domingo, 27 de março de 2016

ANTONIO PRATA Crítica e autocrítica, in FSP


27/03/2016 02h00

Nas últimas semanas venho compartilhando posts, dando likes em textos e subscrevendo abaixo-assinados clamando por respeito às leis e à democracia.
São documentos produzidos por pessoas de esquerda que veem com medo e repulsa a parcialidade do Judiciário, os "white blocs" pedindo "meu país de volta!" em frente à Fiesp, a sombra auriverde de 64 projetada por Jair Bolsonaro erguido nos ombros da multidão.
Compartilho e assino embaixo porque concordo com cada linha que há nesses textos, mas venho ficando cada vez mais aflito com as linhas que lhes faltam -aquelas em que a esquerda admitiria claramente que o governo Dilma é um desastre, que é o principal responsável pela crise e que também afronta as leis e a democracia.
É revoltante ver que Eduardo Cunha, "usufrutuário" não apenas de dinheiro sujo na Suíça como de foro privilegiado e da cumplicidade silenciosa da oposição, esteja livre e conduzindo o processo de impeachment em nome da moral e do cuidado com a coisa pública, enquanto o Lula, por muito menos, foi posto num camburão da PF e teve seus grampos divulgados para toda a imprensa. (Divulgação que, se por um lado visava ligá-lo a atos ilícitos, por outro servia para alimentar o ódio classista: vejam só, ele fala palavrão! Ele fala como um peão! Ele tem "alma de pobre"!).
Ok, mas a parcialidade, a ilegalidade do Judiciário e o ódio classista não podem ser usados pela esquerda para negligenciar os estimados R$ 40 bilhões roubados da Petrobras durante os anos do PT. Nem para negar a recessão a que políticas econômicas canhestras nos levaram. (Ver Leandra Peres no "Valor Econômico": migre.me/tlb3y). Nem justificar a Bolsa Empresário que despejou bilhões de reais pelo ralo do BNDES. (Ver Consuelo Dieguez na "Piauí":migre.me/tlb5I).
Se aqueles que, como eu, se identificam com muitos ideais da esquerda, fizermos vista grossa pros descalabros petistas, não teremos moral para acusar o Ministério Público de fazer vista grossa para os descalabros da oposição.
Outro dia um amigo veio me dizer que a autocrítica da esquerda era fundamental, mas que agora não era o momento. Acho que ele se equivoca não só eticamente como taticamente. Eticamente, é claro, pois não existe nenhum momento em que possamos compactuar com o crime, a burrice e a incompetência.
E taticamente pois o silêncio da esquerda em relação aos crimes, burrices e incompetências durante o tempo em que o PT está no poder passa a ideia de que a esquerda compactua com a corrupção e o malfeito, de que a corrupção é um mal da esquerda, só da esquerda e que eliminar a esquerda, por meios legais ou ilegais, é o Emplasto Brás Cubas que sanará todos os males de nossa melancólica humanidade -é esse o pensamento que põe a classe média diante da Fiesp e o Bolsonaro nos ombros da multidão.
Sim, há um golpe em curso: um Congresso podre, capitaneado por sua figura mais nefasta, Eduardo Cunha, move um processo de impeachment, em nome da legalidade, para entregar o país nas mãos da Cosa Nostra tupiniquim, o PMDB. (E o PSDB, cujos escândalos de corrupção e citações nas delações, curiosamente, escapam como peixes ensaboados das mãos do Judiciário, já discute a participação no futuro governo). Mas diante do panorama de absurdos de todos os lados, o brado "Não vai ter golpe!" parece não dar conta da complexidade da situação.

