terça-feira, 13 de março de 2012

Recuperação de represas terá R$ 2,8 bi


RODRIGO BURGARELLI Estadão
O maior contrato da gestão Gilberto Kassab (PSD) não é o da nova varrição nem o do túnel da Avenida Jornalista Roberto Marinho, na zona sul da capital. Por R$ 2,8 bilhões, 13 lotes de obras de urbanização de favelas e recuperação de mananciais e das orlas das represas Billings e do Guarapiranga deverão ser contratados até o início do segundo semestre deste ano. O objetivo é que, até 2016, a região tenha praticamente resolvido seus principais problemas habitacionais e de poluição.
Os valores atraíram as principais empreiteiras do País. Camargo Corrêa, Carioca e Galvão foram pré-qualificadas na concorrência e devem apresentar suas propostas na sessão marcada para o dia 30 deste mês. Mais de 46 mil famílias devem ser beneficiadas. Entre elas, 13 mil devem ser removidas de suas casas e receber auxílio-aluguel até serem realocadas em conjuntos habitacionais na mesma região, após as obras.
As obras dizem respeito à terceira e última fase do Programa Mananciais. Essa etapa tem verbas da Prefeitura, governo estadual e governo federal por meio do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC). O programa começou em 1996, para reduzir a contaminação por esgoto dos mananciais da zona sul da capital – que abastecem 4,7 milhões de moradores da Grande São Paulo – e está na sua segunda etapa. A ideia é levar infraestrutura e coletar esgoto de 1,2 milhão de pessoas.
Segundo o coordenador do programa, Ricardo Sampaio, só serão removidas as famílias que vivem dentro de uma faixa de cerca de 50 metros dos mananciais. “São domicílios onde é impossível fazer a coleta de esgoto, além de estarem em área de APP (Área de Proteção Permanente)”, explica Sampaio. Esse espaço deverá dar lugar a parques lineares ao redor das duas represas. “A ideia é alavancar o turismo ecológico na região, que tem enorme potencial, mas precisa dessa recuperação ambiental.”
Esse processo acontece atualmente no bairro Cantinho do Céu, à beira da Represa Billings, no extremo sul da cidade. Um parque linear de 7,5 km vai ser construído na orla, onde antes moravam 1,7 mil famílias. Cerca de 2,5 km de parque já estão prontos .
No local já inaugurado, troncos coletores de esgoto e uma estação elevatória que leva os dejetos para tratamento na rede da Sabesp garantem que a água da represa seja transparente e sem cheiro. Crianças nadam no píer de madeira recém-inaugurado, algo impossível antes das obras, segundo as próprias crianças. Alguns quilômetros adiante, onde os trabalhos ainda não terminaram e o esgoto não foi coletado, o cheiro da represa é fétido e a água, turva.
Indicadores de poluição da água coletados pela Secretaria Estadual de Recursos Hídricos registraram o avanço. Em 2011, a carga de fósforo gerada pela poluição na Represa do Guarapiranga era de 860 quilos por dia, cerca de 35% mais do que os 640 atuais.
Concebido na gestão petista de Luiza Erundina e colocado em prática na gestão Paulo Maluf (PP), o Programa Mananciais já atendeu 110 mil famílias com custo de R$ 1,5 bilhão. Em curso, as obras da segunda fase devem se prolongar até 2014. A terceira tem término previsto para 2016.

O Brasil acorda para a guerra cambial



Coluna Econômica - 13/03/2012 Luis Nassif
Sexta feira passada, 9 de março, será considerada futuramente o dia em que o Brasil acordou oficialmente para a guerra cambial – que há anos corrói o tecido industrial brasileiro.
Na Fazenda, tomaram-se medidas mais fortes contra a entrada de dólares especulativos. Durante a semana, o Banco Central já havia acelerado a queda da Selic – cortando em 0,75 ponto. E, mais importante, Dilma deixou de lado os intermediários e assumiu oficialmente o discurso público para enfrentar o tsunami que se avizinha.
***
Nas últimas semana, aqui da coluna vinha cobrando algumas mudanças de postura no governo.
Primeiro, o de aceitar o estado de guerra na luta contra o câmbio apreciado e a desindustrialização. Depois, a montagem de uma sala de situação, um estado maior para monitorar todos os problemas da economia, decorrentes do tsunami, tomando as medidas necessárias de forma rápida.
Finalmente – e mais importante – sair da falta de comunicação atual e convocar o país para a grande batalha.
Chegou-se finalmente a esse sentido de urgência.
***
Ponto central dessa batalha será a reversão da apreciação cambial. Cálculos do Ministério da Fazenda mostram que, para manter a mesma paridade do início do plano Real, o dólar deveria estar valendo R$ 2,50.
É um desequilíbrio absurdo. Um produto que custasse R$ 1.000,00, por exemplo, com o dólar a R$ 2,50 sairia a US$ 400,00. Com o dólar a R$ 1,70, sairá por US$ 588 – uma alta de 47% em dólares.
Não há programa de produtividade, inovação, melhoria no crédito que resolva um diferencial tão expressivo.
E está se falando na relação com o dólar. Se a comparação for com o yuan (moeda chinesa), o diferencial fica maior ainda.
Não é por outro motivo que a invasão de produtos chineses está tomando todos os elos da cadeia produtiva industrial, de produtos finais até componentes de componentes.
***
Ontem, o próprio Jim O’Neill, da Goldman Sachs – o homem que cunhou a expressão BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China) alertava para o problema de valorização excessiva do real. O risco de uma bolha de ativos no país é real e já está ocorrendo.
***
O governo acorda um pouco atrasado, mas a tempo de reverter a situação.
São bons desafios pela frente.
Há alguns paliativos a serem acionados, medidas de defesa comercial, aumento de imposto de importação sobre alguns produtos chave. Mas será apenas aperitivo enquanto não se reverter o câmbio.
A reversão poderá trazer algum impacto inflacionário. Nada que não possa ser debelado com as chamadas medidas prudenciais (restrição de crédito como substituição ao aumento da Selic).
O risco maior será a necessidade de controlar a inflação impondo achatamento nos preços dos combustíveis. Com a dependência de petróleo e o alinhamento dos preços internacionais, deveria haver uma correção nos preços dos combustíveis proporcional à desvalorização cambial. Certamente não haverá, prejudicando a capacidade financeira da Petrobras para enfrentar os desafios do pré-sal.
***
Justamente por não existirem saídas fáceis, mais do que nunca será fundamental a boa comunicação e, principalmente, a percepção de que o país precisará estar unido para enfrentar o tsunami.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Contardo Calligaris - Morte na avenida Paulista




