domingo, 30 de dezembro de 2012

UM CALOTE DE R$ 44 BILHÕES



Depois da farra do crédito fácil, que alavancou o crescimento do País até 2010, nova classe média dá calote recorde e a economia brasileira patina. Impacto chegou a diferentes setores da economia

30 de dezembro de 2012 | 2h 06
O Estado de S.Paulo
A técnica em enfermagem Wedna Bispo, 31 anos, ganha R$ 1,2 mil por mês e até outro dia devia quase R$ 34 mil na praça. Não consegue lembrar tudo que comprou, mas estava pendurada na loja de material de construção, em dois cartões de crédito, no banco e na faculdade. Estica prazo daqui, renegocia dali, agora só falta discutir R$ 2,6 mil com o curso de enfermagem. "Minhas dívidas viraram uma bola de neve. Se você não controla, só se lasca." Wedna admite ter se perdido nas compras, mas hoje percebe que o descontrole não foi só dela: num dos cartões de crédito, a administradora lhe deu limite para gastar R$ 1,2 mil por mês - exatamente o valor de seu salário.
Wedna é uma típica brasileira da nova classe média enrolada na armadilha do crédito fácil. Como ela, milhões de pessoas atraídas pela oferta de crédito abundante nos bancos se atiraram às compras em 2009, 2010 e no início de 2011. Este ano, a conta chegou. Para muitos, foi como acordar de um surto coletivo de embriaguez: as doses de crédito a mais desaguaram num calote total de R$ 44,2 bilhões em bancos, financeiras e no cartão de crédito. Para comparar, em 2010, a inadimplência total era de R$ 23,7 bilhões, quase a metade de hoje. As contas foram feitas pela economista Marianne Hanson, da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
O reflexo do aumento da inadimplência e do maior comprometimento da renda das famílias com dívidas foi além do balanço dos bancos e respingou em setores da economia real. Depois do avanço de 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010, o País patinou e cresceu 2,7% em 2011 e deve avançar apenas 1% este ano. Para os especialistas, o impacto pode persistir até 2014.
A ressaca só não é maior porque muitos inadimplentes renegociaram dívidas para limpar o nome. Foram pelo menos 15 milhões de pessoas apenas nos mutirões organizados - em escala recorde - por duas empresas de serviços financeiros, a Serasa Experian e a Boa Vista Serviços. "Tivemos uma bolha de crédito para o consumo. E a bolha sempre estoura com a inadimplência", diz José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados.
Segundo várias avaliações, a maior parte dos inadimplentes são famílias emergentes que melhoraram de vida nos últimos anos e migraram da base para o miolo da pirâmide social. Parte dessa massa de 40 milhões de pessoas está tateando o mercado de crédito e acabou se perdendo no uso do cheque especial, do cartão de crédito e do financiamento sem entrada com parcelas a serem pagas em cinco anos ou mais.
O Instituto GEOC, que reúne 17 empresas de cobrança de dívidas, captou uma mudança significativa no perfil dos inadimplentes. Cinco anos atrás, o principal motivo para deixar de pagar a prestação era a perda do emprego. "Hoje o consumidor está empregado e o motivo é que tomou mais crédito do que podia", diz Jair Lantaller, presidente do instituto. Estudo do Ibope e da Serasa Experian, encomendado pelo GEOC, mostra que 87% dos inadimplentes e 69% de quem está com os pagamentos em dia chegam ao fim do mês sem dinheiro. "O brasileiro está cada vez mais endividado", confirma Lantaller.
Exageros. Passada a euforia, apareceram os exageros do festival de empréstimos. Não foram só os consumidores que erraram nas contas. Os bancos estavam entusiasmados com a nova classe média e emprestaram sem muito critério. O governo, empolgado com o aumento da renda da população, colocou os bancos federais para inundar a praça com crédito e alavancar a economia.
O gerente de uma grande concessionária Volkswagen de São Paulo conta que há cerca de dois anos, na disputa pela classe C, os bancos pagavam comissões às concessionárias e aos vendedores de 5% a 10% do valor financiado - prática depois proibida pelo Banco Central. "O crédito era automático. Se o nome não estava sujo, era aprovado", diz o gerente. "Na época, por exemplo, tinha muito camelô comprando carro bom e, como não tinha comprovação de renda, o banco pedia só o extrato bancário."
Um dos sinais mais marcantes dessa fase de exageros só apareceu mais tarde, na forma de um indicador que o mercado não costumava prestar atenção: de repente, os bancos descobriram que muitos dos que compraram carros em parcelas a perder de vista não pagaram sequer a primeira prestação. No Banco Votorantim, um dos líderes no financiamento de veículos, de 4% a 5% dos clientes deram calote já na primeira parcela entre 2010 e 2011. É o dobro dos 2% que o mercado costuma aceitar como índice máximo desse tipo de inadimplência.
