ambientais”, explica Cintia. “Vale destacar que, também com a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, houve uma grande movimentação nessa ponta do processo, no sentido de aumentar e melhorar a infraestrutura para reaproveitamento e reciclagem”, comenta Cintia.

O processo começa com a destruição de dados (quando há HDs). Então, o destino dos equipamentos e acessórios Dell recolhidos é definido de acordo com os resultados de um teste de funcionalidade. Produtos que estejam 100% funcionais são reutilizados. Caso contrário, são separados em partes para serem reciclados. “A Dell é muito rigorosa no sentido de auditar e controlar seus sócios ambientais para garantir que o processo de disposição final, tanto reaproveitamento ou reciclagem, seja executado de acordo com as políticas ambientais da Dell, bem como estejam alinhados com requerimentos governamentais. Somente assim podemos manter a confiabilidade de toda a cadeia e também a visibilidade de cada etapa do processo”, destaca Cintia.
 
 
  
Um novo associado para o Cempre 
Fundada em 1909, no Japão, por Kikunae Ikeda, pesquisador e professor da Universidade Imperial de Tóquio, o Grupo Ajinomoto (palavra japonesa que WWW.CEMPRE.ORG.BR significa “essência do sabor”) opera hoje em 26 países, com 107 fábricas e cerca de 28 mil funcionários. Considerada a maior produtora de aminoácidos do mundo, sua previsão de faturamento para 2012 girava em torno de US$ 15,26 bilhões.
Presente no país desde 1956, a Ajinomoto do Brasil tem sede administrativa na capital paulista e quatro unidades fabris no estado de São Paulo (em Limeira, Laranjal Paulista, Valparaíso e Pederneiras). Terceiro mercado mais importante para o Grupo (atrás apenas do Japão e da Tailândia), o Brasil exporta seus produtos para Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Chile, Colômbia, Panamá, Costa Rica, Estados Unidos, Japão e países da Europa e África.
Além do conhecido realçador de sabor AJI-NO-MOTO®, a empresa fabrica outras linhas de produtos para o consumidor final como tempero e caldo SAZÓN®, refrescos em pó MID e FIT e sopas VONO, por exemplo. Para o mercado de food service, oferece temperos, caldos, cremes, extrato de tomate e purê de batata, entre outros. Produz também aminoácidos, aditivos e insumos para a indústria
alimentícia, farmacêutica, cosmética e funcional, para a nutrição animal (particularmente de aves e suínos) e para a fabricação de fertilizantes e inoculantes.
“A Ajinomoto utiliza os recursos de forma eficiente e sustentável, usando a cana-de-açúcar não somente como matéria-prima para produção, mas também como fonte de energia, reduzindo a emissão de CO2. Através do conceito do biociclo, a cana-de-açúcar fornece energia mais limpa para o processo e retorna nutrientes para o solo, aumentando sua produtividade”, conta Venâncio Forti, Gerente Corporativo do Sistema de Gestão. “A empresa é certificada nas normas ISO 9001, ISO 14001 e OHSAS 18001, entre outras, possui internamente a coleta seletiva dos seus resíduos, políticas ambientais rigorosas e faz parte do plano de coalizão para atender a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Agora, a Ajinomoto está se associando ao Cempre em busca de conhecimento e parceria em projetos sócio-ambientais relacionados à logística reversa e ao tratamento de resíduos sólidos.”
 
  
 
P = prensado
L = limpo
*preço da tonelada em real


Estes preços de venda dos recicláveis são praticados por programas de coleta seletiva, sendo a informação de sua inteira responsabilidade. Atenção programas de coleta seletiva e cooperativas: para providenciarmos a publicação dos preços recicláveis, solicitamos o envio de cotações até o dia 15 de cada mês ímpar do ano (janeiro, março, maio, julho, setembro, novembro).

segunda-feira, 29 de abril de 2013

O arco-íris no centro da política


Para sociólogo francês, a bandeira do ‘casamento igualitário’ - já hasteada em 14 países - transcendeu o universo das minorias e assumiu a vanguarda na transformação da sociedade

