terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Estado é incapaz de assegurar eficiência na distribuição de energia, por Claudio J. D. Sales


"O ano que passou será lembrado como de enormes dificuldades para o setor elétrico e não deixará boas memórias". Usei esta frase em um artigo de dezembro de 2014 e hoje ela permanece ainda mais verdadeira diante da crise política e econômica a que está submetido o país. A economia "encolheu" 3,5%, a inflação anual ultrapassou os 10%, a taxa de desemprego já é maior que 10% e a recessão seguirá em 2016, com redução adicional do PIB estimada em mais de 2%.
 
Esse cenário macroeconômico se reflete no setor elétrico através da forte redução no consumo de energia. Além disso, foram "destaques negativos" de 2015: a) um aumento de mais de 50% nas tarifas –que foram artificialmente represadas nos anos anteriores, colocando as distribuidoras de eletricidade em séria crise de liquidez financeira que ainda não foi extinta; b) os inúmeros "lotes vazios" (15 lotes que não tiveram oferta) nos leilões de linhas de transmissão; c) o atraso no pagamento de indenizações devidas pelo Tesouro; d) a "judicialização" do mercado elétrico (mais de 100 liminares concedidas), crise que paralisou a liquidação mensal dos contratos; e e) os escândalos de corrupção em estatais de energia, com destaque para a Petrobras.
 
Para que as perspectivas de 2016 tornem-se razoavelmente positivas, é indispensável que ocorra uma vigorosa mudança de rumo nas políticas de governo que deram causa a tantos problemas. Isto é possível e, em alguma medida, já está começando.
 
A Lei 13.203, promulgada ao apagar das luzes de 2015, que dispõe sobre a repactuação do risco hidrológico, é um passo nessa direção. Estabelece as bases para que empresas possam eventualmente abrir mão de ações liminares que tenham impetrado.
 
Há, porém, outros grandes temas a evoluir, dentre os quais se destacam: a) o aprimoramento dos leilões de transmissão; b) o equacionamento da questão indígena que impacta a maior parte do potencial hidrelétrico disponível; c) a privatização das distribuidoras subsidiárias da Eletrobrás; e d) a estabilidade regulatória.
 
O ano de 2016 será especialmente desafiador para o setor de transmissão de eletricidade. O fracasso dos leilões dos últimos anos (15 lotes vazios em 2015, 12 em 2014, 10 em 2013) tem como consequência direta um enorme atraso em relação à expansão planejada para o sistema. Apenas para citar um dos fatores que têm levado à falta de interesse nos leilões, não faz sentido que a remuneração de capital (o chamado "WACC regulatório") considerada no preço-teto de uma linha de transmissão a ser construída seja menor que o WACC adotado quando o governo quis vender hidrelétricas existentes, ativos sem risco de construção.
 
Além disso, resta o desafio de modernizar a rede existente para comportar as demandas futuras. A inserção crescente de fontes intermitentes de energia, como a eólica, por exemplo, demandará uma rede de transmissão mais flexível e robusta e as concessionárias não dispõem de recursos na tarifa para investir na modernização necessária. Computados todos os atrasos, o elo da transmissão requererá em 2016 investimentos da ordem de R$ 20 bilhões. Esses aportes não virão sem a correção dos problemas que já são mais do que conhecidos pelo governo.
 
A ineficiência e imprevisibilidade do processo de licenciamento ambiental decorrem de múltiplas causas, como a fraca coordenação entre diferentes órgãos licenciadores e a insegurança jurídica. São problemas antigos que precisam de solução, mas em 2016 a questão indígena permanece como uma das mais impactantes. Um bom exemplo onde essa questão se manifesta é o projeto de Belo Monte, já em adiantado estágio de construção, mas que continua sujeito à imprevisibilidade de disputas que embutem riscos e custos que ameaçam inviabilizar o empreendimento. Enquanto não for pacificada formalmente a questão da consulta prévia e o modelo de compensação financeira aos povos tradicionais, novos projetos –como os planejados para o rio Tapajós– dificilmente sairão do papel no ritmo desejado.
 
Já na distribuição há a expectativa de boas notícias rumo à eficiência: a privatização das distribuidoras subsidiárias da Eletrobrás finalmente deverá acontecer em 2016 e é incompreensível que esse processo não tenha acontecido há mais tempo. A gestão estatal foi incapaz de assegurar um padrão mínimo de eficiência nas últimas décadas, gerando prejuízos multibilionários para os contribuintes brasileiros, numa ordem de grandeza comparável à meta de superavit primário que o país não conseguiu cumprir.
 
Por outro lado, se a privatização se concretizar, os exemplos são encorajadores quando comparamos concessionárias privadas e estatais em áreas de concessão vizinhas e semelhantes. As primeiras são modelos de eficiência e sustentabilidade, além de boas pagadoras de impostos, enquanto as segundas destroem valor ano após ano.
 
O passado recente do setor elétrico trouxe duras lições que, se bem aprendidas, deverão resultar num maior esforço em prol da estabilidade regulatória, pedra fundamental para a sustentabilidade do setor. É nossa expectativa que 2016 traga sinais claros nessa direção.
 
 
Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)

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