segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Supremos Poderes


Aliás 5 ago 2012  O Estado de S.Paulo
IVAN MARSIGLIA
Corte já conseguiu para si até a prerrogativa de derrubar emendas constitucionais - Dida Sampaio/AE
Dida Sampaio/AE
Corte já conseguiu para si até a prerrogativa de derrubar emendas constitucionais
Nas transmissões ao vivo da TV ou repicadas em tempo real pela internet, nas páginas dos jornais ou nas revistas semanais, as atenções do País estiveram voltadas para ela: a corte. Desde o início do julgamento da Ação Penal 470, o famoso mensalão, na quinta-feira, os primeiros lances do Supremo Tribunal Federal (STF) eclipsaram até os debates dos candidatos a prefeito e só encontraram rival na audiência dos Jogos Olímpicos de Londres.
Desde a tensão do primeiro dia, quando o ministro revisor Ricardo Lewandowski, ao acolher pedido de desmembramento do processo feito pelo advogado Márcio Thomaz Bastos, foi rebatido com um "termo forte" pelo relator Joaquim Barbosa: "deslealdade". Passando pelo momento em que o ministro José Antônio Dias Toffoli se apresentou para o jogo, ignorando pressões para que se declarasse impedido de julgar. E prosseguindo no lançamento da detalhada peça acusatória do procurador-geral Roberto Gurgel, sobre o que chamou de "mais atrevido e escandaloso caso de corrupção e desvio de dinheiro público realizado no Brasil". Uma competição de retórica e argumentos em que, até agora, submergem em silêncio os réus e seus renomados advogados - exceção feita ao ex-ministro Thomaz Bastos.
"O Supremo jamais julgou um caso desses", explica o jurista Oscar Vilhena Vieira, que entende como poucos o protagonismo atlético que o STF tem exercido na modalidade "instituições brasileiras". Professor e coordenador do programa de mestrado da Direito GV, em São Paulo, ele é autor de um dos mais instigantes ensaios sobre a mais alta corte do País, intitulado Supremocracia.
Na entrevista a seguir, Vilhena Vieira mostra como, ao acumular funções de órgão de última instância e corte constitucional guardiã de uma Carta Magna ambiciosa como a de 1988, o STF ganhou enorme musculatura num contexto político de "amesquinhamento" do Poder Legislativo. E, para vencer seus desafios, alerta o professor, ele deve abrir mão de arbitrar questões eminentemente políticas e tomar suas decisões de maneira cada vez mais colegiada.
Por que o sr. diz que o Supremo jamais
julgou um caso como este?
Porque, especialmente a partir de 1988, o STF agregou o que em outros países do mundo está distribuído em uma série de órgãos jurisdicionais. Desde sua criação, em 1891, ele vem exercendo função de órgão de última instância, que revê as decisões de todos os tribunais inferiores - um volume enorme. E começou, um pouco em 1937, um tanto mais na década de 1960 durante o regime militar, e de maneira intensiva a partir da Constituinte de 1988, a função de corte constitucional - que é a de julgar a constitucionalidade de um ato ou lei. Isso é o que dá ao Supremo o destaque que vemos quase todos os dias nos jornais e na TV: ao discutir se a lei que permite a pesquisa de células-tronco é válida ou não, se a que define cotas para as universidades é válida ou não, se a de desarmamento é válida ou não. Mas em relação a sua terceira atribuição, que a Constituição de 88 consolidou, que é o julgamento de autoridades, muito pouco se viu até agora. A parte civil, sim, mas na criminal nós vemos que há uma enorme fila de processos: hoje são mais de 250 deputados aguardando julgamento no STF. Nesse sentido, ele inaugura uma nova etapa, julgando um grande caso criminal envolvendo autoridades.
Embora o STF tenha estado diversas vezes nas manchetes, durante o julgamento do mensalão estará no centro do debate político nacional. Os holofotes afetam a corte?
