segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

A China além da economia, Moises Naim in OESP


Em coluna anterior, descrevi as dificuldades econômicas que a China enfrenta. O menor crescimento econômico em 25 anos, fuga em massa de capitais, imensas dívidas impossíveis de cobrar e forte queda da bolsa de valores são algumas evidências de que a macroeconomia do gigante asiático não anda bem. Nesta coluna, complemento a análise mostrando alguns sintomas de que as coisas no plano microeconômico também estão se complicando na China.
Convulsões macroeconômicas sempre geram turbulências em outras áreas. A seguir, alguns fatos peculiares no plano micro com consequências para a macroeconomia da China, seu governo, sua população e, inevitavelmente, para todos nós.
Repressão. Em janeiro de 2011, duas greves trabalhistas foram realizadas na China. Este ano, já foram 503. Segundo o Boletim Trabalhista Chinês, em 2015 ocorreram 2.774 greves, o dobro em relação a 2014. Com o aumento dos conflitos trabalhistas, o governo passou a reprimir com força líderes dos trabalhadores. Dezenas foram detidos. 
Zeid Ra’ad al-Hussein, funcionário do alto escalão da ONU na área dos direitos humanos e da Conferência Sindical Internacional, denunciou essas detenções e exigiu a libertação dos ativistas. Eli Friedman, Aaron Halegua e Jerome Cohen, três estudiosos especializados na situação trabalhista na China, escreveram no Washington Post: “Desde que surgiram, há 20 anos, as organizações trabalhistas chinesas têm sofrido sistemáticos ataques e pressões do governo: auditorias fiscais, violência mafiosa e contínuos interrogatórios pelos órgãos de segurança. Mas a recente repressão é mais séria. Ao que parece, o Partido Comunista está decidido a acabar com o ativismo dos sindicatos para sempre. É uma cruel ironia o fato de um Partido Comunista reprimir os trabalhadores”.
Sumiços. Guo Guangchang é chamado de Warren Buffet chinês. É um bilionário que controla a maior empresa privada da China, a Fosun. Em dezembro, ele desapareceu. O empresário estaria “auxiliando as autoridades em determinadas investigações”. Alguns dias depois, sem maiores explicações, reapareceu para presidir a assembleia de acionistas da sua companhia. O caso de Yang Zezhu, um conhecido líder do setor financeiro chinês, foi muito pior. Em janeiro, ele se matou, jogando-se de uma janela. Deixou uma nota explicando que o motivo do seu suicídio era uma investigação que vinha sendo realizada pelo órgão disciplinar do Partido Comunista por “questões pessoais”. 
São dois exemplos de um crescente número de empresários importantes que “desapareceram”, renunciaram subitamente aos seus postos, emigraram ou foram detidos. A lista abrange o grupo mais seleto do setor empresarial. Sabemos que uma das prioridades do presidente Xi Jinping é a luta contra a corrupção. O desaparecimento e a detenção de empresários é, sem dúvida, manifestação dessa cruzada. Mas, além disso, mostra que a luta contra a corrupção serve também para eliminar possíveis rivais e consolidar o poder.
Livros também estão desaparecendo. Os livros contábeis. A polícia chinesa teve de usar retroescavadeiras para extrair de um poço muito profundo 1.200 livros contábeis relativos a uma das maiores fraudes financeiras da China. Ding Ning, 34 anos, é o fundador da Ezubao, empresa de investimentos muito conhecida do país. A Ezubao prometia 15% de rendimento anual a quem depositasse ali seu dinheiro. Muitos o fizeram. E perderam US$ 7,6 bilhões que, segundo se sabe agora, Ding usou para fins pessoais. Essa fraude foi a maior e mais visível entre as que infestam o setor financeiro chinês.
E editores, livreiros e escritores... Lee Bo, de 65 anos, cidadão britânico residente em Hong Kong e acionista da editora Causeway Bay Books, também desapareceu em dezembro. Sua mulher procurou a polícia dizendo que Lee havia sido sequestrado e levado para Pequim. Alguns dias depois, retirou a denúncia e explicou que o marido viajara voluntariamente para ajudar a polícia chinesa em uma investigação. 
Outras quatro pessoas ligadas à mesma editora estão desaparecidas desde o ano passado. Um pequeno detalhe: a empresa é conhecida por publicar livros muito críticos dos dirigentes chineses.
Outro editor, Yiu Man, de 73 anos, preparava a publicação de um livro que leva o título de O Poderoso Chefão Chinês Xi Jinping, do escritor dissidente Yu Jie. Não conseguiu terminar o trabalho pois foi condenado a 10 anos de prisão. Seu crime? Ter levado algumas latas de tinta industrial de Hong Kong para Shenzhen sem pagar as taxas devidas.
Censura, propaganda, ocultação de informações, perseguição de dissidentes, ativistas, empresários ou qualquer pessoa que proteste contra o governo. Essas são algumas das respostas de Pequim para as consequências sociais e políticas da sua crise econômica.
Os governos costumam agravar as crises com a sua reação. Esse é um exemplo. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
É ESCRITOR VENEZUELANO E MEMBRO DO CARNEGIE ENDOWMENT EM WASHINGTON