27 de abril de 2013 | 17h 48
Ivan Marsiglia - O Estado de S.Paulo
Tão logo foi ratificado pelo Parlamento da França na terça-feira, o projeto que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a adoção de crianças por casais homossexuais desencadeou protestos violentos. Em Paris, manifestantes atiraram garrafas, latas e pedaços de metal na polícia, que reagiu com bombas de gás lacrimogêneo e prendeu 12 pessoas. Os distúrbios foram ainda mais violentos em Lyon, no centro-oeste do pais, onde 44 foram detidos.
 - Marcos Müller/ Estadão
Marcos Müller/ Estadão
Promessa de campanha do presidente François Hollande, eleito pelo Partido Socialista em maio de 2012, o projeto enfrentou resistência da Igreja Católica francesa, da União pelo Movimento Popular, legenda do ex-presidente Nicolas Sarkozy, e da Frente Nacional, de extrema direita. A votação dividida na Assembleia Nacional - 331 votos à favor e 225 contra - já prenunciava a situação da causa do "casamento igualitário", como preferem seus defensores, não só na França, mas no mundo: um cenário de vitórias sucessivas, quase sempre apertadas. Já são 14 os países que adotaram legislação semelhante, na maioria democracias avançadas como Holanda, Noruega, Dinamarca, Suécia, Islândia, Canadá, Bélgica, Nova Zelândia, Portugal e Espanha, mas também Africa do Sul, Argentina e Uruguai. No Brasil, embora o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido, em maio de 2011, a união homoafetiva estável, a decisão não é equivalente a uma lei sobre o assunto.
Para o sociólogo francês Éric Fassin, a bandeira da igualdade de direitos para os homossexuais adquiriu centralidade única na política contemporânea: "Hoje, a principal divisão ideológica entre a direita e a esquerda na França se dá na questão do casamento igualitário". Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Paris VIII, Fassin se dedica a pesquisar a interface política entre as questões sexuais e raciais e afirma que o mito de uma "democracia sexual" no Ocidente serviu muitas vezes para justificar a xenofobia - travestida de defesa dos ‘nossos’ valores contra os ‘deles’. Autor, entre outros livros não traduzidos no Brasil, de Liberdade, Igualdade, Sexualidade: Atualidade Política das Questões Sexuais (2004) e A Inversão da Questão Homossexual (2008), o professor afirma que a empedernida reação à extensão de direitos às minorias acabou por revelar "a cultura hétero que organiza toda nossa vida cotidiana e até as disciplinas que estudam a sociedade, como a sociologia da família ou a antropologia do parentesco".
Na entrevista a seguir, Éric Fassin explica por que os religiosos desta vez não foram os responsáveis pela polêmica, mas pegaram carona nela; afirma que a adoção de crianças por casais gays incomoda por enterrar de vez "a ilusão de que a filiação é fundada biologicamente", o que põe em risco certa concepção arcaica de nação; e diz que rever as concepções "naturais" que temos sobre o casamento, a família e a filiação pode ajudar na necessária reinvenção de nossas sociedades.
Por que mesmo na França, com sua longa tradição na defesa dos direitos humanos, o tema do casamento gay é tão sensível?
Antes de qualquer coisa, há por trás disso uma lógica política. A questão do casamento igualitário é, hoje, a principal diferença entre a direita e a esquerda na França. Todo o resto, de Nicolas Sarkozy a François Hollande, é continuidade: seja em se tratando de economia, nas proposições de austeridade e competitividade tributárias da mesma política neoliberal, seja no debate sobre a imigração - a expulsão de imigrantes não diminuiu no atual governo e a perseguição cotidiana aos ciganos inclusive se intensificou. Foi sobre o casamento, então, que se fixou a clivagem ideológica. Os protestos aos quais estamos assistindo se explicam pelo fato de que todas as forças se concentram, num ambiente no resto consensual, nessa única batalha. Veja que até mesmo em matéria de laicidade, já não há diferença entre os diversos partidos políticos: Hollande propõe hoje uma lei contra o uso do véu islâmico exatamente como o fizeram Sarkozy em 2010 e Jacques Chirac em 2004...
Mas os protestos ocorridos essa semana não aparentam ter origem exclusivamente religiosa, certo? 
Na França, a religião não é o motor primeiro da hostilidade ao tema da igualdade de direitos. É algo que não entendemos bem 15 anos atrás, contra o PaCS (Pacto Civil de Solidariedade, votado em 1999 durante o governo Lionel Jospin, que previa uma parceria contratual entre duas pessoas maiores, independente do sexo, que inspirou o debate sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo no Brasil). A Igreja, na verdade, se aproveita dessa polêmica para existir politicamente. E Sarkozy soube preparar bem o terreno com sua política de identidade nacional, que repousava sobre duas heranças: a laica, contra "eles", os outros, estrangeiros, etc., e a cristã, por "nós", nossos valores. Era um ato de legitimação política da Igreja. Em retribuição, o lobby religioso dá hoje sua bênção à oposição.