Se fosse uma corte tradicional sueca ou austríaca, talvez sim. Mas não podemos atribuir ao Supremo brasileiro uma posição de neófito nesse jogo. Ao longo dos últimos anos ele tem assumido a competência - muito incomum para um tribunal - de tomar decisões finais sobre questões de alta relevância política, econômica, moral e religiosa. É um tribunal experimentado, com tensões internas, mas que têm sabido resolvê-las institucionalmente. Se a visibilidade o afeta? Tomemos como exemplo o julgamento do presidente Collor. Por mais que ele tenha sofrido processo de impeachment, tenha sido execrado publicamente e a imprensa tenha dito o que disse dele, o STF o absolveu. E tem feito isso com a maior tranquilidade. Há ministros que não têm a menor preocupação em serem voto vencido ou em tomar decisões que contrariem o senso comum. É evidente que o Supremo sabe que tem de prestar contas à sociedade, que ela o está fiscalizando e que isso impõe um ônus enorme. Mas eu não teria o medo de que, no atual julgamento, o Supremo fosse levado a uma posição que ele não quer ter. Até porque não há desestabilização institucional em jogo: não estamos julgando um presidente em exercício ou uma causa que afete interesses mais diretos das Forças Armadas, por exemplo.
Forças políticas que se digladiam no julgamento pediram o afastamento de ministros. Para uns, José Antônio Dias Toffoli deveria declarar-se impedido por ter sido advogado do PT. Outros alegam que Gilmar Mendes é que deveria se afastar, pelo conflito que teve com o ex-presidente Lula. Quem tem razão?
Esse é um problema pelo qual passam todos os juízes do mundo. Não precisa ser da Suprema Corte: você imagina lá em Paraibuna (interior paulista), de onde eu venho, o juiz certamente estudou com um no primário, namorou outra, foi chefe do terceiro, trabalhou como estagiário no escritório do quarto. Isso é interessante que a população entenda: nós, do meio jurídico, temos uma comunidade de advogados, juristas, pessoas que se conhecem e travam contatos profissionais umas com as outras. O que o Código de Processo Civil determina é que existem algumas condições objetivas em que se está impedido de julgar por não se ter a imparcialidade. Aparentemente, o que nós temos nesse julgamento é que as condições impeditivas objetivas não estão presentes. Imagine o seguinte: Toffoli foi advogado-geral da União, assim como o ministro Mendes no governo FHC e Celso de Mello na presidência Sarney. Então eles não vão poder julgar nenhuma causa da União? Não existe isso. Antes de se chegar ao STF ninguém é escoteiro: foi-se procurador-geral, juiz do Tribunal de Justiça, advogado. Senão, só um professor que não advogou poderia vir a ser ministro do Supremo.
Dessa forma parece que cabe exclusivamente ao magistrado declarar-se impedido.
Claro que se houver uma dúvida contundente de que ele não está sendo honesto com isso, o procurador-geral da República está lá para dizer: "Existe aqui uma série de elementos que comprometem a imparcialidade..." Caberia a ele pedir. Da mesma forma, se os advogados dos réus entendessem que Gilmar Mendes não poderia participar, teriam solicitado isso. A priori todos os ministros atuaram em mil casos e nada impede, inclusive, que votem contra aquilo que já sustentaram enquanto advogados ou consultores de clientes.
E a afirmação do ex-presidente Fernando Henrique de que embora o STF julgue pela lei ele deve também ouvir a opinião pública?
Eu não vou interpretar o que o ex-presidente Fernando Henrique acha. O que me parece fundamental é o seguinte: claro que o STF não é um órgão alienado da sociedade brasileira. Como, aliás, nenhum juiz de comarca. Imagine quando acontece o homicídio de uma criança em uma pequena cidade do interior. É evidente que há uma comoção e que o juiz tem sua opinião e intuições sobre aquilo. É da natureza da justiça humana. Da mesma forma que um jornalista carrega para o trabalho as suas concepções e simpatias. Agora, em ambos os casos o exercício da profissão é tentar fazer a distinção entre aquilo que acho, aquilo de que gosto, daquilo que são os fatos apresentados. Nestes últimos anos o Supremo tem demonstrado que dialoga com a sociedade. Todas as vezes em que o STF criou audiências públicas para discutir certos temas ele vocaliza isso: "Quero ouvir a sociedade sobre as cotas, ou os cientistas sobre as células-tronco". Mas no fundo ele tem que justificar sua decisão do ponto de vista jurídico - e é isso o que distingue suas decisões das do Parlamento. A legitimidade do Supremo decorre de sua capacidade de justificar juridicamente as decisões.
No ensaio Supremocracia, o sr. afirma que o processo de expansão da autoridade dos tribunais no mundo adquiriu, no Brasil, contornos mais acentuados. Por quê?