Xadrez em tempos de impasse na novela do golpe, Luis Nassif

Xadrez em tempos de impasse na novela do golpe

O Jornal de todos Brasis

5.9K2
Atualizado às 10:20 com pequenos acréscimos
Não tem saída fora da negociação política
Elemento 1 - O jogo político empatou.
As últimas manifestações populares, de juristas, intelectuais, a favor de Dilma Rousseff indicam um empate do jogo. Sem acordo, ninguém leva, todos perdem e o país incendeia.
As arbitrariedades da Lava Jato, a sucessão de álibis para derrubar Dilma, consolidaram em parte relevante do país a percepção de que qualquer saída que implique em derrubada de Dilma ou humilhação de Lula será vista como golpe.
A ideia de "acabar com aquela raça" (apud Jorge Bornhausen) significaria alijar 30% da população  do jogo político. É factível? Evidente que não.
Por outro lado, a derrubada do impeachment não será suficiente para garantir governabilidade a Dilma, com baixa credibilidade e submetida às suas próprias limitações e à uma oposição ensandecida que continua querendo ver o país pegar fogo.
Elemento 2 – mesmo que a Câmara vote o impeachment, a presunção da legalidade virou pó.
Houve uma orquestração nítida entre a parte operacional da conspiração – o consórcio mídia-Lava Jato- com a parte institucional – Congresso, TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e TCU (Tribunal de Contas da União).
No início deste ano, o consórcio mídia-Lava Jato planejou uma blitzkrieg estimulando movimentos de massa que desmontassem as defesas do governo, permitindo que o braço institucional da conspiração liquidasse a fatura no Congresso ou no TSE, com algo similar ao Fiat Elba.
A pressa em deixar o campo preparado para o fim do recesso fez a Lava Jato precipitar-se, atropelar procedimentos e expor seu lado político.
Foi uma série de trapalhadas:
1.    O avanço sobre a lavanderia Mossak Fonseca, que obrigou os bravos, intimoratos, corajosos e isentos procuradores e policiais federais baterem em retirada humilhante, quando no fim do túnel encontraram indícios contra a família Marinho.
2.    Os factoides desmoralizantes no sitio de Atibaia, como manchetes sobre pedalinhos, barcos de alumínio.
3.    Finalmente quando decidiram promover o ápice da comoção popular, para acelerar a agenda policial, com a condução coercitiva de Lula e o vazamento dos grampos.
Ali rompeu-se o pacto que segurava a operação.
As arbitrariedades despertaram, finalmente, a consciência jurídica e a reação contra o golpe. Inspiraram não apenas grandes manifestações de rua, mas manifestos de juristas e críticas de Ministros do STF, como Marco Aurélio de Mello e Teori Zavascki.
No âmbito do Ministério Público Federal, figuras referenciais, como o ex-Procurador Geral Cláudio Fontelles, romperam a blindagem corporativa criticando os abusos.
Em seguida foi a vez do novo Ministro da Justiça Eugênio Aragão, criticar os vazamentos. Aragão é subprocurador, e sempre teve posição crítica em relação aos abusos e excesso de protagonismo de procuradores imaturos.
Provavelmente houve uma tentativa do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, de chamar os procuradores da Lava Jato à razão, conversando. Mas, àquela altura, o excesso de visibilidade tinha criado semideuses ou semimonstros de vaidade (ou protagonistas do BBB, segundo Aragão) que só respondiam à turba. Provavelmente foi o que obrigou Janot a uma nota duríssima para trazê-los de volta ao mundo dos mortais.
A nota de Janot e a postura extraordinária de Teori deverão direcionar as operações para o âmbito da legalidade, reduzindo as manipulações políticas e o sensacionalismo midiático.
Depois que Teori Zavaski acabou com a Operação Pilatos do STF, haverá grande probabilidade de impugnar qualquer votação de impeachment que não contemple as hipóteses previstas na Constituição.