O que incomoda mais, a questão reprodutiva, as relações homossexuais em si ou a adoção de crianças por casais do mesmo sexo?
Nos EUA, o casamento em si é que está no coração da controvérsia. Já na França, é a filiação, o acesso à adoção e à assistência médica para as crianças. Por que isso? Ocorre que na França a filiação define, por sua vez, a família e a nacionalidade. Estendê-la aos homossexuais significa desnaturalizá-la de vez, dissipando a ilusão de que a filiação é fundada biologicamente. Do lado inverso, naturalizar a filiação significa dar um fundamento biológico à ideia de nação. Ainda hoje fala-se muito na França de "franceses de estirpe" em oposição a "franceses de origem estrangeira". E naturalizar a filiação é atribuir a ela um caráter racista, que distingue dois tipos de cidadãos, os "naturais" e os de raízes estrangeiras.
Logo após a votação no Senado, o antigo primeiro ministro Jean-Pierre Raffarin acusou os defensores do casamento gay de provocar uma ‘crise social’ e promover ‘uma injustiça contra as crianças, que não conhecerão nem papai nem mamãe’. O que achou dessa declaração?
De um lado, ela joga com o medo, a retórica reacionária de que permitir a adoção por casais gays é entrar em "terreno escorregadio". Por outro lado, está aí a reivindicação de uma visão biologizante da filiação. "Nem papai, nem mamãe"? A única filiação então é a dos genitores? Como fica isso então em relação aos filhos adotivos? No caso da adoção, os genitores não têm papel na filiação, sejam os pais adotivos de sexos diferentes ou não. A frase de Raffarin é uma negação do direito. Não contente em fazer a defesa de "verdades naturais", biológicas, pretende que elas produzam verdades sociais. Vê-se aqui o quão atual é o debate sobre o casamento igualitário, e quanto a resistência a ele significa uma resistência à noção de igualdade e um retorno ao determinismo biológico.
Em um artigo de 2012, o sr. se perguntava se a oposição ao casamento gay seria, em si, uma forma de homofobia. Como responderia a essa questão hoje?
Os que se opõem ao casamento igualitário fazem uso da ideia de natureza, o que é contraditório, uma vez que tanto o casamento quanto a família são instituições sociais. Falar em "instituição natural" é uma contradição em termos. Portanto, julgar que a extensão do casamento aos homossexuais não seria natural é o mesmo que dizer que a homossexualidade vai contra a natureza. Na época dos primeiros debates sobre o PaCS era possível posicionar-se de maneira hostil ao casamento sem ser homofóbico - mas isso porque não havíamos refletido suficientemente sobre isso. Hoje, todo o mundo já debateu todos os argumentos. Recusar a igualdade de direitos é optar conscientemente pela homofobia política. Veja que interessante: tanto na França como nos EUA pouco menos da metade da população é contrária ao casamento igualitário. Entre os americanos, essa proporção é praticamente a mesma dos que se declaram homofóbicos. Na França, ao contrário, a se supor pelas pesquisas, pouquíssimos se dizem homofóbicos. É um dado revelador da hipocrisia francesa.
Por falar em pesquisas, no início dessa semana só 25% dos franceses se declaravam satisfeitos com o governo Hollande. A polêmica afetou sua popularidade?
O casamento igualitário não é a causa da impopularidade do presidente da república, até porque os eleitores de esquerda são majoritariamente favoráveis. Quanto aos de direita, hostis ao tema, de todo modo não apoiariam Hollande. O que explica sua rejeição é o fato de que a volta ao poder dos socialistas não significou uma verdadeira alternância. Lembremo-nos de que o slogan da campanha Hollande era le changement c’est maintenant (a mudança é agora). A defesa do casamento igualitário é, por isso, o único fator que limita sua impopularidade - porque aí, sim, houve mudança. Há quem diga, inclusive, que sua defesa da nova lei serve apenas para fazer os eleitores de esquerda esquecerem as renúncias que fez na volta ao poder. É um fato, mas prefiro que o governo distraia os franceses com a questão do casamento do que expulsando imigrantes ou perseguindo ciganos.