Para piorar, o sistema de checagem dos clientes era limitado. Os bancos não tinham acesso aos dados sobre o comprometimento total da renda do comprador. Até abril deste ano, o Sistema de Informações de Créditos (SCR), do BC, só informava dívidas individualizadas acima de R$ 5 mil. Mesmo que o tomador tivesse vários contratos abaixo desse valor, não era identificado pelo sistema. Assim, a loja vendia um carro sem saber que a renda do cliente já estava comprometida em outras compras.
Hoje, dentro do governo, já há quem reconheça - com a condição de permanecer no anonimato - que houve exageros nas concessões de empréstimos em 2010. "Os bancos emprestavam sem entrada e por prazo superior à vida útil do bem. Se não tivéssemos atuado, o ajuste seria traumático", afirma uma fonte do BC, lembrando que a autoridade monetária tomou uma série de medidas no fim daquele ano para frear o crédito.
Os bancos são pragmáticos e encaram a inadimplência por outro ângulo: é o preço pago para transformar em clientes 36,2 milhões de pessoas que abriram conta em banco entre 2002 e 2011. "Os bancos não erraram, foi o preço que tivemos de pagar pela bancarização", diz um alto executivo de uma das maiores instituições financeiras do País. "Fomos compelidos pelas circunstâncias a essa velocidade."
Política de consumo. O estímulo à popularização do crédito e o incentivo às compras foram produtos de uma política de crescimento baseada no consumo. Começou com o governo Lula, na crise de 2008, e foi reforçada com as reduções temporárias de impostos para a compra de carros, eletrodomésticos e material de construção. O governo mandou seus bancos de varejo, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, abrirem os cofres para financiar o consumo. Em abril de 2009, o então presidente do BB, Antonio Francisco de Lima Neto, foi demitido porque demorou a cumprir a ordem do ex-presidente Lula.
No esforço de guerra para ampliar o crédito, o BB comprou quase metade do Banco Votorantim, da família Ermírio de Moraes. A Caixa comprou o Panamericano, mas essa estratégia deu errado porque o banco, que na época pertencia ao apresentador Silvio Santos, estava quebrado. Com a movimentação das instituições estatais, a banca privada sentiu-se pressionada a segui-las para não perder mercado.
Além da pressão de Brasília, as instituições privadas sofreram outro tipo de influência para turbinar a oferta de crédito. Na visão dos investidores, havia uma demanda por crédito reprimida no País e os bancos que se lançassem agressivamente na conquista desses consumidores ganhariam mais mercado. Foi com a promessa de abocanhar parte desse crescimento que o Santander levantou mais de R$ 14 bilhões com a abertura de seu capital no Brasil, em 2009. A operação foi, na época, a maior do tipo já realizada no País.
O caso do banco Votorantim foi exemplar. Na visão do mercado, o banco pisou forte demais no acelerador depois que o BB tornou-se sócio e passou a usá-lo como linha auxiliar na política oficial de estímulo ao consumo. Experiente no ramo de carros usados, o Votorantim passou a atuar também com veículos novos, segmento no qual a competição é maior. Como resultado, sua fatia no financiamento total de veículos saltou de 12% para 21% entre 2008 e 2011.
A onda de calotes, que envolveu todo o sistema financeiro, pegou forte no Votorantim. De janeiro a setembro, a instituição registrou prejuízo de R$ 1,6 bilhão ante lucro de R$ 455 milhões no mesmo período de 2011. Desde o fim do ano passado, o banco passa por um processo de reestruturação. "Os impactos ainda são relevantes, mas os números estão melhorando e o pior ficou para trás", diz o presidente do Votorantim, João Teixeira, que assumiu o cargo em setembro de 2011 para colocar a casa em ordem.
Para analistas, a ressaca da onda de calotes deve se estender até meados do ano que vem, em algumas instituições até 2014. "Em 2012, os bancos foram mais criteriosos e a turma ruim (de maus pagadores) está indo embora", diz Décio Carbonari, presidente da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef). "A água limpa que está entrando no lamaçal é pouca, por isso a inadimplência vai demorar a cair", afirma Luiz Rabi, assessor da Serasa Experian. /MÁRCIA DE CHIARA, CLEIDE SILVA, RAQUEL LANDIM, MELINA COSTA E DAVID FRIEDLANDER

