As consequências do rompimento da barragem de minérios da Samarco, em Mariana, MG, trazem à tona a urgência da revisão de processos relacionados à atividade mineradora, em busca de soluções alternativas que garantam mais segurança e maior preservação do meio ambiente. Na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), o Grupo de Pesquisa em Resíduos Sólidos RECICLOS, sob a coordenação do professor do curso de Engenharia Civil Ricardo Fiorotti, propõe novos usos dos rejeitos, em substituição à construção das barragens: a reutilização na construção civil.
“O processo é muito simples: a ideia principal é separar os materiais com diferentes densidades em um fluido (no caso, ar) aquecido. Por diferença de pressão e temperatura, os materiais mais leves são carregados para as camadas superiores dos dispositivos de separação e os mais pesados precipitam-se nas camadas inferiores.
Os materiais mais pesados são aqueles ricos em óxido de ferro e que podem ser reutilizados pela mineração como matéria-prima. Os mais leves, como areia e argila, podem servir à construção civil”, explica Fiorotti.
As técnicas desenvolvidas pelo grupo estão em processo de registro de propriedade intelectual e são fruto de pesquisas realizadas ao longo dos últimos quatro anos. O uso destas novas tecnologias pelas mineradoras reduziria significativamente os volumes das barragens utilizadas atualmente. Na visão dos pesquisadores, a associação de processos industriais mais eficientes e a reciclagem destes rejeitos poderiam convergir para um panorama rejeito-zero.
Dentre outros resultados obtidos a partir da caracterização de barragens de rejeito localizadas a uma distância média de 100km da capital Belo Horizonte, está a produção de matéria-prima para a construção civil:
“Já produzimos concretos, argamassas, blocos para alvenaria e blocos para pavimentação com estes rejeitos e os resultados são animadores. Estudamos também sua aplicação como infra-estrutura urbana e em rodovias”, exemplifica. “É possível substituir até 80% dos agregados utilizados nessas matrizes por rejeitos de barragem de mineração, sem que isso cause prejuízos ao desempenho dos produtos”.
“Nosso maior interesse é a transferência dessa tecnologia. Estamos a serviço da sociedade para contribuir com o desenvolvimento tecnológico de nosso parque industrial. Outras patentes desenvolvidas e sob a custódia da UFOP também estão disponíveis não só para mineração, mas também para a siderurgia ou qualquer outro grande gerador de resíduos sólidos industriais”, completa o pesquisador, para quem o maior desafio é o convencimento do potencial dessa alternativa no mercado.
Segundo Fiorotti, a resistência a novas tecnologias na mineração ainda é muito grande: “Não temos, ainda, uma cultura efetiva de aproximação entre a universidade e a indústria”. Ele também pondera que existe uma crença de que as barragens de rejeito, mesmo consideradas como estruturas provisórias, seriam estruturas seguras, sendo este um dos principais fatores que limitariam os incentivos às novas tecnologias no setor. Para o professor, esse cenário precisa mudar:
“Pensando no desastre ocorrido recentemente, com a falência da barragem de rejeitos da Samarco, bem como o equilíbrio instável de tantas outras estruturas, cheguei à conclusão de que uma planta piloto custaria menos que um dia de faturamento de uma unidade mineradora, por exemplo. E não ouso me referir ao valor das residências, vidas e memórias destruídas com o acidente”, analisa Ricardo Fiorotti.
Recentemente, o grupo passou a investir na construção de habitações de interesse social em um campo experimental da UFOP. As casas serão construídas com rejeitos industriais, em substituição à areia e à brita, convencionalmente utilizados na construção civil. “Nossa intenção é substituir os agregados naturais por agregados tecnológicos obtidos pelo pós-processamento de rejeitos industriais. A lama de rejeito de barragens de minério de ferro é uma potencial alternativa, ja caracterizada e apta para o processo”.
O professor ainda destaca seu interesse em colaborar com as vítimas do rompimento da barragem em Mariana, cidade em que a UFOP possui um campus: “Não há como reparar o dano que presenciamos, mas podemos contribuir para que as vítimas desse desastre possam ter uma vida digna daqui pra frente”.
Para contribuir com a redução dos efeitos desse acidente, o professor indica que é possível aplicar as tecnologias desenvolvidas na reconstrução dos espaços destruídos, utilizando os rejeitos depositados como materiais de construção civil e para infra-estrutura urbana e rodoviária. “Acredito que essa contribuição poderia significar o marco de um novo tempo. Tempo em que as temerárias estruturas de contenção de lamas foram substituídas por tecnologias mais seguras e limpas”, conclui o pesquisador.

ATUALIZAÇÃO:

Questionado sobre o potencial de toxicidade dos rejeitos de minério, o professor Ricardo Fiorotti afirmou, em entrevista à Globo News, que o grupo encontrou apenas minério de ferro, sílica e areia nas barragens em que a pesquisa foi desenvolvida. O pesquisador também pontuou que “o cimento é um dos elementos mais tóxicos que existe e a gente utiliza sem qualquer tipo de restrição”.