quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Sobre a carta de Temer e considerações de Roberto Amaral

Presidente nacional do PMDB, o vice-presidente da República, Michel Temer, enviou uma carta à presidente Dilma Rousseff nesta segunda-feira (7) na qual apontou episódios que demonstrariam a "desconfiança" que o governo tem em relação a ele e ao PMDB.
Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo [...]. Isso tudo não gerou confiança em mim. Gera desconfiança e menosprezo do governo"
Trecho da carta de Michel Temer
A mensagem, segundo a assessoria da Vice-Presidência, foi enviada em "caráter pessoal" à chefe do Executivo e, nela, Temer não "não propôs rompimento" com o governo ou entre partidos, mas defendeu a "reunificação do país".

Temer havia passado os últimos dias sem se pronunciar sobre o acolhimento pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de pedido de abertura de processo de impeachment. Nesta segunda-feira, ele participou de evento público em São Paulo, mas não se manifestou sobre o caso. O PMDB, principal partido da base, está dividido em relação ao apoio ao processo de impeachment.
Num dos trechos da carta, Temer escreve que passou o primeiro mandato de Dilma como um "vice decorativo", que perdeu "todo protagonismo político" que teve no passado e que só era chamado "para resolver as votações do PMDB e as crises políticas". Depois, lista fatos envolvendo derrotas que sofreu com atos da presidente.

Na carta, ele cita inclusive o caso de Eliseu Padilha, ex-ministro da Aviação Civil que pediu demissão nesta segunda-feira após dias de especulação. Na coletiva de imprensa na qual explicou os motivos da saída do governo, Padilha mencionou, entre outros fatores, a indicação de um técnico para o comando da Agência Nacional de Aviação Civil, feita por ele e barrada pelo governo. Temer citou o caso.
Leia abaixo a íntegra da carta obtida pela GloboNews:
São Paulo, 07 de Dezembro de 2.015.
Senhora Presidente,
"Verba volant, scripta manent" (As palavras voam, os escritos permanecem)
Por isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso noticiário destes últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio.
Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há muito tempo.
Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.
Lealdade institucional pautada pelo art. 79 da Constituição Federal. Sei quais são as funções do Vice. À minha natural discrição conectei aquela derivada daquele dispositivo constitucional.
Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo.
Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% votaram pela aliança. E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à reeleição à Vice.
Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando o prestígio político que tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no partido. Isso tudo não gerou confiança em mim. Gera desconfiança e menosprezo do governo.
Vamos aos fatos. Exemplifico alguns deles.
1. Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A Senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas.
2. Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários.
3. A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone.
4. No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas "desfeitas", culminando com o que o governo fez a ele, Ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que ele, Ministro da área, indicara para a ANAC. Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz parte de uma suposta "conspiração".
5. Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a coordenação política, no momento em que o governo estava muito desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste fiscal. Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos empresários. Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se aprovou o ajuste, nada mais do que fazíamos tinha sequência no governo. Os acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de 60 reuniões de lideres e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio com a nossa credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela coordenação.
6. De qualquer forma, sou Presidente do PMDB e a senhora resolveu ignorar-me chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um acordo sem nenhuma comunicação ao seu Vice e Presidente do Partido. Os dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E a senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o Deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado.
7. Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento. Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada graças aos 8 (oito) votos do DEM, 6 (seis) do PSB e 3 do PV, recordando que foi aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa visão equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em duas oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o país. O Palácio resolveu difundir e criticar.
8. Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas com o Vice Presidente Joe Biden - com quem construí boa amizade - sem convidar-me o que gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve que numa reunião com o Vice Presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no episódio da "espionagem" americana, quando as conversar começaram a ser retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça, para conversar com o Vice Presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado absoluta falta de confiança;
9. Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores autoridades do país) foi divulgada e de maneira inverídica sem nenhuma conexão com o teor da conversa.
10. Até o programa "Uma Ponte para o Futuro", aplaudido pela sociedade, cujas propostas poderiam ser utilizadas para recuperar a economia e resgatar a confiança foi tido como manobra desleal.
11. PMDB tem ciência de que o governo busca promover a sua divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso. A senhora sabe que, como Presidente do PMDB, devo manter cauteloso silencio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade partidária.
Passados estes momentos críticos, tenho certeza de que o País terá tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais.
Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção.
Respeitosamente,
\ L TEMER
A Sua Excelência a Senhora
Doutora DILMA ROUSSEFF
DO. Presidente da República do Brasil
Palácio do Planalto


Temer se revelou um político menor
A carta do vice é simbólica de um País que sente a falta de estadistas e está repleto de pulhas