Sem pagamento, 200 mil carros são leiloados no País



30 de dezembro de 2012 | 11h 05
AE - Agencia Estado
SÃO PAULO - A bolha do crédito farto ajudou o Brasil a ocupar pela primeira vez, em 2010, o quarto lugar na lista dos maiores mercados de veículos do mundo, posição que vem sendo mantida. Neste ano, as vendas devem atingir o recorde de 3,8 milhões de unidades. Muitos dos consumidores que ajudaram o País a chegar a esse posto, contudo, hoje penam para pagar as prestações ou tiveram o carro retomado por falta de pagamento.
O índice de inadimplência em veículos passou de 2,5% dos contratos em 2010 para 5,6% neste ano. O calote vem caindo, depois de atingir o pico de 6,1% em maio, mas ainda é alto. Em valores, um total de R$ 10,5 bilhões em parcelas deixou de ser pago, muito acima do saldo de R$ 3,8 bilhões de dois anos atrás.
"O estrago neste ano foi muito maior do que o imaginado", diz Décio Carbonari, presidente da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef). Parte dos devedores são pessoas que compraram o primeiro carro zero, atraídas por planos de pagamento sem entrada, prazos de 60 a 80 meses e "parcelas que cabiam no bolso".
Com mais da metade das prestações a vencer, o consumidor se deu conta de que o saldo devedor era bem maior que o valor do bem - que deprecia-se em média 15% ao ano. "Hoje, com o saldo devedor de um financiamento feito há dois anos é possível comprar um carro mais moderno e com juro menor", diz Paulo Garbossa, da consultoria ADK.
O juro hoje é menor em consequência da política adotada pelo Banco Central. Caiu de 40,6% na média anual no fim de 2010 para menos de 35%. Os automóveis também estão mais baratos em razão da concorrência de novas marcas e alguns modelos são lançados a preços mais baixos que os antigos.
Bancos e associações não divulgam a quantidade de carros retomados por falta de pagamento. Mas dados de empresas de leilões dão ideia do tamanho do problema. Segundo quatro grandes grupos que atuam no Estado de São Paulo, entre 180 mil e 200 mil veículos foram retomados por falta de pagamento nos últimos dois anos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. 

Impasse atrasa ainda mais obra da Transnordestina



Controlada pela CSN, concessionária quer R$ 8,2 bilhões, quase o dobro da estimativa inicial; ferrovia só deve ficar pronta em 2015