Além da França, outros 14 países aprovaram leis semelhantes, inclusive nossos vizinhos, a Argentina e o Uruguai. Parece haver uma movimentação internacional em torno do tema. Por que o casamento gay virou a principal bandeira de seus ativistas, mais importante até que as leis anti-homofobia? 
No primeiro país, a Holanda, a legalização data de 2001 e, de lá para cá, a multiplicação tem sido bastante rápida. São oito países na Europa, mas também na América do Norte e do Sul, além da Oceania. Isso ocorreu porque os ativistas gays se apoiaram em princípios democráticos como a igualdade de direitos. É uma eficácia ainda mais impressionante quando se leva em conta a enormidade de lutas progressistas que fracassaram nos últimos anos. E mais: trata-se de um desafio enorme simbolicamente, daí a resistência feroz que enfrenta por toda a parte. Outro fator que contribui para sua implementação é o fato de ela não custar quase nada - de certa maneira, portanto, é uma reivindicação compatível com as políticas neoliberais. Ainda que o exemplo da direita francesa, partidária do neoliberalismo, tenha se aliado aos conservadores religiosos para combatê-la.
Em A Inversão da Questão Homossexual o sr. diz que os debates em torno da causa marcam uma ruptura histórica: após um século de estudos da psicanálise, da antropologia e da sociologia sobre a homossexualidade, atualmente é a política lésbica e gay que põe em questão essas disciplinas e a própria sociedade. Por quê?
Veja o exemplo francês: é a homofobia que se esconde hoje em dia, não a homossexualidade. Nos EUA, o humorista Steven Colbert chegou a dizer: "Na França, aquele pessoal com cartazes cor-de-rosa dançando ao som do grupo Abba são os manifestantes antigays!" A homofobia se travestiu: em vez de deixar sua violência sair do armário, percebeu que já tinha perdido a batalha. Dizendo de outra maneira, a questão hoje não é mais "como alguém pode ser homossexual?", mas "como alguém pode ser homofóbico?". As reivindicações gays revelaram o que ninguém percebia em nossa sociedade: é a cultura hétero que organiza toda nossa vida cotidiana, a família e até as disciplinas que estudam a sociedade, como a sociologia da família ou a antropologia do parentesco. O que não conseguíamos ser capazes de perceber, de pensar, passa rapidamente a ser visível, "pensável". Tudo isso que nos parecia "natural" revela-se como mera convenção, arbitrária e portanto modificável.
De que maneira tal mudança de parâmetros afeta questões como a imigração e a xenofobia, como o sr. chegou a dizer?
Durante os anos 2000, políticos xenófobos e racistas buscaram legitimar sua voz nas sociedades ocidentais pela instrumentalização do que chamo de "democracia sexual": dizendo que o sexismo e a homofobia eram mazelas ‘deles’ e não ‘nossas’, os espíritos libertos. Assim, falava-se o tempo todo na Europa sobre como o véu islâmico é um símbolo do patriarcado atrasado deles, assim como casamentos forçados ou a poligamia. Insistíamos o tempo todo que tais violências contra mulheres e homossexuais estavam restritas aos bairros de imigrantes ou estrangeiros. Ora, fazer esse discurso hoje em dia ficou mais difícil. Tanto que a heroína do movimento anticasamento igualitário, Frigide Barjot, foi ao congresso da União das Organizações Islâmicas da França buscar o apoio ‘deles’ para a causa! E já provoca inquietação em alguns imaginar qual será o resultado dessa mudança na retórica conservadora. Ou seja, como será reposta a oposição entre ‘nós’ e ‘eles’ sem o pretexto da democracia sexual.
Em um texto sobre a obra de Michel Foucault, o sr. afirma que não se trata de pensar a invenção de uma cultura gay em torno do casamento e da família, mas de ‘uma cultura inventiva a partir da atualização homossexual dessas instituições’. Tal transformação é possível? Qual seria o resultado dela?
Ela é a mais difícil, mas também a mais necessária, em minha opinião. Na França, como teria sido absurdo denunciar o casamento igualitário como um projeto de normalização da homossexualidade, o argumento que se usou contra, tanto à direita como à esquerda, foi o da defesa da "ordem simbólica". Mas uma vez vencida a batalha, é preciso enfrentar a questão. E aproveitar este momento para questionar de fato as noções de casal, de família, casamento e filiação. Se em vez de presumir que já sabemos do que estamos falando, como se fosse algo óbvio, tomarmos consciência de que cabe a nós dar-lhes sentido, abre-se um espaço. Se não um espaço de reinvenção radical, pelo menos de um pouco de bricolagem, de improvisação. Já vimos, em outras ocasiões, como o divórcio, a possibilidade de outros casamentos engendraram novas experiências sociais. Por que não poderia ocorrer novamente, a partir da abertura do casamento e da família aos casais do mesmo sexo? 