A carta do vice-presidente da República – pobre, patética, beirando a infantilidade – dá a justa medida do estado moral lastimável em que se encontra a política brasileira, apequenada, amesquinhada, aviltada e envilecida.
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Desnudando-se, o presidente do PMDB revela-se um político menor, como menores são seus companheiros da ópera bufa em que foi transformado, pela miséria da política, um dos momentos mais dramáticos de nossa História recente, tão vazia de estadistas e miseravelmente tão plena de pulhas.
Pois grave é a crise ignorada pela vendetta e pelo ódio. No encontro da saturnal dos ódios – ódio amador e ódio profissional, ódio gratuito e ódio remunerado e, até, ódio puro ódio, o ódio irascível do perdedor sem consolo, ódio que cega e embrutece – nesse encontro de ódios com a compulsão dos interesses os mais vários, interesses pessoais, interesses de grei, interesses de súcias-partidos, só não são considerados os interesses do País, os interesses coletivos. Ninguém se dá conta dos riscos que corre o processo político quando a ordem constitucional se transforma em espaço para traficância.
Na missiva do vice, ‘um copo até aqui de mágoa’, apenas lamúrias, queixumes e muxoxos; nenhuma reflexão, nem uma só palavra sobre a crise de que seu partido, insaciável consumidor de cargos e verbas públicas, é um dos atores e artífices.
Crise grave – pois a um só tempo crise política, crise econômica, crise institucional, crise de representatividade – da qual, rompendo com toda e qualquer noção de ética, Temer pretendeu aproveitar-se, sem pejo do papel de traidor doméstico, o mais pérfido de todos.
O vice-presidente reclama de cargos e carguinhos para os mais chegados, reclama de afagos negados, de convites não formulados, de acenos evitados. O País? O País passa ao largo.
Michel Temer: ele trama sua subida ao Planalto
Michel Temer: ele trama sua subida ao Planalto
A pequenez de espírito salta nas primeiras linhas, quando o missivista se diz informado por “tudo o que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio”. Ou seja, o rompimento político, a justificativa da maquinação golpista, se alimenta não em uma crise de Estado, num conflito de visões político-ideológicas, mas nas tricas e futricas das salas e antessalas dos palácios da Corte!
Bate-papo de comadres. Este o personagem que se oferece à oposição ensandecida para suceder a presidente Dilma ao fim do golpe de Estado comandado, na Câmara dos Deputados, pelo seu correligionário e assecla e sócio Eduardo Cosentino da Cunha.
Pobre política, pobre país.
Temer se queixa de haver passado “os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo”. Ora, só um traste, um obnóxio, se prestaria a tal papel; só um carreirista voraz ainda desejaria outros quatro anos de igual ostracismo. Pois, findo o primeiro mandato de Dilma Rousseff, o desconsiderado Temer – à míngua de votos que lhe ensejassem um voo solo – ainda lutou para ser o vice da presidente candidata à reeleição.
Agora choraminga porque um ministro de sua intimidade não foi reconduzido do primeiro para o segundo mandatos, e porque outro, de igual domesticidade, não teve confirmada a nomeação de um apaniguado qualquer para um cargo qualquer. Cargos, cargos, verbas, sinecuras! Faz beicinho de ciúmes, pois a presidente conversou diretamente com o líder (já defenestrado) do seu partido, e não com ele – e vaidoso, ressente-se de não haver sido convidado para encontro da presidente com o vice-presidente dos EUA de passagem por Brasília.
São essas as razões do estadista Michel Temer, vice-presidente da República e presidente do PMDB. São essas as suas razões para a carta, pois, consabidamente, ela não se destinava, apenas, a desafogar um coração magoado.
Destinava-se, sim, a formalizar, documentar, justificar o abandono, pelo vice, da “lealdade pautada pelo Art. 79 da Constituição Federal” à titular da Presidência, abandono aliás que logo transitou para a conspiração plena, já tornada pública pela imprensa, que, aliás, também dá conta de suas articulações para a montagem de seu hipotético governo.
Enquanto isso e coerentemente com tudo isso, coerentemente com tanta baixeza, seu correligionário ainda presidente da Câmara dos Deputados, e ainda à solta, prossegue, lépido e fagueiro, na faina despudorada e impune de desmoralizar o Poder Legislativo. Se este se amesquinhava com sua simples presença, mais se degrada com sua presidência que associa a ostensiva, despudorada e cínica ausência de ética com um absolutismo cujo sucesso é outro indicador do nível de miséria a que chegou a maioria da Casa.
A persistente presidência de Cunha ultrapassou, e ultrapassa ainda, todos os limites da plausibilidade, ofendendo o decoro parlamentar, rasgando regimento, rasgando a Constituição, ofendendo normas parlamentares, tudo em função de suas duas prioridades do momento: fugir da sua própria cassação, motivada por reiterados atos de improbidade, e promover, a ferro e fogo, a qualquer preço, a cassação do mandato da presidente Dilma.
Para isso se serve de uma coorte de áulicos na qual desponta figura exemplarmente deprimente como o sr. Paulinho da Força (cujo prontuário inclui ação penal no STF por lavagem de dinheiro e crime contra o sistema financeiro nacional), líder da Comissão de Frente que abre-alas para Aécio Neves e outros menos cotados, como Mendonça Filho, os Bolsonaros e uma penca de caronistas que nem vale citar.
Diz-se que a história forja os personagens de que necessita. Isso é injusto conosco, não merecemos Temer, Cunha e seus quejandos, ainda menos o vazio humano que possibilitou essa safra. A média brasileira é muito melhor. Portanto, ainda podemos confiar, com esperança, no papel da organização social, a sociedade reagindo mediante seus mecanismos de ação, intervindo no processo, ditando e corrigindo as lamentáveis rotas de hoje.
Roberto Amaral
O livro A serpente sem casca ( da ‘crise’ à Frente Popular) pode ser adquirido através do site da editora Contraponto clicando aqui.
Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia
Leia mais em: www.ramaral.org

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