A meu ver, no Brasil ocorreu uma situação razoavelmente distinta da de outros países. A Constituição de 88 é extremamente ambiciosa. Ela quer dizer como o Estado, a sociedade, a economia vão funcionar. Há constituições no mundo muito mais discretas, que se propõem a regular apenas a relação entre os poderes. A nossa fala de sistemas tributário e previdenciário, direito penal e financeiro... Ela não só quer regular tudo como quer mudar muitas coisas: afirma que a função do Estado é reduzir a desigualdade, por exemplo. É uma Constituição que busca dirigir a sociedade brasileira em todos os seus aspectos. É um diferencial mesmo em relação a outras Constituições do mundo com essa mesma oratória. Por exemplo, a indiana, extremamente ambiciosa também, trata desses aspectos apenas como princípios que regem o Estado. Mesmo a alemã, que as pessoas dizem ser uma Constituição social, tampouco especifica as medidas para se atingir determinado fim. A brasileira, não. Ela diz: "25% da arrecadação tributária de Estados e Municípios devem ser aplicados na educação". É uma Constituição que dá ordens a todos os setores da sociedade e atribui ao STF a função de guardá-la. O STF é um órgão ubíquo porque tem que guardar uma Constituição ubíqua.
Foi ela que conferiu tantos poderes ao STF? É a razão pela qual o Supremo sai de um órgão razoavelmente discreto na organização da República para a proeminência que vemos hoje. Outra questão, também de matriz institucional, é a junção de atribuições de que falei. No pós-guerra, diversos países - como a Alemanha em 1949, a Itália em 1947, Portugal, Espanha, África do Sul e Hungria - optaram por manter sua suprema corte com funções de órgão de revisão e criar uma nova, com funções de órgão constitucional. No Brasil, nós juntamos tudo. Ou seja, além de a Constituição ser muito grande, deu-se a um mesmo órgão muitas atribuições: guardar a Constituição, rever os atos do Judiciário e, como estamos vendo agora, julgar casos em primeira instância relativos a altas autoridades do País. É isso que a meu ver leva a uma "supremocracia". Com outra característica ainda mais peculiar: o poder de controlar a constitucionalidade de emendas à Constituição. Se o Congresso faz uma lei, o Supremo não gosta e os parlamentares em resposta aprovam uma emenda constitucional, o STF pode derrubá-la também, argumentando que a emenda fere "as cláusulas pétreas da Constituição". Esse mecanismo poucos países têm, e os que tem não o exercem. É por isso que, tecnicamente, o STF é mais poderoso do que a Suprema Corte americana.
Essa proeminência dada ao STF aponta para uma fragilidade do sistema representativo brasileiro, segundo o sr. Por quê?
Vários analistas têm dito que temos no Brasil hoje uma democracia em que se delegaram funções do Congresso. Por razões de estrutura institucional, mais especialmente a presença das medidas provisórias, a iniciativa legislativa do presidente da República e a capacidade que ele tem de determinar a agenda do Congresso, teria havido uma delegação de competências para o Executivo. O Legislativo brasileiro foi muito amesquinhado. E o Executivo, dado a pluralidade de partidos, tem sempre que formar uma base de sustentação ampla - fato que estaria inclusive, como se discute, na raiz do mensalão. Há uma pesquisa muito importante do (cientista político) Fernando Limongi que comprova essa realidade: o grau de sucesso nas proposições de um presidente no Brasil é muito alto. Enquanto um presidente americano tem às vezes enorme dificuldade em aprovar certos projetos no Congresso, aqui temos quase o índice de sucesso de um regime parlamentarista. O que eu digo no trabalho é que, diante dessa mutação do papel do Legislativo, as decisões de natureza política mais importantes tomadas pelo presidente com apoio de sua base no Congresso prescindem do debate público, da mobilização da população.
De que maneira?
A decisão simplesmente sai. E aí o STF vira o locus onde os derrotados vão questioná-la. Não é que o Supremo faça o debate público, mas ele é organizado a partir de uma decisão judicial. Note que nos engajamos na discussão sobre o aborto dos fetos anencéfalos ou sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo a partir do momento em que tais temas chegaram ao STF. Lá se manifestaram grupos e movimentos sociais, talvez porque já não se sintam representados no Congresso ou não encontrem ali a polarização adequada ao debate. Nesse sentido, o STF faz uma substituição quase que simbólica do Legislativo, como articulador do debate público. Embora as decisões concretas sejam tomadas no Congresso com hegemonia forte do Executivo, é o STF que faz o double check, revendo-as e colocando-as em discussão.
Embora tenha aspectos positivos, o sr. diz que a 'supremocracia' gera tensões no modelo institucional brasileiro. Como contorná-las?