29 de dezembro de 2012 | 17h 40
Sergio Torres/ENVIADO ESPECIAl SALGUEIRO(PE)
Prevista para funcionar a partir de 30 de dezembro de 2014, penúltimo dia da gestão da presidente Dilma Rousseff, a ferrovia Transnordestina não será inaugurada antes de 2015. A obra, iniciada em 2006, entrou em ritmo ainda mais lento neste segundo semestre, a partir do acirramento de um impasse financeiro já antigo entre o governo federal e a concessionária Transnordestina Logística S/A (TLSA).
Na assinatura do protocolo de intenções em 2005, foi anunciado que a ferrovia custaria R$ 4,5 bilhões. As obras começaram em julho do ano seguinte. Em 2008, já havia um novo preço firmado em contrato: R$ 5,4 bilhões. A TLSA vem alegando que esse valor, em razão de contratempos surgidos no decorrer da obra, está subdimensionado.
A concessionária quer agora R$ 8,2 bilhões. Sem esse aporte financeiro adicional, a TLSA argumenta que não haverá meios de entregar a Transnordestina completa a tempo de ser inaugurada por Dilma. A ferrovia é uma das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
A solicitação da TLSA, controlada pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), não é bem vista pelo governo. A concessionária quer que o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE), que já banca 50% dos recursos (R$ 2,7 bilhões), aumente a participação.
O fundo regional é gerenciado pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), que recusou-se a divulgar os valores até agora liberados para a construção da ferrovia. Também envolvido no financiamento da ferrovia, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) contribuiu com R$ 900 milhões, já liberados.
O governo resiste a dar o dinheiro requerido pela concessionária e insiste que a obra deve ser inaugurada ainda no governo Dilma. Mas deu à CSN a possibilidade de obter empréstimos nas instituições públicas.
"Para que os trabalhos da Transnordestina não sejam interrompidos, o governo federal, através da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) e do BNB, autorizou a obtenção de empréstimo, por parte da Transnordestina Logística S.A, o que permitirá que as frentes de trabalho continuem mobilizadas e o cronograma das obras não apresente maiores postergações", informou em nota o Ministério da Integração Nacional, sem revelar os valores dos empréstimos.
A ferrovia foi planejada para levar até os portos de Pecém (Ceará) e Suape (Pernambuco) a produção agrícola do cerrado do Piauí, especialmente soja. A linha férrea partiria da cidade piauiense de Eliseu Martins até Salgueiro, no sertão pernambucano. No município, a Transnordestina se dividiria. Um braço seguiria até o litoral pernambucano. Outro, dobraria à esquerda no rumo norte, até a costa cearense.
A primeira previsão é de que a ferrovia, no trecho Piauí-Pernambuco, seria inaugurada em 2010, ao final do segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O trecho Piauí-Ceará ficaria pronto em 2013.
Nada disso aconteceu. Foi dado um novo prazo, 2012, que se encerra sem que a obra tenha alcançado nem sequer 20% do trajeto. A nova previsão passou a ser dezembro de 2014. Embora faltem dois anos, o prazo não será cumprido, de acordo com avaliações reservadas tanto do governo quanto das próprias CSN e TLSA. Só falta tornar isso público.
De interesse estratégico para o governo, a ferrovia é vista como um futuro polo indutor de progresso de uma região cronicamente problemática, caracterizada pela pobreza de sua população, pelo ainda presente êxodo para as regiões metropolitanas, e sempre sujeita a secas muito intensas, como a que já dura dois anos. 
A soja produzida no cerrado do Piauí chega hoje aos portos de exportação em carretas que circulam na maioria das vezes por estradas em péssimo estado de manutenção. A Transnordestina resolveria esse problema logístico, ao entregar a carga nos terminais portuários de maneira bem mais segura, econômica e ambientalmente limpa.
A previsão da safra de soja do Piauí em 2013 é de 1,48 milhão de toneladas, 17% a mais do que o registrado neste ano. Estão plantados 101,4 mil hectares dos 506,8 mil destinados até agora ao cultivo do grão nesta nova fronteira agrícola brasileira.
Nas negociações com o governo, CSN e TLSN argumentam, na tentativa de obter mais financiamentos públicos, que a ferrovia é fundamental para o desenvolvimento do interior do Nordeste, para o crescimento expressivo das exportações e para a entrada no País do dinheiro obtido na venda da soja no mercado externo. E que, apesar dessa importância, o retorno para o investidor é muito baixo em um primeiro momento. O lucro, se vier, será a longo prazo, dizem executivos da companhia encarregados das discussões com o governo.