Cardozo pode ir para AGU; procurador iria para a Justiça, Monica Bergamo


Pedro Ladeira/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 27-01-2016, 16h00: Os ministros Aloizio Mercadante (Educação) e Jose Eduardo Cardozo (Justiça) durante Solenidade de Lançamento do PAR/2016, programa de ações articuladas de combate à crimes contra educação, no MEC. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
O ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) durante evento no Ministério da Educação
De saída do Ministério da Justiça, o ministro José Eduardo Cardozo pode ser deslocado para a AGU, a Advocacia Geral da União.
Seria uma saída encontrada pela presidente Dilma Rousseff para mantê-lo no governo.
O ministro decidiu deixar o cargo, como antecipou neste domingo (28) aFolha.
Um dos cotados para substituí-lo na pasta deve ser Wellington Cesar, procurador baiano ligado ao ministro Jaques Wagner, da Casa Civil.
Cardozo, que já ameaçou pedir demissão em outras oportunidades, sairá em um dos momentos mais delicados do governo Dilma. Bombardeada por denúncias que podem envolver a sua campanha eleitoral, em especial depois da prisão do marqueteiro petista João Santana, a presidente está cada vez mais isolada e distante até mesmo do PT, partido que a elegeu e ao qual é ainda filiada.
Cardozo deixa o cargo também em uma semana conturbada, em que novas delações premiadas podem ocorrer na Operação Lava Jato e em meio a rumores de que estariam sendo preparadas buscas e apreensões em propriedades ligadas ao ex-presidente Lula e a seus familiares.
Nas últimas semanas, a pressão sobre Cardozo, vinda do PT e de partidos da base do governo, chegou a limites "intoleráveis", segundo revelam amigos próximos do ministro.
Para o ex-presidente Lula, o ministro da Justiça é o responsável pelo avanço das investigações ao coração do PT e do Planalto por não controlar a Polícia Federal.
Representantes de setores empresariais investigados pela Lava Jato tambémengrossam o coro contra Cardozo.
Ele estaria sofrendo críticas "injustas tanto da direita quanto da esquerda". E teria concluído que "ajuda mais saindo do governo do que permanecendo no cargo", afirma um desses interlocutores à Folha.
Na última semana, parlamentares cobraram de Cardozo o resultado de inquéritos que apuram abusos de policiais federais na condução de operações em curso. Eles consideram que o Ministério da Justiça não trata dos casos com o devido rigor. 

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Política monetária com juros nulos - SAMUEL PESSÔA


Folha de SP - 28/02

As economias desenvolvidas têm convivido com juro nominal nulo ou muito próximo disso. Em geral, essa situação ocorre com o fenômeno de carência de demanda agregada: após o estouro de uma bolha de ativos, como a bolha imobiliária norte-americana, em setembro de 2008, as famílias se veem muito mais endividadas do que supunham. O valor das residências, que servia como garantia para diversos empréstimos, reduziu-se muito.

Para pagar suas dívidas, as famílias aumentam (ou tentam aumentar) sua poupança e, portanto, reduzem o consumo. O baixo consumo produz deflação ou inflação muito baixa e desemprego persistente.

Nessa situação, uma solução possível é o setor público aumentar o investimento em infraestrutura financiado por meio de elevação do deficit público e, portanto, do endividamento. Trata-se da receita keynesiana padrão para economias com desemprego involuntário crônico.

No entanto, o Japão -o caso de mais longa duração de juros superbaixos- não se enquadra no diagnóstico descrito acima. Os juros japoneses são muito baixos, e a inflação também, mas não há sinais de desemprego de fatores. A taxa de desemprego é da ordem de 3,5%.

Adicionalmente, não parece que a economia apresente problemas dramáticos de crescimento. A taxa de expansão do produto per capita rodava a 1% entre 2004 e 2008 e, após 2011, tem rodado também pouco acima de 1%.

De fato, nos últimos 15 anos, a economia japonesa apresentou crescimento per capita aproximadamente igual ao dos Estados Unidos. O baixo crescimento absoluto do Japão deve-se à elevada renda per capita que já apresenta e ao encolhimento populacional.

Não obstante o baixo desemprego e a baixíssima taxa de juros, a economia japonesa tem taxas de poupança significativamente superiores às de investimento. Esse excesso de poupança pressiona os juros e a inflação para baixo.

As pessoas poupam, apesar dos juros tão baixos, a fim de constituir reserva para fazer frente a imprevistos típicos de uma economia de mercado -desemprego, doença e invalidez- ou para a aposentadoria. O risco impede que a poupança caia, apesar dos juros baixíssimos.

O juro extremamente baixo, em um ambiente de pleno emprego, sugere que há sobreinvestimento, isto é, o retorno do capital, líquido da depreciação, deve ser muito baixo ou até negativo. Esse é um sinal de excesso de infraestrutura.
De fato, a economia japonesa já é tão bem servida em infraestrutura que parece não fazer muito sentido a saída keynesiana típica de turbinar os investimentos públicos na área.

Que fazer? Restam, portanto, medidas que reduzam o risco, para estimular o aumento do consumo. É necessário que haja no Japão um Estado de bem-estar mais generoso.

No limite, os gastos adicionais do Estado de bem-estar poderiam ser financiados por meio de emissão monetária direta do banco central para o Tesouro. Quebra-se um dos pilares de uma política monetária responsável.

Juro nominal nulo como fenômeno de equilíbrio de longo prazo é uma novidade. Novidades obrigam-nos a pensar fora da caixa e a criar instituições diferentes daquelas que foram pensadas para o período inflacionário que vigorou nas economias centrais do pós-guerra até a década de 1990.