Existem dois problemas que deveríamos atacar, um deles ao qual vamos assistir de maneira muito forte nos próximos dias. Tribunais de última instância com função constitucional são órgãos colegiados: discutem, maturam uma decisão e a maioria formada representa a vontade da corte. Em outros países, a decisão da corte é normalmente lavrada por um dos juízes que convenceu os outros de que sua opinião era mais correta ou que foi capaz de juntar todas as opiniões e construir um voto de consenso. O voto da corte. Se alguém discorda, escreve seu voto em apartado. Isso não acontece no Brasil. É evidente que os juízes do STF discutem, batem boca, etc., mas cada um faz seu voto. E um órgão com tanto poder assim deveria exercê-lo de forma mais colegiada, como: "Esta não é a opinião do ministro Marco Aurélio ou do ministro Toffoli, é a da corte. Estamos em consenso quanto a isso". É um aspecto ainda mais preocupante quando se leva em conta que há uma quantidade enorme de decisões - cerca de 95% delas - tomadas por um único ministro. A concessão da liminar, o agravo, etc., são julgados individualmente, o que põe em risco a integridade das decisões da corte, que é o que minimiza a possibilidade de erro. Mas a mudança mais relevante seria o Supremo ter uma boa doutrina sobre o que chamamos de "deferência". São aquelas questões em que ele não deve se imiscuir por serem estritamente políticas. Não se trata de omissão, mas de uma deferência à democracia, o reconhecimento de que certos temas só podem ser decididos por representantes eleitos pelo povo. O STF, que avançou em face de uma certa omissão simbólica do Legislativo, não pode substituir as opiniões dos poderes democráticos pela sua própria. É o que resta ao Supremo esclarecer, definindo uma doutrina a respeito de qual é o seu papel.

OSCAR VILHENA VIEIRA - JURISTA, PROFESSOR E COORDENADOR DO MESTRADO DA DIREITO GV, AUTOR DE SUPREMOCRACIA

sábado, 4 de agosto de 2012

A rapina da tecnologia na educação


ELIO GASPARI, na FSP 29 abril de 2012

O que parece progresso é só sofisticação de fornecedores de equipamentos inúteis para as escolas públicas
Com vocês, Delúbio Soares 2.0. A Polícia Federal achou-o no restaurante 14 Bis, no Rio, discutindo o fornecimento de lousas digitais para escolas públicas capixabas e goianas. Segundo o empresário interessado, o companheiros disse-lhe que "um pedido do meu deputado é praticamente uma ordem". Referia-se ao deputado estadual Misael Oliveira (PDT-GO).
Desde que o homo sapiens grafitou a caverna de Altamira, há 15 mil anos, repete-se o costume de usar uma pedra (giz) para desenhar ou, mais tarde, escrever, numa superfície rígida. Desde o século 11 isso é feito em escolas. Os quadros-negros custam pouco, não enguiçam, não consomem energia nem precisam de manutenção.
As lousas digitais, cinematográficas, interativas e coloridas, tornaram-se parte de uma praga estimulada por fornecedores de equipamentos eletrônicos para a rede pública de ensino. Cada uma custa pelo menos o salário-base de um professor (R$ 1.451). Um dos municípios que contrataram lousas da empresa que tratou com Delúbio foi o de Presidente Kennedy (ES). Gastou R$ 2,7 milhões em três escolas, e o endereço da fornecedora era um terreno baldio. O prefeito e seis secretários, inclusive a de Educação, foram presos. Com os royalties da Petrobras, Presidente Kennedy tem uma das maiores rendas per capita do Estado e um dos piores índices de desenvolvimento humano.
O pequeno município não está sozinho nessa febre. O MEC quer comprar 600 mil tablets para que professores preparem suas aulas (como, não diz). Isso e mais 10 mil lousas digitais. O governo de São Paulo estuda um investimento de R$ 5,5 bilhões para colocar lousas e tabuletas em todas as escolas públicas. Gustavo Ioschpe foi atrás da ideia e descobriu que a Secretaria de Educação não tinha um projeto pedagógico que amparasse a iniciativa. Toda a documentação disponível resumia-se a uma carta do presidente da Dell (fornecedor do equipamento), com um resumo de um estudo da Unesco. Pediu o texto, mas não o obteve.