Elemento 3 - a crise econômica pode se converter em crise financeira.
Estamos alertando há algum tempo para o buraco negro do próximo semestre. Além do avanço do desemprego, começa o vencimento de financiamentos externos e haverá uma inadimplência circular. No auge da bonança, empresas tomaram empréstimo a prime + 3%. Hoje, na melhor das hipóteses, está em prime + 10%. Há urgência para uma operação
Elemento 4 – dúvidas sobre se Michel Temer montaria no burro xucro do impeachment.
Há uma lógica no desembarque do PMDB do governo. O país está dividido. A parte do país que combate o golpe não é integrada por eleitores do PMDB, especialmente em redutos mais fisiológicos, como no Rio de Janeiro. Seus parlamentares sempre foram votados pela parte não politizada da opinião pública - que hoje forma a banda pró-impeachment.
O jogo será decidido na cúpula.
Qual seria o cenário político pós-impeachment com Temer:
1.    Receberia um país conflagrado.
A radicalização política é diretamente proporcional à indignação, quando parte da opinião pública se convence de que as regras do jogo democrático não foram respeitadas. A perda de legitimidade do impeachment trará os movimentos populares para as ruas e, dependendo do nível de repressão, os empurrará para a ilegalidade. Há um risco concreto de volta ao pós-64
2.    No momento em que Dilma caísse haveria uma carnificina entre os partidários do golpe.
Temer teria que administrar a divisão do botim, os favores aos grupos de mídia, as jogadas de Serra, a agenda imposta por lobbies, os cargos para os fisiológicos, sem ao menos ter a legitimidade da legalidade do golpe, sem possuir uma base sólida de apoio.
3.    A guerra política pós-impeachment certamente seria alimentada com dossiês e vazamentos de operação.
A partir do momento que se permitiu a politização da Polícia Federal e do Ministério Público, abriu-se uma porta para caminhos imprevisíveis. E nenhum dos protagonistas escapa dos respingos da operação. Por outro lado, o primeiro ato dos supostos vitoriosos será reduzir as prerrogativas do MPF, da PF e da Lava Jato.`           
4.    No plano jurídico, Temer se converteria no coveiro da Constituição de 1988.
O grande momento de sua vida foi como um dos juristas da Constituinte. Como político, não fez nada de marcante. Com a perda da legitimidade da operação, aceitará ser o coveiro da Constituição e encarar o olhar acusador de Celso Antônio Bandeira da Mello e de outros juristas?
5.    Possibilidade do impeachment ser impugnado pelo Supremo.
6.    Tudo isto tendo pela frente o incêndio lavrado pela crise financeira.
Temer montaria no burro xucro?
Elemento 5 – não se sai da crise sem um novo pacto.
Supondo que o governo consiga os 171 votos na Câmara para barrar o impeachment, o que seria o dia seguinte? Uma oposição ensandecida e irresponsável botando fogo na política e na economia e um governo amarrado pelo boicote no Congresso e pela falta de ousadia na política econômica. E uma economia exigindo medidas heroicas para essa reciclagem de financiamentos, entre outros problemas expressivos.
Em algum momento, todos terão que se sentar e negociar em cima de um plano de salvação nacional. E dando uma saída para os parlamentares que dependem do voto não-ideológico.
Provavelmente a grande moeda de troca será Lula. Ou melhor, a perspectiva Lula para 2018. Obviamente, a decisão exclusiva é do próprio Lula e de sua energia para enfrentar a guerra e tentar consolidar nova maioria.
Seja quais forem os termos do acordo, é importante que o lado responsável da República comece a pensar em saídas. E que os diversos poderes comecem a recolher seus radicais, sob risco de serem atropelados pela própria tropa.

