quarta-feira, 25 de julho de 2012

Esses índios aí


Pra que serve o índio? Índio não colabora com o PIB, não contribui com a ciência, não dourará nosso quadro de medalhas nas Olimpíadas e ainda é dono de Bélgicas e Bélgicas de terra improdutiva! Esses folgados deviam era tomar vergonha na cara, botar uma roupa, arrumar um emprego, mudar pra um apartamento de 25 metros quadrados e passar duas horas no trânsito, todo dia, como qualquer ser humano normal, é ou não é?!
Tirando a ironia do apartamento e do trânsito, o discurso acima não é muito diferente do que eu ouvi tantas vezes, na época em que cursava ciências sociais e explicava a algum curioso do que tratava a antropologia.
Lembrei-me dessas pérolas na semana passada, ao ler aqui na Folha a notícia de que uma portaria da Advocacia-Geral da União prevê a possibilidade de o setor público construir em áreas indígenas sem consultar seus habitantes. A ideia, pelo que eu entendi, é que as reservas não sejam reservadas. Genial.
Uma vez perguntaram a um antropólogo "por que os índios precisam de reserva?". Resposta: "porque eles existem". Simples assim. Por existirem, viverem da caça, da pesca, da colheita, de pequenas produções de subsistência -e, diga-se de passagem, por estarem aqui há pelo menos 5.000 anos-, devem ter as partes que lhes cabem entre nossos latifúndios.
Que baita desperdício! -dirá a turma do primeiro parágrafo. Debaixo das terras onde esses pelados estão a comer pitangas há minérios valiosíssimos! Minérios essenciais para a fabricação de celulares, por exemplo. Enquanto eles estão lá, rezando pro grande Deus da mandioca, poderíamos estar diminuindo em 0,001 centavo o preço dos smartphones, permitindo a mais gente tirar fotos de seus cachorros para pôr no Facebook, possibilitando que mais gente desse "like" nas fotos dos cachorros de mais gente, contribuindo, assim, para a grande marcha da civilização -mas esses índios...
Não, não direi que o índio é bom e a gente é ruim, caro leitor, nem acho que um caiapó viva necessariamente melhor do que o morador da Caiowá. Sou feliz com os antibióticos, as séries da HBO, as cervejas artesanais e outras conquistas da civilização. E é justamente a herança iluminista desta civilização à qual pertenço que me obriga a concordar que, se não há uma finalidade última para a existência, tanto faz gastarmos o tempo que nos foi dado vestidos e postando fotos de cachorros no FB ou pelados e cantando para a mandioca. Mais ainda: é essa mesma tradição, cujas grandes criações tanto admiro -de Hamlet ao microchip-, que me faz lamentar o tesouro que desperdiçamos ao menosprezar os quase 240 povos indígenas brasileiros, com suas mais de 800 mil pessoas falando cerca de 180 línguas. Quantas Ilíadas e Gênesis, Medeias e Gilgameshs, quantos belos poemas, cosmogonias e epopeias deixam de fazer parte do rio de nossa cultura por preconceito e ignorância?
Garantir a terra e a sobrevivência desses índios é aumentar a riqueza da experiência humana. A deles e a nossa. E, mesmo que não fosse, mesmo que "esses índios aí" não pudessem trazer nada de bom para nós, ainda mereceriam as reservas. Porque eles existem. Simples assim.
antonioprata.folha@uol.com.br

tempo não é dinheiro


Temos que entender que tempo não é dinheiro. Essa é uma brutalidade que o capitalismo faz como se o capitalismo fosse o senhor do tempo. Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida.
Antônio Cândido

O renascimento das agências reguladoras

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Coluna Econômica - 25/07/2012

A suspensão das operadoras de celular pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) é o primeiro passo para a recuperação das funções das agências reguladoras.
Reformar a administração pública é tarefa hercúlea. Significa romper o emaranhado burocrático, criar um espírito de inovação, casar meritocracia com estabilidade. Mas melhorar as concessões públicas é mera questão de vontade política. Em cada concessão há um contrato a ser cumprido. O papel das agências reguladoras é fazer as concessionárias cumprirem a lei.
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Em muitos países - até nos Estados Unidos - há o problema da apropriação dos reguladores pelos regulados. A explicação é simples. O maior conhecimento técnico está nas empresas, assim como recursos para encomendar estudos e pareceres. E o maior mercado de trabalho técnico também.
Conselheiro de agência cumpre mandato. Depois, precisa ir a mercado. E lá, os empregadores são os regulados.
Nos Estados Unidos, a maneira de fiscalizar esse corporativismo foi a criação de uma agência das agências, incumbida de garantir que os contratos de concessão estão sendo devidamente fiscalizados pelas agências setoriais.
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Não existe essa figura no Brasil.
Por aqui, as agências foram constituídas de quadros do próprio governo. Os Ministérios foram esvaziados de suas funções técnicas e as agências ganharam quase poder de definir políticas públicas.
Em alguns casos, como na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), os reguladores atuaram com relativa independência em relação ao mercado. Em outros, como na Anatel e na Anac (Agência Nacional da Aviação Civil), houve uma cumplicidade avassaladora.
No caso da telefonia, criou-se o paradoxo do menos pior: os muito ruins cobram pouco e não entregam quase nada; quem quiser o mínimo, tem que ir para operadoras que cobram os olhos da cara.
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Dentre todas as operadoras, nenhuma tem sido pior que a TIM.
Seu melhor período foi o inicial, quando dirigida por executivos brasileiros oriundos da extinta Telebrás. Depois, gradativamente os maiores cargos passaram a ser ocupados por italianos.
Ocorre que no seu país de origem, a Telecom Italia jamais logrou estabilidade de gestão. Foi disputada por diversos grupos italianos, cada qual mais interessado em tirar um naco da empresa do que promover seu crescimento.
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À medida em que a crise econômica derrubou a Itália, a vida da TIM brasileira complicou. Deu início a uma escalada insana de corte de custos, terceirizou quase toda sua força de trabalho, reduziu drasticamente a manutenção, não cuidou de ampliar sua rede de estações.
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A empresa lançava um plano de marketing, conquistava milhares de clientes e os investimentos corriam atrás. Antes que os novos investimentos dessem conta da demanda, novos planos de marketing e novos gargalos na rede.
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A decisão da Anatel de punir as operadoras deverá mudar os padrões de qualidade e de investimentos, evitando um apagão que se mostrava cada vez mais próximo.
Aliás, a punição seria mais eficaz se não viesse acompanhada de um ridículo pedido de desculpas do Ministro Paulo Bernardo, das Comunicações.