Lousas digitais, tabuletas e laptops são instrumentos do progresso quando fazem parte de uma ação integrada, na qual tudo começa pela capacitação do professor. Hoje, no Brasil, contam-se nos dedos as experiências bem sucedidas na rede pública. Prevalecem desperdícios que poderiam ser evitados pela aplicação da Lei de Simonsen: "Pague-se a comissão, desde que o intermediário esqueça o assunto".
Quem acredita que Delúbio Soares estava interessado no aprendizado da garotada de Presidente Kennedy vá em frente.
NA MOSCA
Há dois meses um ministro do STF arriscou um palpite: o Supremo poderá declarar constitucionais as cotas nas universidades públicas por unanimidade. Parecia otimismo.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e está fascinado com a CPI do Cachoeira. Ele acredita que se trata de uma encarnação do Curupira do romance Macunaíma, que caminhava com os pés ao contrário. Em geral, essas comissões desembocam num relatório que desencadeia investigações policiais. Desta vez, ela começa com uma investigação concluída, para chegar aonde, não se sabe. Inspirado no Curupira, o idiota acha que não se deve procurar quem a CPI quer ouvir ou o que quer descobrir. É o contrário, deve-se atentar para quem ela não quer ouvir e o que não quer investigar. Cada silêncio significará uma conclusão.
FIM DA FEBRABAN
Aos poucos a banca se dá conta de que a Federação Brasileira de Bancos é uma mistura de alhos com bugalhos, responsável pela deterioração da imagem pública das instituições financeiras. Ao retirar o presidente da Febraban da negociação da queda dos juros, deixando o caso para ser tratado por cada banco, descobriram que dois e dois são quatro. Há uns dez anos os grandes laboratórios farmacêuticos lançaram-se no combate aos medicamentos genéricos e esconderam-se atrás da Abifarma. Resultado: os genéricos estão aí, e a Abifarma simplesmente foi extinta, substituída pela Interfarma, instituição presidida pelo ex-governador do Rio Grande do Sul Antônio Britto. Ela trabalha com o entendimento que há três agendas: a do país, a do governo e a da indústria farmacêutica. Quem as mistura, produz encrencas.
ICEBERGS
O estaleiro Atlântico Sul, joia da coroa do programa de revitalização do setor naval, fechou o ano com um prejuízo de R$ 1,5 bilhão, um perdão do velho e bom BNDES e um espeto no Banco do Brasil. Seu petroleiro João Cândido foi ao mar, mas não navega, já a Samsung, sócio que entrou com a tecnologia, foi-se embora.
Assim como ocorreu no governo JK e na ditadura, o programa naval está num mar cheio de icebergs. O capitão Edward Smith, comandante do barco que naufragou há cem anos, tinha uma barba parecida com a do doutor Luciano Coutinho. Afundou com o barco. Teria feito melhor se, ao saber dos riscos, tivesse se preparado para uma emergência.
CHINA ETERNA
O campeão da luta contra a corrupção na China, o companheiro Bo Xilai, gostava do alheio, e sua mulher, Madame Gu, exportava dinheiro com a ajuda de um inglês que acabou assassinado. (Ela teria estado na cena do seu envenenamento.) Sua família amealhou US$ 160 milhões. Nada de novo no Império do Meio. A China já teve uma imperatriz acusada de ter envenenado o sobrinho, que construiu um iate de mármore. Depois dela, madame Chiang Kai-shek, mulher do inimigo (anticomunista) de Mao Zedong, terminou seus dias em 2003, aos 105 anos, num dos edifícios mais chiques de Nova York. Tinha um apartamento de dois andares e 18 quartos, com 24 empregados em três turnos.
Ela pendurava patos depenados na janelas, e deu barata no edifício. Um dos operários que trabalharam na dedetização viu: "Um closet guardava só barras de ouro. Coisa de Fort Knox, não eram barras de chocolate Hershey's".
A MÃO DE DEUS NA SUPREMA CORTE DOS EUA
Em seus votos a favor das cotas em universidades públicas, o ministro Joaquim Barbosa lembrou que se deve ao presidente da Corte Suprema dos Estados Unidos, Earl Warren, a articulação da unanimidade que derrubou a segregação racial nas escolas americanas. Em 1953, o processo (Brown x Board of Education) estava com o juiz Fred Vinson, que presidia a Corte. Temia-se que ele construísse uma maioria favorecendo a persistência da segregação. O juiz Felix Frankfurter, um magistrado briguento e sarcástico, estava em casa quando um colaborador aproximou-se e anunciou: Fred Vinson foi fulminado por um ataque cardíaco.