Tags

quinta-feira, 24 de março de 2016

Delcídio esclarece, Por Miriam Leitão


POR MÍRIAM LEITÃO
Com a delação do senador Delcídio Amaral muito se esclarece do que parecia obscuro em decisões que foram irracionais do ponto de vista econômico. Foi assim com a Usina de Belo Monte, que afrontou toda a racionalidade em diversas áreas. Foi assim com o dinheiro excessivo emprestado pelo BNDES para os frigoríficos. E também com a entrada intempestiva e desastrada do grupo Bertin na área de geração de energia.
Tudo parece lógico agora. Foram decisões viabilizadas pela corrupção e para se transformarem em dinheiro para campanha. Delcídio contou que quando, três dias antes do leilão de Belo Monte, o maior consórcio desistiu de participar, "em algumas horas" foi constituído novo grupo de empresas. Nele estavam Galvão Engenharia, Queiroz Galvão, Mendes Júnior e, entre outros, a Contern do grupo Bertin, que entrou forte nas disputas de energia, ganhava com muita frequência, e várias vezes não conseguiu entregar o empreendimento que havia vencido. O Bertin sempre foi patrocinado, explica agora Delcídio, por José Carlos Bumlai.
O problema é que poucos meses depois as empresas que não haviam participado do leilão — "não bidaram", como diz o senador — viraram donas do negócio e os vencedores ficaram em segundo plano. Tudo sempre pareceu esquisito em Belo Monte. O governo ignorou todas as críticas que mostravam que o empreendimento era ruim do ponto de vista econômico, fiscal, ambiental e humano. Um grupo de cientistas do governo preparou um documento mostrando que do ponto de vista climático a usina era um erro. Nada demovia a então chefe da Casa Civil, ex-ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff. O Ibama ficou contra. Na Casa Civil foi feita uma reunião que estabeleceu um prazo para sair a licença. Os técnicos do Ibama assinaram que não concordavam com a licença. Do Palácio do Planalto veio o edito: a licença tinha que sair. Publiquei tudo aqui nesta coluna, várias vezes falando do meu espanto com a forma autoritária com que tudo foi decidido.
O que diz Delcídio: "A propina de Belo Monte serviu como contribuição decisiva para as campanhas eleitorais de 2010 e 2014. O principal agente negociador do consórcio de Belo Monte foi o empreiteiro Flávio Barra da Andrade Gutierrez". A Andrade Gutierrez fez acordo para falar o que sabe. Poderá informar mais detalhes sobre o caso Belo Monte.
"Os números da propina giravam na casa dos R$ 30 milhões destinados às campanhas eleitorais". Mas o senador acha que os números finais são superiores porque houve um acordo em relação aos pedidos do consórcio de elevar o preço em R$ 1,5 bilhão. Esse acordo era uma das exigências do consórcio para as propinas pagas como contribuição eleitoral das campanhas de 2010 e 2014. Delcídio estima que atingiram R$ 45 milhões. E segundo Delcídio atuaram nessa engenharia financeira três ex-ministros: Silas Rondeau, Erenice Guerra e Antonio Palocci.
Segundo os termos da delação premiada, "Delcídio tem conhecimento de que Bumlai foi fundamental na liberação de financiamentos pelo BNDES para as empresas Friboi, Marfrig, Bertin, entre outras". O BNDES de fato concedeu empréstimos em volume extravagante aos frigoríficos. Várias vezes esse assunto foi tema de coluna. Tudo parecia irracional. Por que escolher um setor para beneficiar desta forma? Um dos negócios patrocinados pelo banco foi a venda de ativos de carne do grupo Bertin para o JBS Friboi e entrar no setor de energia. Alguns dos empréstimos para os frigoríficos foram danosos. A entrada do Bertin na energia foi estranha porque mesmo sem ter tradição o grupo ganhou vários leilões e depois não cumpriu os prazos da Aneel.
Há muito mais na delação de Delcídio, mas só para ficar em alguns exemplos de como ela ajuda a clarear o que era nebuloso. O que não tinha razão passa a ter. Construir uma hidrelétrica com capacidade para gerar 11 mil megawatts de energia, mas que só vai produzir 4 mil megawatts, na melhor das hipóteses, e que na seca pode chegar a apenas mil, e, para fazê-la, foi preciso passar por cima de tudo. Uma das várias colunas sobre Belo Monte que publiquei dizia: "O espantoso no leilão da hidrelétrica de Belo Monte é que as dúvidas e incertezas estão em todos os pontos". Pois é, agora não há mais dúvidas.
(Com Marcelo Loureiro, interino)