Nós entre os outros


Lúcia Guimarães - O Estado de S.Paulo
1 - O governo dos Estados Unidos armou uma cilada para enquadrar os irmãos Tsarnaev pelo atentado à bomba contra a maratona de Boston. 2 - O vídeo do sobrevivente Dzhokhar Tsarnaev não prova nada. Por que não liberaram outros trechos do vídeo? 3 - O tiroteio na madrugada de Boston, que resultou na morte de Tamerlan Tsarnaev, está mal explicado. 

As afirmações acima não saíram apenas da boca de Zubaidat, a mãe dos dois acusados, no Daguestão. Foram feitas, em conversas comigo, por amigos brasileiros, jornalistas e profissionais com pós-graduação, mais viajados e cosmopolitas do que a maioria dos americanos.

Se eu trabalhasse em comunicação para o Departamento de Estado em Washington, estaria preocupada. Mas trabalho para um jornal brasileiro e estou mais preocupada ainda. Não porque ignore o fato de que George Bush mentiu para o povo americano e o resto do mundo para começar uma guerra que fez dezenas de milhares de mortos no Iraque. Não porque negue que a manutenção da prisão de Guantánamo seja uma vergonha que mancha a história da democracia constitucional. Não porque não me horrorize com o "dano colateral", a morte de civis provocada pelos ataques de drones. Não porque ignore o fato de que os assassinatos em massa por armas de fogo, como Newtown e Aurora, são crimes hediondos que podiam ter sido evitados. Há muito o que condenar no comportamento dos Estados Unidos depois do 11 de setembro. Mas determinar que milhares de policiais, centenas de figuras públicas e de jornalistas, sem contar testemunhas entre o público fazem uma demonstração sincronizada de falsificação digna da Coreia do Norte é um salto que tenho dificuldade de compreender.

A desinformação folclórica dos americanos que consideravam Buenos Aires a nossa capital, era explicada em parte pelo país continental, o superpoder intervencionista do século 20, enamorado de sua dominação econômica e tecnológica. A desinformação do país no século 21, com candidatos a presidente afirmando que o planeta nasceu há 5 mil anos, é assustadora e possível graças à bolha criada por propaganda, conservadorismo político e religioso. 

Mas como explicar as crenças de uma elite que compra mostarda em Paris, ridiculariza os desinformados do norte e se considera tão esclarecida? E por falar em Paris, lembro que a bela e talentosa Marion Cotillard, depois de sugerir que as torres gêmeas foram destruídas no 11 de setembro para dar lugar a prédios modernos, concluiu com esta pérola: "Será que o homem pisou na lua? Assisti a vários documentários sobre isso, mas fiquei pensando...". Um agente em pânico e os dólares de Hollywood devem ter impedido a ganhadora do Oscar como Edith Piaf de continuar pensando alto.

Depois de uma semana no Brasil, revivi a noção de como o mundo supostamente unido pela mídia social e pelo registro digital instantâneo é, em vários aspectos, um mundo mais isolado. O trajeto da opinião que substitui fatos à teoria conspiratória encurtou bastante. 

Sim, é ultrajante que Dzhokhar tenha sido interrogado por 16 horas antes de lerem para ele o Alerta Miranda, sobre seus direitos à defesa e a não se incriminar, e, só então, parou de falar. Sim, Dzhokhar Tsarnaev não só tem direito a julgamento, como vai ser representado por três advogados, um deles a maior estrela da defensoria pública do Estado de Massachusetts.

E, mesmo se ele confessou que foi autor do atentado que matou três e feriu 200; que planejava mais ataques em Nova York, com os seis artefatos explosivos encontrados; que agiu motivado pelas guerras no Iraque e Afeganistão - tudo isso pode ser contestado pela defesa durante o julgamento. Difícil de contestar é o testemunho do jovem empresário chinês sequestrado pelos irmãos, numa ação atrapalhada que resultou na captura de Dzhokhar e na morte de Tamerlan, ação, diga-se de passagem, fotografada por moradores do bairro.

"Ouviu falar do que aconteceu na maratona de Boston?", disse segundo o sequestrado, Tamerlan Tsarnaev. "Eu fiz aquilo. E acabei de matar um policial em Cambridge." Na entrevista ao Boston Globe, a vítima, que teme revelar seu verdadeiro nome chinês, relata 90 minutos de terror em detalhes que podem ser parcialmente confirmados pelo sistema de navegação do carro e, em seguida, pelo GPS do celular.

Se as forças policiais envolvidas na maior caçada humana da história de Boston contribuíram para a desinformação - Dzhokhar estava armado e não estava, Tamerlan morreu no tiroteio ou atropelado pelo irmão em fuga - a disposição imediata de acreditar numa conspiração governamental em grande escala, num mundo tão documentado pela tecnologia, merece pausa. 

A desconfiança do país que invadiu o Iraque sob falso pretexto, mantém Guantánamo e articulou uma erosão expressiva da privacidade depois do 11 de setembro é justificada. O mesmo não se pode dizer da ideia de que qualquer fato deve ter versões coloridas para combinar com nosso guarda-roupa ideológico.