Frankfurter, que detestava o colega, respondeu: "Esta é a primeira prova concreta que tive, em toda minha vida, da existência de Deus".
O presidente Eisenhower nomeou Warren, ex-governador da Califórnia, e poucos meses depois a segregação racial nas escolas foi declarada inconstitucional. A Suprema Corte sabia que sua decisão mudaria a história do país e fechou a conta por unanimidade.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Trens para a vizinhança


O Estado de S.Paulo
A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) foi autorizada pelo governador Geraldo Alckmin a contratar projeto funcional e estudo de viabilidade visando à implantação do prolongamento da Linha 8-Diamante (Júlio Prestes-Itapevi) até Alphaville e Tamboré, em Barueri, na zona oeste da Grande São Paulo. O projeto funcional indicará qual o melhor sistema para atender a população da região, se Veículo Leve sobre Trilho (VLT) ou monotrilho. Também será avaliado o melhor traçado para o novo ramal, a localização das estações, dos pátios e das oficinas, além da viabilidade econômica do projeto. O investimento será definido ainda este ano, quando os estudos forem concluídos.
Finalmente, o governo começa a dirigir sua atenção para uma grande parcela da população que, nos últimos anos, passou a morar em pontos distantes da capital, na região metropolitana. Parte dessas pessoas deixou a cidade de São Paulo por causa do alto custo de vida, provocado principalmente pelo preço dos aluguéis; outras, foram atraídas pelos empreendimentos imobiliários que ofereciam conforto, contato com a natureza e segurança. Houve ainda uma forte migração de empresas que encontraram em Barueri vantagens tributárias para se instalar. Quem se mudou para a região, no entanto, manteve o vínculo com a capital, seja por causa do trabalho, dos estudos ou do lazer. Milhares de trabalhadores de São Paulo, por sua vez, viajam até Alphaville ou Tamboré, diariamente, em ônibus, que podem ser fretados pelas companhias onde trabalham.
A Rodovia Castelo Branco, principal ligação entre Barueri e a capital, há muito está com a capacidade esgotada e mais parece uma extensão das Marginais do Pinheiro e do Tietê, tal o intenso e contínuo movimento que apresenta. O reflexo dessa sobrecarga compromete também o Trecho Oeste do Rodoanel Mario Covas e a já superlotada Rodovia Raposo Tavares, vias utilizadas pela população de Barueri para driblar o congestionamento da Castelo Branco. Normalmente, as rotas de fuga também apresentam grandes congestionamentos.
Esses deslocamentos diários provocam na região metropolitana grande impacto ambiental e econômico. O aumento da violência do trânsito, e do custo do transporte de carga, e a necessidade de ampliação dos serviços públicos são algumas das consequências. A solução apontada pela maioria dos especialistas em mobilidade é o transporte sobre trilhos.
A decisão do governador Geraldo Alckmin é, portanto, sensata. E tão importante quanto a expansão dos trilhos rumo a essas cidades-dormitório ou novos núcleos empresariais são os investimentos em estações-garagens do metrô, anunciados em fins do ano passado. O plano visa a reduzir o ingresso de veículos vindos de municípios vizinhos na caótica malha viária da capital. Seguindo o Plano de Expansão da Companhia do Metropolitano de São Paulo, as cinco principais rodovias que desembocam na cidade - Bandeirantes, Régis Bittencourt, Raposo Tavares, Dutra e Anhanguera - ganharão novos ramais e bolsões de estacionamento entre 2020 e 2030.
A execução do plano deve ser prioritária nas agendas dos governos federal, estadual e também das prefeituras das cidades médias vizinhas da capital. São Paulo recebe, diariamente, mais de 1 milhão de pessoas vindas de municípios vizinhos para trabalhar ou estudar. É essencial dar a essa multidão, que equivale à população de municípios como Guarulhos e Campinas, condições de chegar e sair da capital de maneira mais organizada, segura e confortável.
Quanto mais trilhos houver na região metropolitana, e quanto mais rapidamente forem implantados, melhor será para todos os municípios. Segundo o secretário dos Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, a Linha 8 da CPTM passa ao lado de Alphaville e de Tamboré, em Barueri, "há muitos e muitos anos", mas nunca houve pressão por parte da população pela ligação ferroviária. "De cinco anos para cá, a região começou a discutir o assunto. Nós, agora, decidimos assumir de vez essa questão." Finalmente.