Na lista dos 57 empreendimentos a serem vendidos pelo governo, empresa acende discussão se é necessário para um País produzir seu dinheiro
Vinicius Neder, O Estado de S.Paulo
11 Setembro 2017 | 05h00
RIO - Entrega ao setor privado de setor estratégico no tabuleiro geopolítico mundial ou saída do governo de atividade industrial pouco eficiente? A inclusão da Casa da Moeda do Brasil (CMB) na lista de 57 empreendimentos a serem privatizados, anunciada no fim de agosto pelo governo federal, chamou a atenção para a estatal de receita bilionária, cujas fábricas instaladas na planta localizada em Santa Cruz, zona oeste do Rio, têm capacidade para produzir 2,6 bilhões de cédulas e 4 bilhões de moedas por ano, além de fabricar selos fiscais e os passaportes emitidos pela Polícia Federal (PF).
Assim como Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul, México e Austrália, o Brasil mantém sob controle do Estado todo o processo de produção do dinheiro, a cargo da Casa da Moeda. Com a queda da demanda de seus principais clientes – o Banco Central (BC) e a Receita Federal, que vêm cortando gastos por causa da crise fiscal –, a estatal poderá registrar prejuízo este ano, admite o diretor de Inovação e Mercado, César Barbiero. “A Receita Federal cancelou um contrato, para o rastreamento de bebidas”, afirma.
Barbiero se refere à suspensão do Sicobe, o sistema de fiscalização da produção de bebidas frias da Receita Federal, cujo contrato para desenvolvimento e impressão de selos fiscais rastreáveis com a Casa da Moeda foi alvo de operação da Polícia Federal. No fim do ano passado, a Receita decidiu desenvolver um novo sistema, mais simples. “O novo contrato, que ainda vai gerar receita, não podia passar de 30% do valor do anterior”, completa Barbiero, projetando a volta do lucro da Casa da Moeda em 2018.
Desde 2010, a estatal vem registrando receita bruta anual acima de R$ 2 bilhões. Nos últimos anos, repassou R$ 1,3 bilhão em lucros e dividendos para a União, diz Barbiero. Em 2016, a estatal lucrou R$ 60,2 milhões, 80,7% abaixo de 2015, por causa da revisão do contrato com a Receita e da redução da demanda por cédulas e moedas, em um terço, por parte do BC.
No ano passado, o BC preferiu importar 100 milhões de notas de R$ 2. À época, a autoridade monetária alegou preocupação com a capacidade de a Casa da Moeda de imprimir dinheiro, após problemas operacionais terem sido reportados. Questionada sobre os motivos por que vale a pena importar, a assessoria de imprensa do BC respondeu ao Estado que gastou 20% menos com a remessa, importada da sueca Crane AB.
Importar não é uma novidade. Até o fim dos anos 70, grande parte do papel-moeda em circulação no País vinha do exterior. Alguns dos principais fabricantes mundiais, como a American Bank Note Company (que hoje não trabalha mais com cédulas e moedas) e a britânica De La Rue (uma das maiores do mundo até hoje, fornecendo para 142 países), já foram fornecedores. Na operação de guerra que foi trocar todo o dinheiro nacional com a estreia do real, em 1994, foi necessário importar novamente.
Origem. Segundo Bruno Pellizzari, assessor da presidência da Sociedade Numismática Brasileira (SNB), entidade dedicada a estudos sobre moedas, cédulas e medalhas, as primeiras notas foram introduzidas no Brasil no Império, em 1833. A partir da década de 20, o País começou a produzir cédulas, mas sempre teve de importar. Até que, num projeto dos últimos governos militares, em 1984, inaugurou seu parque fabril, numa zona industrial do Rio.
Nova Zelândia, Equador e El Salvador importam rotineiramente seu meio circulante. Já Reino Unido, Suíça, Canadá, Bolívia, Chile, Costa Rica, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Paraguai, Peru e Uruguai encomendam a produção a empresas privadas, segundo um estudo feito ano passado pelo consultor legislativo da Câmara dos Deputados Fabiano Jantalia.
Para o consultor, a maior preocupação é com segurança e falsificação, e isso não muda se o fabricante é privado. “Não se tem notícia de falsificações de notas de libra só porque uma empresa privada fabrica. A questão toda deveria ser colocada do ponto de vista da reflexão do custo-benefício de se manter um organismo do Estado para dar conta dessa missão.”
Há também uma questão cultural, de símbolo nacional. Segundo Pellizzari, da SNB, a Casa da Moeda tem fabricado lotes de cédulas de pesos para a Argentina, mas o país vizinho manda o desenho sem a assinatura da estatal brasileira. Questionada, a Casa da Moeda informou apenas que recebeu os projetos técnicos das cédulas argentinas já prontos. “Depende de como é a cultura do país e de como aquele país faz o dinheiro. Tem países que, desde o começo, nunca teve casa da moeda. Sempre importaram”, diz Pellizzari.
Para o professor José Luís Oreiro, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, a decisão de privatizar a Casa da Moeda é “totalmente simbólica”. A medida não interfere na política monetária, e é “irrelevante” do ponto de vista econômico, já que a estatal não causa rombos nos gastos públicos. “É simbólico. O que nós brasileiros sabemos produzir se não conseguimos fabricar a própria moeda?”, diz.
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