Lula queria inauguração no fim do segundo mandato

O planejamento da Transnordestina desenvolveu-se durante o primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva...
O planejamento da Transnordestina desenvolveu-se durante o primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006). A ideia de Lula era inaugurar em 2010, ao final de sua segunda administração, a ferrovia pela qual seriam escoadas as toneladas de soja produzidas nos municípios do sul do Piauí.
Controlada pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), do empresário Benjamin Steinbruch, a Transnordestina Logística S/A recebeu a concessão da obra, ainda quando se chamava Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN).
A meta era abastecer os dois principais portos nordestinos (o cearense Pecém e o pernambucano Suape) com a soja, um dos pilares da pauta de exportações agrícolas brasileiras.
De acordo com o plano, nos cinco anos seguintes à inauguração, a ferrovia estaria capacitada para transportar até 30 milhões de toneladas de grãos, minérios e cargas variadas ao longo de suas três linhas de circulação.
Logo o acordo entre Lula e Steinbruch começou a dar errado. O início dos trabalhos data de 2006, mas o ritmo da obra nunca foi considerado ideal pelo governo. Já em 2007, o presidente notou que não conseguiria inaugurar a obra da forma como pretendia. A partir daí, começaram os desentendimentos que resultaram no atual impasse.
Naquele ano, a então ministra da Casa Civil, hoje presidente Dilma Rousseff, inconformada com a demora na elaboração do planejamento executivo, criticou Steinbruch publicamente. Ela avisou, à época, que “o governo não vai aceitar que essa obra seja empurrada com a barriga”.
Com o respaldo de Lula, Dilma falou ainda que o governo financiava “quase tudo” da construção da ferrovia pioneira.
“Ele (Steinbruch) entra com apenas R$ 570 milhões de um total de R$ 4,5 bilhões”, reclamou a então ministra do segundo governo Lula.

Favelas e enchentes no traçado da ferrovia

Origem dos obstáculos pode ser creditada tanto ao acaso quanto a um planejamento açodado, feito às pressas na tentativa de agradar ao então presidente Lula

29 de dezembro de 2012 | 18h 05
Sergio Torres/ENVIADOS ESPECIAIS SALGUEIRO(PE)
 A ferrovia Transnordestina enfrenta obstáculos cuja origem pode ser creditada tanto ao acaso quanto a um planejamento açodado, feito às pressas na tentativa de agradar ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Neste segundo caso, está a aprovação de um traçado, que, ao aproveitar a antiga malha ferroviária de Pernambuco, esbarrava em favelas crescidas junto aos trilhos abandonados. Barracos foram construídos na faixa de domínio da linha férrea, que é de 15 metros de cada lado.
Apontado como possível postulante à sucessão da presidente Dilma Rousseff (PT), o governador Eduardo Campos (PSB) recusou-se a atender a requisição da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) de remover as 1.019 famílias invasoras nos municípios de Ribeirão, Gameleira e Escada, próximos a Recife.
No momento, os entendimento entre a Transnordestina Logística (TLSA) e o governo pernambucano apontam para a realocação de 600 famílias para imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida. Mas são negociações difíceis, já que parte dos moradores não aceita a transferência. Os envolvidos na busca de solução estimam que o problema não será resolvido antes do fim de 2013.
Pode ser posta na conta do acaso a necessidade de construção de barragens contra enchentes no sul da Zona da Mata de Pernambuco. Cheias registradas em 2011 em terras margeadas pelos rios Ipojuca e Una levaram o governo estadual a planejar com urgência a construção das barragens em áreas pelas quais a Transnordestina passaria. Está sendo necessário modificar a rota da ferrovia, com desvio de 45 km, o que implicará em mudanças na relação de terras passíveis de desapropriação.
Empecilhos inusitados surgiram a partir do início da obra. Na cidade de Custódia, no sertão de Pernambuco, a linha do trem passaria em cima de uma igreja do século 18. Para agradar aos fiéis, a concessionária construiu uma nova igreja, para substituir a antiga. Só que o Ministério Público recorreu e a Justiça Federal proibiu a demolição do patrimônio histórico e religioso.
O jeito foi planejar um desvio de 9 metros, distância que, garante a empresa, não afetará a construção. Quem vai definir se afeta ou não é o Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, que prepara um laudo sobre os possíveis efeitos da passagem do trem próximo a uma igreja centenária.