Perto de onde Juliana morreu, uns idiotas tiram um fino de um ciclista, gritando: "Sentiu o vento?"


Na manhã da sexta passada, Juliana Dias, 33, circulava de bicicleta pela avenida Paulista, entre a faixa preferencial do ônibus (à direita) e a faixa de carros -ou seja, no lugar certo, se é que existe um lugar certo para ciclistas em São Paulo.

As testemunhas contam que, perto da rua Pamplona, ela foi fechada, primeiro por um carro (quem sabe o motorista tenha achado engraçado), logo, por um ônibus. Ela gesticulou e protestou. Nessa altura, segundo uma das testemunhas, de novo, intencionalmente, o ônibus foi para cima de Juliana, que caiu e foi esmagada por um segundo ônibus, que, de fato, não teve culpa.

O motorista do primeiro ônibus foi preso por homicídio culposo (não intencional) e, hoje, ele já está em casa (por sorte nossa, no momento, ele não dirige). Se for verdade que ele fechou Juliana de propósito, ele deveria ser acusado de homicídio doloso -com a intenção de matar.

Segunda, não longe de onde Juliana morreu, na alameda Santos, um idiota do volante passou bem perto de uma bicicleta, acelerando forte, enquanto seu passageiro gritava para o ciclista apavorado: "Sentiu o vento?". Talvez o motorista e seu passageiro temessem ser tão insignificantes quanto um sopro de vento e se consolassem ao ver que, por um sopro, alguém podia se sentir ameaçado.

Da mesma forma, há homens impotentes que se esfregam contra mulheres no metrô lotado: esperam confirmar sua virilidade duvidosa graças à reação indignada que eles suscitam.

Em 1949, W.A. Tillmann e G.E. Hobbs publicaram um dos primeiros estudos de psicologia do trânsito, "The Accident-Prone Automobile Driver - A Study of the Psychiatric and Social Background" (o motorista propenso a ter acidentes - estudo do pano de fundo psiquiátrico e social, "American Journal of Psychiatry", 1949; 106, acesso via http://migre.me/8ae8f). Na hora de autorizar alguém a dirigir, antes de testar seu tempo de reação ou sua visão etc., sugeriam os autores, deveríamos saber quem ele é.

Concordo, em tese: carros, caminhões ou ônibus são armas e, para outorgar um porte de armas, não verificamos apenas que o beneficiário tenha pontaria -queremos saber quem ele é.

O problema é que, na prática, selecionar motoristas por via médico-psicológica significaria quase sempre promover os preconceitos do dia. Por exemplo, Tillmann e Hobbs propunham um perfil do motorista perigoso, que, além de ser instável, insubordinado, imediatista etc., viria "de um lar marcado pelo divórcio dos pais". Tudo bem, hoje, negar a carteira aos filhos de divorciados seria a solução definitiva ao problema do trânsito.

Perfil a parte, Tillmann e Hobbs notaram, justamente entre os motoristas de uma companhia de ônibus, que uma mesma minoria era responsável pela maioria dos acidentes, ano após ano.

Talvez esses motoristas minoritários correspondessem ao perfil que Tillmann e Hobbs tentavam definir. Ou talvez a explicação psicológica da perigosidade no trânsito seja outra (por exemplo, em 1969, Stephen Black, http://migre.me/8ae0k, escrevia que, aparentemente, todos os motoristas são "do bem", mas seu inconsciente é sempre psicopata; numa linha parecida, outros diriam que dirigir é o jeito mais fácil e brutal de compensar qualquer insegurança social e privada).

Seja qual for a explicação, Tillmann e Hobbs mostraram que, fichando cada motorista de uma companhia de ônibus e adicionando constantemente, nessas fichas, o número de acidentes (mesmo menores), as denúncias telefônicas do "como estou dirigindo?" e as infrações relativas à direção arriscada, seria possível chegar a um índice de perigosidade que afastasse do volante aquelas pessoas que nunca deveriam ter se sentado atrás dele.

O afastamento, segundo eles, deveria ser definitivo ou quase: para que um motorista propenso ao acidente se torne um motorista seguro, ele precisaria mudar caraterísticas profundas de seu caráter (possibilidade remota).

Tillmann e Hobbs quiseram mostrar, em suma, que os acidentes não são apenas fruto do acaso e efeito de imperícia ou de bobeiras ocasionais; muitas vezes, os acidentes "refletem a personalidade básica do indivíduo que dirige". E essa ideia ainda não foi levada a sério.

Agora, se Juliana foi mesmo fechada propositalmente por um ônibus, ela não foi vítima do acaso nem da imperícia nem da bobeira ocasional de ninguém.